Bolsonaro é paladino da moral?

"A religião é uma questão privada e só deveria ser celebrada dentro de casa ou nas igrejas."

Madalyn Muray O’hair

“Ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”

Constituição Federal, art. 5.º , inciso III

“Art. 287 - Fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime: Pena - detenção, de três a seis meses, ou multa.”

Código Penal

Entre um dos muitos motivos que levaram tantos brasileiros a votarem no Bolsonaro podemos citar os seus discursos conservadores e, mesmo quando seus opositores tentavam alertar dizendo que suas falas mostravam uma pessoa despreparada, ignorante e preconceituosa, cheia de discursos de conteúdo sexista, ultrapassado e homofóbico, os que insistiam em defende-lo cegamente – pessoas de moral conservadora - diziam que ele era pelos valores morais tradicionais da família brasileira que estariam sendo achincalhado pelo PT. Que valores morais são esses que ele pregaria? Segundo os brasileiros mais moralistas, Bolsonaro seria pela família, religião, moral e bons costumes. Como podemos ver, não é pequeno o número de brasileiros que torce o nariz para as causas LGBT, por acreditarem que isso é contra o modelo ideal de família, que deveria ser composto por mãe, pai e filhos.

Entretanto, será que a postura tradicionalista significa que ele seja alguém que age regido por moral e bons costumes? Lembremos de como ele agiu ao votar pelo impeachment de Dilma Rousseff. Ele elogiou Ustra, um notório torturador. Quem quiser saber sobre Ustra, leia o livro Brasil: nunca mais, em que se fala como a tortura era usada em presos políticos. Ao elogiar um torturador, Bolsonaro acabou por fazer apologia da tortura. Isso é um procedimento ético e moral? O que é mais imoral? Um homem se deitar com outro homem ou a prática da tortura, um crime que o nosso Código Penal reconhece como hediondo? Isso é uma atitude responsável, principalmente vinda da parte de um político? Há algo mais obsceno do que torturar alguém?

Depois, durante a votação, ele foi grosseiro e agiu sem decoro, provocando Jean Wyllis, rindo de sua orientação sexual, levando o segundo a se descontrolar e cuspir nele. O ato de Jean Wyllis foi extremo, mas não podemos condená-lo. E zombar de outra pessoa por causa de preconceito é uma atitude imprópria e indigna. Como podemos alegar que Bolsonaro é um paladino da moral? E seus filhos ainda mentiram, dizendo que Jean, há muito tempo, planejava cuspir no ilustre Jair Messias Bolsonaro, homem que nunca apresentou um projeto relevante em tantos anos como parlamentar e, sempre que falava, só mostrava ser uma pessoa preconceituosa e desprovida de qualquer traquejo. Dizer coisas como que filhos homossexuais são falta de castigo físico mostram sua extrema ignorância e o fato de que ele parece desconhecer que não deve permitir que suas opiniões pessoais influam no seu trabalho.

Presidente não é para ser paladino de moral e bons costumes, preocupar-se em dizer que homem é para se unir apenas a mulher ou favorecer pessoas, nomeando-as para cargos importantes por causa da religião. A gente não precisa de guardiões da moral. Do que adianta se preocupar com coisas tão insignificantes como o que as pessoas fazem entre quatro paredes ou em nomear para determinados cargos pessoas por causa de sua religião? Não somos um Estado laico? Precisamos de saúde, educação e segurança, não de ensinamentos de ordem religiosa ou moralista. Para piorar, Bolsonaro tem se cercado de pessoas que mostram parecer viver em um mundo particular, como a Damares Silva, cujas falas insinuam que a mulher vive num mundo paralelo, no qual Jesus Cristo aparece em pé de goiaba.

Damares nos faz suspeitar que não tem o juízo funcionando perfeitamente. Suas afirmações são hilárias e desprovidas de qualquer senso. Ela já afirmou que, no casamento, a mulher deve ser submissa ao homem, que estamos vivendo uma ditadura gay -lembremos do que ela disse sobre meninos vestirem azul e meninas, rosa – que, na Europa se está aprendendo a masturbar bebês, que sexo por prazer era coisa de gente da esquerda e que seria o momento da Igreja ocupar a nação. Além dela, devemos salientar que Bolsonaro nomeou um criacionista para presidir a Capes. Este senhor, evangélico, se chama Benedito Guimarães Aguiar. Será que podemos imaginar o retrocesso que será na educação? Religião nunca deve se misturar com política e educação. Imaginemos os professores de ciências, em vez de ensinar sobre fatos comprovados após muito estudo, pesquisa e experimentação, ensinando sobre dogmas religiosos.

Religião é algo para as pessoas viverem em suas vidas pessoais e não deve ser ensinado nas escolas. Pregar o ensino de religião nunca levará a situações pacíficas. Se já há bullying contra alunos que não seguem as religiões cristãs – somos um país de maioria de cristãos – imagine se a religião passar a ser uma matéria obrigatória. Preocupemo-nos em ensinar os alunos a ler, escrever e a ser cidadãos em vez de ensinar religião. Cada um que viva a sua sem desrespeitar a do outro. Quanto à sexualidade, vamos desmascarar a mentira – usada a favor de Bolsonaro - pregada por muitos de que se estaria usando um kit gay nas escolas. Primeiro, se ser homo, bi, hetero ou transexual dependesse realmente da educação dada pelos pais, não haveria homossexuais. Não se pode ensinar ninguém a ser nem homem nem hetero. Muitos homossexuais, bissexuais ou transexuais são oriundos de lares cristãos, em que se ensina que a homossexualidade é uma abominação e que “os efeminados não herdarão o reino dos céus”. No Antigo Testamento, na lei mosaica, a prática homossexual é crime punível com a morte. Vários homossexuais filhos de cristãos foram expulsos de casa por seus pais e bastava os pais desconfiarem que eles tinham um comportamento considerado “impróprio” que era, violentamente surrados. Uma mulher trans já contou que o pai dela, ao desconfiar que ela não era um “macho”, deu-lhe uma surra de cinto, deixando-a marcada em diversos lugares e que até hoje ele se recusa a falar com ela.

Dizer que falar sobre homossexualidade nas escolas vai tirar a inocência das crianças é pura ingenuidade. Hoje em dia, crianças veem casais homossexuais nas novelas, acessam a Internet, sabem que têm homossexuais nas suas famílias e muitas são criadas por casais homossexuais. As escolas não podem ignorar que vivemos em uma realidade marcada pela diversidade e não há lugar melhor que o ambiente escolar para falar sobre isso de maneira científica, desprovida de preconceitos. O que se deve ensinar é que existem as diferenças e devemos respeitá-las. Bolsonaro e seus asseclas não deviam se incomodar com isso, mas com coisas mais relevantes.

Muitos defensores de Bolsonaro dizem que a Globo conspira contra ele. Engraçado que não diziam isso quando a Globo atacava Lula ou Dilma. Bolsonaro, o “paladino da moral”, se destrói ao falar, mostrando insensibilidade para com o drama do coronavírus, dizendo pérolas do tipo: “ quem é de direita usa cloroquina e quem é de esquerda toma tubaína”. O que é mais importante? Um presidente com valores conservadores ou um presidente que se preocupa efetivamente com os habitantes do seu país? Infelizmente, estamos à mercê de um homem fanfarrão, campeão em falar uma asneira atrás da outra e que age como se estivesse acima do bem e do mal.

Só podemos ter pena de nós, que estamos nas mãos de um notório incapaz.