C. H. Spurgeon e a Política de seu tempo (EXEMPLO PARA UMA PEQUENA ANÁLISE DE NOSSO CONTEXTO POLÍTICO)

Autor: Marcos Paulo A. Morais

14.03.2020

Fonte do texto de Spurgeon: https://www.biblebb.com/files/spurgeon/pd1873.htm

Em Dezembro de 1864, Charles Spurgeon começou seu projeto de ter uma revista mensal, a “The Sword and the Trowel” (A Espada e a Espátula), nome da revista advindo de Neemias 4:17:18, em que os trabalhadores ao reconstruir os muros de Jerusalém, trabalhavam com a “espátula”, instrumento de trabalho na construção e ao mesmo tempo, tinham consigo as suas armas, suas “espadas”, pois tinham que se protegerem contra uma ameaça externa, que eram contrária ao reerguimento da muralha. A ideia de Spurgeon era usar as edições da revista para relatar as atividades de seu ministério, combater os erros que estavam surgindo no meio evangélico de sua época, como foi o caso da “controvérsia do declínio”(1887), em que Spurgeon lançou duras críticas contra pastores batistas que estavam aderindo aos “modismos” da época, levando Spurgeon a sair da convenção batista.

Mas antes de acontecer essa grande controvérsia com os Batistas, em Março de 1873, Spurgeon entra em controvérsia com os líderes religiosos da Igreja Anglicana. O Anglicanismo é a religião oficial da Inglaterra, (semelhante à igreja católica, com a diferença que a igreja anglicana não cultua santos, Maria, e não tem como chefe o Papa do Vaticano), é a igreja oficial do Estado, e portanto, é uma igreja que está subordinada às questões políticas, sendo que os políticos são os que têm influência e decide quem serão os bispos chefes da igreja.

Nesse caso, Spurgeon começou a criticar esse envolvimento da Igreja Anglicana com o Estado, e como Batista, achava isso uma aberração o Estado interferir em assuntos da Igreja. E por isso, choveu críticas à revista. Spurgeon escreve:

“Durante o último mês, temos sido criticados tanto em público quanto por carta, como poucos homens têm sido, pois, em poucas frases, expressamos nossa crença de que César se importava melhor com suas próprias coisas e deixava as coisas de Deus em paz. Muitas das cartas que recebemos são de tal natureza que desonrariam a causa do próprio Belzebu. Certamente, a aliança Igreja e Estado nunca terminará com a falta de pessoas para defendê-la. Algumas comunicações foram corteses e até racionais, mas, de longe, a maior proporção das críticas foram simplesmente uma junção de frases abusivas e bombardeios tolos...”

Entre muitas críticas, dentre elas, Spurgeon destaca o de “dissidente político”, ou seja, queriam dizer que ele estava procurando achar “discórdias” em um campo de assunto que não é o dele, que é a política. Disseram que ele estava adentrando em um assunto do qual Spurgeon não tinha o porquê se envolver. Porém, Spurgeon explica que a política, em si, não é mau, e que pode ser até proveitoso para o cidadão exercer sua cidadania diante do Estado, seja criticando-o, seja se envolvendo diretamente como político eleito, buscando o melhor para a sociedade, sendo isso até louvável. Ele diz:

“... A verdade é que muitos de nós são relutantes em tocar no assunto política, e nunca o faríamos se não fôssemos levados a isso. Nosso tema de vida é o evangelho, e lidar com os pecados do Estado é nossa "obra estranha", na qual somente entramos sob as solenes restrições do dever. Ver o papado ser a religião nacional despertou a mais gentil indignação entre nós. Uma igreja evangélica, imposta a nós pelo Estado, era uma queixa e um erro estabelecer forçadamente um ritual vergonhoso sobre nós, pois a religião nacional é uma tirania que nenhum inglês deveria suportar. Será que um padre anglicano deve balançar o incensário na nossa cara em nome da nação? Será que os ídolos e divindades do Ritualismo anglicano devem ser erguidos diante de nós, com esta exclamação: "Estes são teus deuses, ó Inglaterra!"? É o caso, e, portanto, protestamos por sermos protestantes – pois não o toleraremos com mansidão, posto que adoramos ao Deus vivo.”

Spurgeon criticava as formas ritualísticas da igreja Anglicana. Esta tinha por “tradição” a conservação de muitas “formas” de rituais religiosos, herdadas da Igreja Católica Romana. E como essa Igreja anglicana tem por base ser a Igreja Oficial do Estado Inglês, Spurgeon ao criticá-la, estava, por sua vez, mexendo com questões políticas de seu tempo.

Porém, Spurgeon deixa claro que ele não estava nem a favor da ala política Liberal (do partido Whig) e nem da ala conservadora ( do Partido Tories). Os Whigs e os Tories eram os partidos políticos dominantes no parlamento inglês da época:

“Para um ministro cristão ser partidário ativo de Whigs ou Tories, ocupado em defender publicamente para facções políticas rivais, seja conservadora, seja liberal, seria de má reputação. Se o cristão esquecesse sua cidadania celestial e se ocupasse dos objetivos dos caçadores de lugares, seria degradante para seu alto chamado como ministro de Deus: mas há pontos de contato inevitável entre as esferas superior e inferior, pontos em que a política persiste em entrar em cena. Havendo colisão com a nossa fé, seremos traidores, tanto para o céu quanto para a terra, se ficarmos em nosso conforto, retrocedendo. Até que a religião na Inglaterra esteja totalmente livre do patrocínio e controle do Estado, até que o papado anglicano deixe de ser chamado de religião nacional, até que qualquer homem de fé, seja qual for a religião, seja igual perante os olhos da lei quanto aos seus direitos por ser religioso, não podemos, e não ousemos deixar de ser político. É porque tememos a Deus e desejamos sua glória, que devemos ser políticos – deve ser parte de nossa piedade ser assim. Quando mais próximos de Deus em oração, mais oramos para que sua igreja não oprima e nem seja oprimida; ao andar em comunhão mais santa com Jesus, ansiamos que somente ele seja o chefe da igreja e que a igreja não se contamine mais com os reis da terra”

Assim, Spurgeon argumenta que esse fato dele criticar a ligação entre política e igreja, não somente ele fazia isso naquele momento, como muitos santos homens de Deus, na história passada, também fizeram o mesmo de reprovar a Igreja Anglicana por ter esse laço estreito com o Estado Inglês.

Ademais, traz à tona, também, mencionando brevemente, que até o apóstolo Paulo exerceu sua cidadania romana, quando foi preciso assim fazer, livrando ele de uma morte antecipada sem o devido processo legal. Dessa forma, Spurgeon argumenta que é um direito dele, como cidadão inglês, ter a liberdade de crítica em relação às questões políticas, mesmo sendo um homem de fé, pois no fim, quer o melhor para o seu país:

“... Alguns dos homens mais espirituais e semelhantes a Cristo que já conhecemos, estavam tão convencidos dos males do atual estabelecimento [igreja e estado], e tão fervorosos pela separação entre Igreja e Estado, como sempre podemos ser. Eles eram santos, e ainda dissidentes políticos. Eles viviam perto de Deus e desfrutavam de comunhão diária com o céu, e, no entanto, como o apóstolo Paulo, eles valorizavam seus direitos civis e se manifestavam quando os viam sendo violados.”

Em Atos 22:28, Paulo diz ter a cidadania romana por “nascimento”. É estranho que Paulo fosse cidadão romano por nascimento, isso significaria que ele não havia comprado a cidadania, como muitos faziam; mas sim a herdou, ou por ter um pai de nacionalidade romano ou sua mãe era. Isso acontecia automaticamente, de ter a nacionalidade romana, se acaso um dos dois cônjuges fosse romano. Por isso o apóstolo tinha duas cidadanias, Romana e Judaica. Assim Paulo reivindicou seu direito, como cidadão Romano, de ser tratado de acordo com Direito Civil Romano, portanto, lhe dando a oportunidade de ter um julgamento que lhe fosse dado o direito de defesa, deixando-lhe por mais tempo vivo, para poder pregar o evangelho.

Dessa forma, ter posicionamentos políticos, é saudável e demonstra que o cristão deve ter consciência da realidade em que vive, e mesmo sendo cidadão celestial, temporariamente, como peregrino, nesta existência terrena, onde jaz no maligno, isto não o isenta do dever de ter “consciência política”, de fazer o bem exercendo influência cristã para o melhor da sociedade, seja votando em bons políticos, seja criticando os maus políticos, seja mostrando aos demais a situação política em que se encontra a nação e as suas necessidades de melhoramento, jamais trocando o seu voto por favores políticos, seja no engajamento políticos diretamente, candidatando-se e sendo eleito, fazendo o melhor possível na esfera pública, enfim...

E nesse sentido, Spurgeon se expressa:

“...Nossas emoções religiosas mais profundas são despertadas pela luta imposta a nós. Não diremos que os não-conformistas [aqueles que acreditam que a igreja não deve se submeter ao poder do Estado, portanto, não tendo essa ligação tão íntima com o Estado] que não são criticados como “dissidentes políticos” não são servos santos de Deus, por se manterem ausentes desse debate público, mas direi que, se fugirmos do trabalho que nos torna políticos, devemos cuidar para que não sejamos traidores do Senhor. A “maldição de Meroz” cairia sobre nós se não chegássemos a ajudar o Senhor neste dia de batalha (Juízes 5.23). A história da nação e o destino de milhões de pessoas podem depender da fidelidade dos não-conformistas a esta hora, e nossa persuasão é que chegará o dia em que a honra será maior do que a desonra, mesmo tendo sida reconhecida como UM DISSIDENTE POLÍTICO".

Para concluir, o exemplo histórico de Spurgeon nos ensina que, nesse momento histórico, aqui no Brasil, precisamos mais do que nunca, nos posicionar, enquanto evangélicos, diante da junção entre igreja e Estado. As eleições desde 2002, quando Lula foi eleito, contou com o apoio de muitas igrejas, denominações das mais diversas, seja as igrejas de cunho pentecostal, seja as igrejas de cunho histórico (batistas, presbiterianas, metodistas, etc.).

De lá pra cá, os evangélicos foram crescendo no Brasil, em número cada vez mais maior, de modo que muitos líderes evangélicos fazem de suas denominações religiosas currais eleitorais de políticos, os quais brigam por conseguirem apoio deles. Hoje as igrejas evangélicas estão divididas, e isso foi ficando bem claro, desde as eleições de 2014.

A maioria dos evangélicos, inicialmente, começaram apoiando Marina Silva, mas por esta candidata ter ligações com o PT, desde o governo Lula, a grande massa de evangélicos foi migrando para o Aécio Neves. No segundo turno, o PT da Dilma, já havia entrado em choque com os evangélico, pois as pautas da esquerda (aborto, ideologia de gênero, legalização do casamento homossexual, etc.) havia sido explorada pela dita “direita” do PSDB.

De 2014 pra cá, os evangélicos só cresceram em número em todo o Brasil. Principalmente da ala pentecostal e neopentecostal. Sabedores do fenômeno, começaram a darem importância a este seguimento da população. Bolsonaro percebendo esse movimento, foi dando ênfase aos seus discursos “religiosos” e conservador, tendo a simpatia do público cristão, seja ele evangélico ou católico (embora a maioria dos padres católicos, cooptados pelo PT e que se beneficiaram durante a era PT, fossem contra ele), de modo que o “mito” levou a melhor em 2018. Aumentou mais ainda a influência dos evangélicos na política, de modo que, também aumentou o número de deputados e senadores evangélicos no congresso nacional nestas últimas eleições.

Por exemplo, hoje temos uma ministra Damares Alves, ministra do Direitos Humanos, e é tida como pastora evangélica. Também temos o advogado geral da União, colocado no posto pelo Presidente Bolsonaro, André Mendonça é pastor evangélico Presbiteriano.

Estes são apenas alguns exemplos, de como a Igreja adentrou nas estruturas do Estado, seja em razão da troca de favores à políticos, elegendo-os, seja quando esses próprios evangélicos, tornando-se candidatos, conseguem ser eleitos, tornando-se agentes políticos, tornando essa ligação, cada vez mais se mesclando, entre igreja e Estado, um caso a ser pensando de forma crítica por nós.

O exemplo mais claro disso, em setembro de 2019, é a cena lamentável do Presidente Bolsonaro de joelhos, no suntuoso templo de “Salomão”, recebendo a benção Sr. Edir Macedo. Assim, na realidade, estamos assistindo o diabo exercendo grande influência política nesse atual governo. Talvez tenha soprado por meio do Bispo e dito ao presidente, mostrando-lhe todos os reinos do mundo, e a glória deles, e dito “Tudo isto te darei se, prostrado, me adorares”.

Essa ala das igrejas de massa, pentecostais e neopentecostais, não só estão na frente com o maior número de políticos eleitos, como também estão com pessoas nomeados em vários cargos políticos. A desgraça de tudo isso, é que essas denominações estão, na realidade, não atrás de uma melhoria para o país, mas querendo apenas “poder” econômico ou político. Não é a toa que essas denominações estão espalhadas pelos quatro cantos do país, donas de emissoras de rádios, televisões, templos luxuosos.

Por outro lado, a esquerda política brasileira, especialmente o PT, desde o ano passado(2019) passou a se preocupar grandemente com o público evangélico, realizando um trabalho de cooptação, de “conquista” para si dos cristãos evangélicos de cunho histórico (Batistas, Presbiterianos, metodistas, entre outras denominações menos conhecidas). Esse movimento se vê claramente pelas redes sociais.

Assim, temos como dois exemplos, assim bem populares nas redes sociais, o pastor Caio Fábio, que vem sendo o apoiador da esquerdista Marina Silva. E em seus vídeos, Caio Fábio vem constantemente criticando veementemente o governo atual, e, combatendo os bolsonaristas, reproduzindo os mesmos clichês da esquerda política, que o outro lado da qual ele tem repulsa, são composto de pessoas que pregam o ódio à estrangeiro, gays, lésbicas, negros, criminosos, são cheios de preconceitos, que são contra os pobres, que são nacionalistas do tipo fascistas e nazistas, etc.

Temos também, outro pastor, que faz coro nesse sentido, o pastor Batista, Ed. René Kivitz. Adepto de um pensamento evangélico marxista. Faz parte da teologia da missão integral, que nada mais é do que uma versão de evangélico da teologia da libertação da igreja católica (teologia de cunho marxista).

O que se percebe é que esse outro lado, da esquerda evangélica, também quer ter o seu espaço, apostando em eleições futuras, e estão a todo vapor, fazendo uma “pré-campanha”, de onde têm seus espaços na internet.

Eles sabem que definir uma posição, seja a favor da falsa “direita” ou a favor da falsa “esquerda” na política podem lhes render bons favores depois, ou a capacidade de eleger seus candidatos, por meio dos quais lhes trarão as bênçãos de César.

Diante de tudo isso exposto, que possamos está bem atentos aos interesses por de trás dos discursos, e não confiar em alguém apenas porque se diz ser representante cristão na política.