Paradoxo da Intolerância: crime de inocência

O paradoxo apontado por Poper em seu livro "A Sociedade Aberta e seus Inimigos" defende que o último recurso de uma sociedade tolerante contra os intolerantes é a intolerância.

Porém é uma colocação filosófica que pouco resiste a realidade pragmática da política e do poder. Na letra é algo lógico e sensato, na prática é o prenúncio de tragédias.

Quando os poderes públicos, as leis e os articuladores esperam que o intolerante se torne uma ameaça efetiva a sobrevivência dos demais membros da sociedade, ele já cooptou a mídia, buscou aliados entre os poderosos, desmoralizou seus opositores, tornou o questionamento às suas verdades uma ameaça a ordem, atribuiu suas contradições à maldade ou burrice de seus adversários.

Na verdade, quando o intolerante, geralmente massa de manobra de interesses partidários e econômicos, se sente a vontade para se revelar uma ameaça aos demais, já é muito tarde para que os tolerantes ajam sem a força apelativa do mesmo radicalismo.

Me causa espanto que Popper tenha publicado este livro em 1945 e pouco aprendeu sob a escalada politica de Hitler, tanto na política externa quanto dentro da Alemanha.

Não aprendeu nada sobre como as constantes concessões internacionais às bravatas expansionistas de Hitler contribuíram para suas ambições bélicas e confiança interna na sua política bélica.

O liberalismo também sofre de uma doença infantil que o retarda como uma política interessante para a sociedade: redução do homem a um ser puramente racional e ignorar o quanto de sua "irracionalidade" é impossível de ser desassociada do que ele é.

Por isto costumam ignorar as contribuições das Ciencias Humanas no conhecimento do homem. Negam tanto o papel desta "irracionalidade" quanto a possibilidade de entender sua lógica. Resultado: nos distraimos com silogismos dedutivos e refutacoes, enquanto Hitleres contam cem mentiras e seduzem milhões de analfabetos funcionais e científicos.

Esta inocência acaba por cometer de forma culposa, sem dolo, o crime de omissão quanto ao mal que deveria combater e que muitos confiam a eles tal missão. No final são os primeiros a se exilarem...

Trecho de A Sociedade Aberta e seus Inimigos:

"Tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância. Se estendermos ilimitada tolerância mesmo aos intolerantes, se não estivermos preparados para defender a sociedade tolerante do assalto da intolerância, então, os tolerantes serão destruídos e a tolerância, com eles. — Nessa formulação, não insinuo, por exemplo, que devamos sempre suprimir a expressão de filosofias intolerantes; desde que possamos combatê-las com com argumentos racionais e mantê-las em cheque frente a opinião pública, suprimi-las seria, certamente, imprudente. Mas devemos nos reservar o direito de suprimi-las, se necessário, mesmo que pela força; pode ser que eles não estejam preparados para nos encontrar nos níveis dos argumentos racionais, mas comecemos por denunciar todos os argumentos; eles podem proibir seus seguidores de ouvir os argumentos racionais, porque são enganadores, e ensiná-los responder argumentos com punhos e pistolas. Devemos, então, nos reservar, em nome da tolerância, o direito de não tolerar o intolerante."

P.S.: Isto significa perseguição ideológica contra os intolerantes? Faz sentido não punir quem joga outras pessoas contra o direitos dos demais ao invés de debater publicamente seu mérito? Precisamos esperar que um Hitler mande pessoas para guetos, tome empregos e bens e os envie para campos de concentração para daí tentarmos impedir que o intolerante continue a intolerar?

Wendel Alves Damasceno
Enviado por Wendel Alves Damasceno em 25/06/2019
Reeditado em 25/06/2019
Código do texto: T6681468
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