PSEUDOFASCISMO CABOCLO

O fenômeno eleitoral Bolsonaro não tem nada de extraordinário para quem lida, diariamente, com o público usuário do SUS, por exemplo. Não estou querendo, aqui, retirar ou diminuir os méritos do deputado pauloca (misto de paulista com carioca) Jair Messias, porém, se não fosse ele, apareceria outro, com características semelhantes e discurso parecido que provocaria o mesmo movimento do eleitorado em direção à chamada “direita”. Bolsonaro apenas traduziu o sentimento do brasileiro comum, mediano. O vocábulo “mediano” não indica, no caso, a classe média, mas também ela. Mediano é aquele que sai da casa, todos os dias, para trabalhar (ou procurar emprego), independente do valor de sua remuneração, independente de usar os precários transportes coletivos ou dirigir seu próprio veículo, pagando a gasolina mais cara do mundo. Mediano é aquele que paga seus impostos, religiosamente (já vem descontado em seu salário ou embutido no preço das mercadorias que consome), que aprecia um futebol ou uma feijoada no final de semana, que, eventualmente, assiste um ou outro show de seus artistas favoritos, que frequenta os ambulatórios ou serviços de emergência do SUS. Esse é o brasileiro que votou e vota em Bolsonaro, ou melhor, vota em quem consegue apresentar discurso e propostas que apontem para a ruptura com o status quo. Então, o brasileiro mediano é um revolucionário? Ele está muito longe disso. Apenas se sente sufocado pela situação atual e exige mudanças.

O que ficou claro, e muitos fingem não perceber, é que a maioria da sociedade não suporta mais ter de ficar presa em suas residências, à noite; não poder ir à praia, no feriado, sob pena de ficar sem os seus pertences, ou, quiçá, ficar sem a própria vida, vítima de assaltantes (“vítimas da sociedade”) armados, incentivados e fomentados pelo PT e seus aliados. Será que a maioria da sociedade aceita o “discurso de ódio” do seu candidato e aprova o extermínio desses assaltantes? Será que a sociedade virou fascista? Entre “virar fascista” e defender a própria vida há uma enorme diferença. Bolsonaro e os demais políticos que o apoiam deixam claro que entre a vida do homem de bem e a vida do bandido não há dúvidas, ficam com a primeira. Se isso é ser fascista, então, a sociedade, e aí eu me incluo, virou fascista. A proposta é clara, só os intelectuais iluminados não entendem, se está empunhando uma arma e representa perigo iminente para a sociedade será abatido. Simples assim! Isso é execução sumária, é apologia aos esquadrões de extermínio. Nada disso, estamos diante do confronto armado, é guerra. É a guerra de uma sociedade contra o crime que vem ceifando vidas e mais vidas dos integrantes dessa sociedade. Na guerra existem mortos e feridos. Por enquanto (a guerra já está em andamento), os mortos e feridos estão sendo, praticamente, de um único lado. A sociedade indefesa gritou, rugiu e a candidatura de Bolsonaro lhe devolveu a esperança de virar o placar. A sociedade quer vingança? Nunca! Ela só deseja o direito à autodefesa. Autodefesa não significa estar portando uma pistola e sair atirando em qualquer indivíduo suspeito que se aproxime. No caso, estamos tratando da autodefesa proporcionada pela polícia e forças de segurança, para que possam agir da forma necessária, e não fingir que agem, devido às absurdas limitações legais, que precisam ser revistas.

Outro crime bárbaro contra o qual a sociedade se voltou é a corrupção desenfreada, responsável pelo fechamento de mais de trinta mil leitos hospitalares da rede SUS, nos últimos dezesseis anos. Isso, possivelmente, tem ocasionado um massacre do povo brasileiro de proporções maiores do que a própria bandidagem da rua tem feito. Estes assassinatos são, na maioria das vezes, acompanhados de tortura. As pessoas sofrem, sentem dores, acompanham o agravamento progressivo de seus estados de saúde, enquanto aguardam exames de média e alta complexidade, fundamentais para o estabelecimento de seus diagnósticos. Quando conseguem, muitas vezes, entram em outra fila, à espera da cirurgia que lhes salvará a vida. Pouquíssimos alcançam êxito. Convivo com tal situação, em meu trabalho. É uma tragédia pior do que a guerra. O povo brasileiro está sendo dizimado, gradativamente. É um genocídio sorrateiro acarretado pela corrupção. O brasileiro mediano tem ou teve alguém de sua família que vivencia ou vivenciou tal circunstância. Ele não quer mais estar sujeito a tamanho sofrimento. Aí, qualquer um que, sem titubear, empenhasse total apoio à operação Lava-Jato conquistaria a simpatia da grande maioria. E foi, justamente, isso que Bolsonaro fez. Por que? Teria sido jogada de marketing? Bolsonaro é um brasileiro mediano, que pensa, age e fala do jeito que a maioria quer. Não precisa se submeter aos ditames de marqueteiros para sintonizar no mesmo canal de seus eleitores.

Por outro lado, a presidente do partido de seu oponente, o Haddad, declara, em alto e bom som, ocupando a tribuna do Senado, que o Juiz Sérgio Moro não tem vergonha na cara de querer penalizar os políticos do PT por causa de um roubinho de apenas seis bilhões de reais, na Petrobras, sendo que a empresa fatura 500 bilhões de reais. Logo, na visão da Senadora Gleise, na visão do PT, esse desvio de seis bilhões é insignificante e não deveria ser motivo de punição. O próprio candidato do PT declarou que, se vencesse as eleições, o Lula estaria subindo a rampa do palácio, junto com ele, no dia 1 de janeiro. Tais declarações demonstram total desprezo pelas leis, pela moral e pela ética. Em outras palavras, por mais que o Haddad tente, agora, se desdizer, a verdade é que o retorno do PT ao poder significa impunidade pelos crimes já praticados e continuidade da corrupção, visto que na opinião de suas principais lideranças, nada há de errado nisso.

Então, Bolsonaro representa os anseios de uma sociedade fascista que exige punição dos corruptos e um basta no desvio dos recursos públicos para fins inconfessáveis. Assim, eu também quero ser fascista. Quero que o governo federal aplique na saúde e na educação o que está previsto na Constituição Brasileira e não vem sendo feito nos últimos trinta anos. Ou seja, os governos ditos democráticos descumpriram a Constituição. Quem sabe um governo fascista fará diferente? Se todos os recursos previstos forem, de fato, aplicados, não chegaremos ao paraíso, mas estaremos longe do inferno que vivemos atualmente.

Pois é desse fascismo que estamos falando. O fascismo que garante bandidos mortos ou na cadeia, e sem “saidinhas” de Natal ou dos Dia das Mães. Alguém vai argumentar que inocentes morrerão. Já morrem, hoje, 60.000 assassinados por ano, sem contar os mortos das filas do SUS. Por mais fascista que venha a ser o governo Bolsonaro, duvido que alcance cifras maiores do que um por cento dos números atuais.

Quanto ao resto, é folclore. “Bolsonaro quer implantar o neoliberalismo na economia.” “Bolsonaro quer armar a população.” Sinceramente, fascismo e neoliberalismo são antagônicos. Impossível a convivência entre eles. Regimes ditatoriais buscam desarmar suas populações para evitarem focos de resistência e não correrem o risco de sucumbirem às revoltas populares. Estaríamos, então, diante de um fascismo suicida? Como se pode ver, as mesmas pessoas que acusam a candidatura de Bolsonaro de fascista tecem-lhe críticas que apontam no sentido contrário. Nenhuma coerência, portanto.

“Bolsonaro apoia a tortura.” Quem parar para analisar o discurso do Capitão em relação a esse tema verificará que ele usou, de forma original e bastante inteligente, um valor negativo, a tortura, como ferramenta de marketing para alcançar projeção nacional. Até o dia 17 de abril de 2016, quando foi votada a autorização para a abertura do processo de impeachment contra a ex-presidente Dilma Roussef, Jair Messias Bolsonaro era um deputado do baixíssimo clero, completamente desconhecido da grande maioria do eleitorado brasileiro, exceto para o povo do Rio de Janeiro que o havia reconduzido à Câmara dos Deputados, como o federal mais votado de 2014. Entretanto, sua reverência à memória de Carlos Alberto Brilhante Ustra, no momento de proferir seu voto, fez com que a grande mídia, em todo o país, no dia seguinte, estampasse sua foto em primeira página e dedicasse vários parágrafos criticando sua atitude. Ali, foi, de fato, lançada sua candidatura a presidente da república, só que ninguém percebeu. O deputado empregou um conhecimento básico da propaganda, “falem mal, mas falem de mim.” Dali para a frente, continuou fazendo declarações polêmicas e, com isso, ganhava mais e mais espaço na mídia. E olha que a tal mídia lhe era contrária, mas caiu feito um patinho, fazendo uma divulgação gratuita do já então pré-candidato. Com tantos holofotes apontados para ele, os eleitores do Brasil inteiro passaram a enxergá-lo. E passaram a ouvi-lo. E descobriram que havia muita coisa em comum entre o que ele falava e o que já estava alinhavado dentro das cabeças dos homens medianos. Daí para se transformar no Mito foi um pulo.

“Esse culto à personalidade é característica dos regimes ditatoriais.” Outro grande equívoco dos adversários. A grande maioria dos eleitores do Bolsonaro votaram em Aécio Neves há quatro anos, porque já traziam essa mesma “ideologia” dentro de si. Tão logo foi comprovada a participação do Senador mineiro em esquemas de corrupção, ele foi abandonado. Não havia culto à personalidade e sim fidelidade às ideias. Caso Bolsonaro, já eleito, “pise na bola”, isto é, tenha um comportamento oposto ao que vem defendendo, ele será abandonado da mesma forma. Seus eleitores, de hoje, estarão nas ruas pedindo seu impeachment. Já do outro lado, apesar de inúmeras provas, ainda tem gente pedindo “Lula livre” e garantindo que o processo de sua condenação foi injusto e que o barbudo é o mais honesto dos brasileiros. Onde está o culto à personalidade?

Hoje, o que temos é o seguinte: de um lado, todo o desejo de mudanças da sociedade representado pela candidatura de Bolsonaro, acusado, por desconhecimento ou falta de caráter dos acusadores, de fascista. Para não entrar em rota de colisão com essa turma de fanáticos e obstinados, vou classificar o projeto de Bolsonaro como Pseudofascismo Caboclo. Pronto! Está bom assim? Do outro lado, temos a opção pela continuidade, pela impunidade, defendida por alguns que se privilegiaram da roubalheira institucionalizada pelo PT. Entre estes, temos alguns “artistas” que não sobrevivem sem a famigerada Lei Rouanet. Temos também aqueles movidos pelo sectarismo partidário que veem em Haddad a possibilidade de um governo um pouco melhor do que os que o antecederam. Ledo engano! Caso consiga se eleger, o fantoche do Lula terá um Congresso já bastante modificado pelo “fenômeno Bolsonaro”. Um Congresso adverso, bem diferente do que foi enfrentado por Lula e Dilma. A chance de seu governo ser interrompido antes dos quatro anos é a maior que já tivemos em toda a história da república brasileira. Haddad teria de empenhar boa parte de seu tempo e dos recursos do erário público para se manter presidente, como aconteceu com Michel Temer. Enquanto isso, o país afundaria num buraco repleto de lama e, praticamente, sem fundo. Teríamos o afogamento da economia, com desemprego crescente, corrupção descontrolada e a bandidagem fazendo a festa. O remédio, ainda que meio amargo, indiscutivelmente, é o pseudofascismo caboclo.