Em tempo de pandemia - um governador feirense no Amazonas

O médico feirense Pedro de Alcântara Bacellar era governador do Amazonas, e deixou escrito um relatório sobre os tristes acontecimentos causados pela gripe espanhola, que chegou ao Brasil em navios, inicialmente no porto de Recife, capital de Pernambuco, de agosto de 1918 a junho de 1919, logo após a primeira Guerra Mundial, deixando no mundo um rastro de destruição muito maior, entre 20 e 40 milhões de pessoas mortas.

O Norte do país foi atingido em setembro daquele ano, em Belém foram 575 os casos fatais e em Manaus, 858 pessoas foram mortas pela doença.

O Instituto Benjamin Constant foi um das últimos lugares atingidos, caindo doentes 143 alunas e sete irmãs religiosas, mas felizmente não ocorreram vítimas fatais.

Segundo o relato do filho de Feira de Santana, na Bahia, Dr. Pedro de Alcântara, presidente-governador do Amazonas, conta-nos que a 22 de outubro de 1918, passou por Manaus o navio São Salvador, vindo do Pará, do qual desembarcaram algumas pessoas gripadas. Outro navio, o Valparaiso, vindo de Belém, no dia 24, desembarcou com 17 doentes infectados por um mal mortal, sem identificação imediata, o que causou muitas mortes.

À medida que o tempo passava, com o crescente número de infectados, o comércio, serviços e indústria foram prejudicados, sendo suspensos os ensaios no Teatro Amazonas e demais lugares públicos de diversão, cabendo ao estado prestar os primeiros socorros à população tomada pelo pânico, pelo medo da propagação assombrosa da doença.

Naqueles anos o mal causava muitas mortes, e as autoridades proibiram que fossem feitos velórios dos entes queridos, adiava-se cultos religiosos e não deixava, inclusive, que a Santa Casa recebesse mais gripados. Instalaram-se postos sanitários locais em Cachoeirinha, Vila Municipal, São Raimundo e Vila Barroso.

Em novembro daquele ano foi o pior momento, quando a epidemia já era devastadora, pela desolação, pavor e lutos, quando a Associação Comercial pediu a todos que ajudassem a população, com a criação de um comitê de crise, que instalou postos de atendimentos, fecharam as casas comerciais e entenderam que os veículos deixassem de circular, tendo dificuldade até no transporte de cadáveres, mas o governo ajudou muito nesse trabalho e apoio, enquanto muitas pessoas da érea de saúde ou não foram caindo, atacadas pela gripe mortal, com a classe médica, de forma abnegada e heroica, fazendo atendimentos, mesmo ficando desfalcada. Foi adaptado um hospital flutuante, que recebeu o nome de Santa Bárbara, em homenagem à protetora da humanidade durante tempestades, raios e trovões.

Todos desesperados, enquanto o Estado trabalhava intensamente fornecendo, além das receitas aviadas nas farmácias da capital à população pobre, distribuía nas casas os medicamentos, expandindo o trabalho da diretoria do Serviço Sanitário também para o interior do estado, mandando ambulâncias, colocando ajuda financeira às intendências, para ajudar na distribuição de dietas e medicamentos.

Ainda em novembro, com o fim do estoque de medicamentos, o governo publicou informações para o aproveitamento de plantas da flora local, adequadas ao tratamento da gripe influenza, com medidas preliminares para a cura da doença, que também afetou quase todo o funcionalismo público.

Em 6 de dezembro, a pandemia chegava à quinta semana de angústia e sofrimento, reduzindo o movimento da quantidade de caminhões contratados pelo estado para levar corpos para o cemitério, num bom sinal de que a epidemia estava acalmando, diminuindo o terror. As autoridades médicas e sanitárias deram como o dia 31 de dezembro a data da extinção da epidemia em Manaus.

Passou, então a ser exigido ainda um maior rigor sanitário no trânsito direto de navios que paravam em Manaus, que faziam o percurso de Belém ao Acre, sem obediência às prescrições exigidas. Assim, o hospital flutuante Santa Bárbara, fechado em 10 de janeiro, teve de ser reaberto em 11 de fevereiro, com novos gripados procedentes do Acre, sendo que a partir de 15 de março, a quantidade de doentes de hospitais flutuantes foi reduzindo bastante, e em 5 de abril esses serviços no vapor Marapatá, também deixaram de ser necessários.

Atendendo enfermos do interior do estado e do território do Acre, em 8 de março a moléstia atingiu o Instituto Benjamin Constant, que estava imune até então, adoecendo 143 educandas e sete irmãs religiosas, mas felizmente não se verificou nenhum óbito.

Com os últimos casos registrados de maio a junho, chegou em julho de 1919 com a constatação do encerramento do período da gripe pandêmica no estado.

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Essa foi mais ou menos a mensagem do Dr. Pedro de Alcântara Bacellar, governador do Estado do Amazonas na primeira sessão ordinária da Assembleia Legislativa, em 10 de julho de 1919.

Fonte: Disponível na internet em Center for Research Libraries / Brazilian Government Documents Dr. Pedro de Alcântara Bacellar)