O PRINCÍPIO DA MORALIDADE E A COISA PÚBLICA

Há uma incerteza acerca de quais são os elementos constitutivos de um ato moral; embora, no séquito da questão, exista uma concordância mais ou menos uniformizada atestando a presença de uma dose generosa de subjetividade na metodologia. De fato, poderíamos afirmar, generalizando a ideia, que ações morais tem o bem como meta final deixando-o à vista em todas as etapas do processo. Logo, por antítese, a imoralidade sempre é encontrada em desfechos maquiavélicos e também naqueles onde, em alguma seção do rito, vê-se maculada a finalidade ante buscada.

No campo da consciência humana é comum depararmos com o desejo frenético das pessoas em justificarem ocorrências descompassadas às quais ferem os princípios éticos. Essa perspectiva nem de longe é contemporânea; mas sim um resgate quase pré-socrático cujo comportamento pouco difere do observado nos dias atuais. Nas relações interpessoais, sejam elas de caráter profissional ou pessoal, a égide de resguardo opera e é sustentada por meio de um discurso frágil e de baixo poder argumentativo.

Ao trazermos a problemática para a seara política, notamos o quanto o sentido da moral é distorcido a depender do expediente almejado. Nos últimos dias, Brotas e Ipupiara estiveram no centro de uma polêmica a esse respeito. A primeira por anuir com o pagamento de supersalários — na folha de dezembro — a servidores comissionados da Prefeitura Municipal, notabilizando os proventos entre vinte a trinta mil reais. A explicação para isso é a contrapartida dos descontos incorridos ao longo de quatro anos, os terços de férias e demais gratificações não-pagas nesse período, tendo como produto dividendos avantajados.

Já os ipupiarenses viram o Chefe do Poder Executivo, reeleito recentemente, firmar seu próprio salário em incríveis vinte e três mil reais. O fato traz consigo certas peculiaridades. A primeira é a ilegalidade da decisão, afinal, rasgando a Lei de Enfrentamento à Covid-19, nº 173/2020, no Art. 8º, que é taxativo ao vedar qualquer aumento salarial para agentes políticos e a servidores públicos até o fim de 2021. Além disso, a desproporcionalidade gerada, pois, nem mesmo em cidades de médio porte, como, por exemplo, Barreiras e Vitória da Conquista, os prefeitos ganham subsídios dessa magnitude. Ipupiara tem população estimada em 10 mil pessoas, enquanto as duas últimas possuem 155 e 346 mil habitantes respectivamente.

A julgar por a grande repercussão causada, o supracitado prefeito revogou o reajuste anteriormente concedido e responsabilizou a imprensa por adulterar o relato. A modificação do procedimento não altera a índole indecorosa existente na intenção no primeiro momento. E por mais expressa tenha sido a pressão popular no intuito de demover a resolução, o que realmente fez diferença deu-se pelo medo das penalidades previstas em Lei, caso o gestor mantivesse o acordo original.

Embora os dois casos sejam distintos entre si, ambos trazem no seu seio o mesmo tom pernicioso: a inexistência de bom senso com a coisa pública. Agrava-se ainda mais quando pensamos no cenário delicado atravessado pelo País, em meio a uma crise sanitária sem precedente e, igualmente preocupante, à falta de recursos oriunda do momento difícil da economia, acarretado, principalmente, pela onda de desemprego imperando na vida de 12 milhões de brasileiros.

Os episódios mencionados servem para ampliarmos a compreensão em via do senso ético e de como tais valores desse arranjo são intrinsecamente controversos. Em Brotas, mesmo sendo lícita, a conclusão causou mal-estar em boa parte da população; e ao mesmo tempo, especialmente para os atores envolvidos e os outros correligionários, o entendimento gerado perpassa unicamente na quitação de direitos legitimamente respaldados. Em Ipupiara, nem legalidade há, tratando-se, apenas, de uma cominação promovida na Câmara e sancionada pelo principal interessado na pauta.

A controvérsia da história nada mais é o próprio juízo moral transfigurado em querela para fins diversos. Tudo vem dele e funciona como uma forma expansiva de abalizar a liberdade humana. Esses limites são importantes porque norteiam a sociedade por meio de sanções e também por incutir nos indivíduos inconformismo frente às suas inquietações. Em um momento somos os beneficiados, e em noutro instante estamos na plateia insatisfeitos com a situação. O que não deve ser negociável, ou passível de seletividade, é a nossa indignação diante de atuações corrompidas, pois, se assim for, já terá morrido em nós a consciência cidadã.