Como

descentralizar

o Congresso Nacional?

 

Volta e meia nos dedicamos a responder perguntas tidas como impossíveis. Quem somos? De onde viemos? Para onde vamos? Qual o sentido da vida? Como o Brasil pode se livrar do Centrão?

 

Tentarei responder a última. Para tentar resolver a questão de como nos livrar do Centrão é preciso entender como ele surgiu e como ele se estabeleceu como força dominante na política brasileira. Só assim poderemos entender qual é a força que sustenta este bloco e só assim poderemos traçar um plano para alterarmos o equilíbrio das forças. Então, como diria Jack, o estripador, vamos por partes:

 

Como surgiu o Centrão

 

As origens do Centrão remontam a Assembléia Constituinte de 1987.  Com o fim gradual da ditadura militar nos governos Figueiredo e Sarney houve uma ascensão das lideranças mais progressistas, destacando-se Ulysses Guimarães. Este bloco mais progressista desejava dar características de uma social democracia a nossa nova Constituição. Para garantir a manutenção dos interesses dos grupos conservadores, uma aliança de 5 partidos políticos; PFL, PDS, PDC e PTB, além de alguns grupos mais conservadores do PMDB formaram o chamado Centro Democrático, apelidado de Centrão.

 

Em troca de cargos e benesses oferecidas pelo Governo Sarney, estes partidos conseguiram dar um tom mais conservador a nossa Constituição. Desta forma a Constituição Cidadã teve mais influência de Antônio Carlos Magalhães do que de Ulysses Guimarães.

 

Desde sua origem vemos algumas características do Centrão. Apesar de tentar se colocar como um grupo de centro, é um grupo mais alinhado a direita. Não uma direita ideológica, e sim fisiológica. A união dos membros do Centrão com o Governo, qualquer governo, sempre se fez com base no famoso toma lá da cá. Apesar dos mecanismos para tal terem se sofisticado com o tempo.

 

A maior diferença deste Centrão inicial e o atual é o número de partidos. Em 1987 cinco partidos e parte de um sexto foi o suficiente para garantir a maioria do Congresso. O Centrão de hoje é constituído de 14 partidos, e a maioria obtida parece mais frágil que a de antigamente. Algo aconteceu nestas 3 décadas que modificou a estrutura deste bloco partidário, e do Congresso Nacional como um todo.

 

A frag menta ção parti dária

 

REPUBLICANOS. PP. PTB. MDB. PODEMOS. PSC. PL. AGIR. UNIÃO BRASIL. PATRIOTAS. PSD. AVANTE. PROS. SOLIDARIEDADE. Quase com certeza a maioria dos leitores (e por tabela, dos eleitores) não sabem diferenciar mais da metade destas siglas. Ou citar quais políticos são de tal ou qual destes partidos. Na prática, são todos Centrão.

 

O processo de multiplicação dos partidos políticos no Brasil acabou por criar um cenário onde o eleitor não se identifica com nenhum partido, e passa a personalizar o voto. Partidos, programas e ideologias deixam de ter importância, e passamos a votar em líderes carismáticos e salvadores da pátria. Parece que partidos são apenas quadrilhas criadas para sugar o dinheiro do contribuinte.

 

Isto não é uma consequência da má gestão política, e sim um projeto político em funcionamento desde a redemocratização. Para um modelo de governança baseado em grupos suprapartidários sem compromisso com ideologias políticas e sim comprometidos em manter os interesses dos grupos conservadores não importando quem assuma o governo enfraquecer os partidos é um meio para se atingir o fim.

 

Este processo se inicia também lá no início da redemocratização. Aproveitando o fim do bipartidarismo forçado do regime militar e a necessária mudança para uma política pluripartidária criou-se no Brasil leis que acabaram por incentivar a criação de inúmeras legendas, mesmo sem projetos ou ideologias que os caracterizem.

 

Vários dispositivos legais contribuíram para tal. Destaco alguns: a votação proporcional em lista aberta para deputados, o fundo partidário e o fundo eleitoral, a permissão de políticos saírem de seus partidos em meio de mandato para entrar em partidos recém formados, a antiga legislação de coligações partidárias regionais e nacionais, permitindo a eleição de parlamentares de partidos nanicos, entre outras.

 

Isto piora ainda mais em um cenário no qual as regras eleitorais se modificam praticamente em todas as eleições. A cada legislatura se modificam regras partidárias e eleitorais, realizadas a partir do cálculo dos legisladores para aumentar suas chances de serem reeleitos. Como mudamos de regras todas as eleições, sequer entendemos quais as consequências práticas das mudanças feitas.

 

Não que um número grande de partidos seja nocivo a democracia. Várias democracias sólidas ao redor do mundo tem dezenas ou até centenas de partidos constituídos. Contudo existe um índice partidário específico que o Brasil é um caso aberrante: o número de partidos efetivos.

 

Sem entrar em pormenores estatísticos, o número de partidos efetivos é um cálculo para estimar quantos partidos tem real influência em uma casa legislativa. Uma estimativa do número de partidos necessários para se formar uma maioria parlamentar.  O Brasil é recordista mundial neste quesito. Se em 1988 o número de partidos efetivos no Congresso Nacional era próximo de 5, em 2018 este número saltou para 18. Atualmente este número caiu ligeiramente, principalmente com a criação do União Brasil, e esta próximo de 14. A media mundial costuma variar entre 4 e 5.

 

Este fato torna o Brasil o país mais difícil de governar do mundo. Somos um pais presidencialista no qual o chefe de governo precisa negociar com pelo menos 14 ou 15 lideranças distintas para conseguir aprovar seus projetos no Congresso.

 

Talvez exatamente por este cenário quase caótico de coalizões acabamos por criar soluções mirabolantes para realizar a proeza de um presidente conseguir uma maioria quase impossível.

 

 

Da indicação de cargos ao orçamento secreto

 

A forma mais clássica de um presidente conseguir apoio de congressistas é a partir da indicação de aliados de parlamentares para cargos chaves em Ministérios e Secretarias. Dependendo da forma como isto for feito, sequer podemos falar em prejuízo público ou corrupção. Se tais indicações forem feitas respeitando-se critérios de identidade ideológica, competência técnica, e não se fazer uma dança de cadeiras a todo momento, esta é uma forma bastante orgânica de construir apoio congressual.

 

Mas a prática nacional esteve longe disto. Indicações meramente partidárias, trocas constantes em crises políticas ou até mesmo para conseguir votos em momentos específicos são praxe na política nacional desde… talvez 1822.

 

Contudo com a fragmentação partidária crescendo exponencialmente, tal mecanismo se tornou insuficiente. Passou-se para a compra direta de votos, desde a compra da emenda da reeleição de FHC até o famigerado Mensalão de Lula.

 

Um instrumento que também sempre foi utilizado para fidelizar parlamentares foram as Emendas Parlamentares ao Orçamento. Cada parlamentar tem direito a uma parte do orçamento público para a realização de projetos em suas bases eleitorais. Mas como o orçamento é de responsabilidade do Executivo, a liberação destas verbas depende da chancela do Presidente.

 

 

A coisa muda realmente de figura com a crise do governo Dilma e a eleição de Eduardo Cunha no final do Governo Dilma. Para minar o controle de Dilma sobre o Congresso, Cunha cria as Emendas Parlamentares Impositivas. Nada mais nada menos que emendas parlamentares impostas ao orçamento, sem chancela do Executivo. Esta limitação imposta sobre o Governo Dilma foi não apenas o começo do fim de seu governo, como também o início da atual fase de supremacia do Centrão sobre o executivo. Com o orçamento impositivo o Centrão deixa de ser comprado, e passa a chantagear o Executivo. Ou o presidente segue a cartilha do bloco, ou seus projetos não serão aprovados.

 

A pedra final que lapida o atual poder do Centrão a tal ponto de muitos falarem que vivemos em um sistema semi-parlamentarista foram as emendas ao relator, ou o orçamento secreto. Em 2019, em grave crise de governabilidade, o Planalto e o Centrão turbinam os valores das emendas ao relator a tal ponto que estes valores superaram a capacidade de investimento público dos Ministérios. E, pior ainda, a destinação destas verbas bilionárias só se tornam conhecidas ao público após a execução dos contratos, quase impossibilitando a fiscalização.

 

Com esta jabuticaba orçamentária, o Centrão devolve o poder de compra de maioria parlamentar ao executivo, mas agora em cifras centenas de vezes acima do que jamais houve na nossa República.

 

E é com este longo histórico que chegamos ao diagnóstico atual. Quais são os pilares do atual poder do Centrão? Temos a falta de transparência orçamentária, a fragmentação partidária e a personalização da política.

 

Se você chegou até aqui, parabéns. Sobreviveu a parte longa e chata do texto. Enfim, vamos propor a solução:

 

 

  

Como

descentralizar

o Congresso Nacional?

 

Obviamente o processo não será simples. Mas já temos algumas áreas para trabalhar. A primeira, e que felizmente depende (não só, mas também) de nós, eleitores, está em mudar o discurso de “sem partido” para “com partido”.

 

O primeiro passo para mudarmos esta atual situação será agora, nas urnas. Devemos tentar ao máximo votar de forma coerente em todos os cargos. De presidente a deputado estadual/distrital. Tentar dar uma cara única a ideologia que cada eleitor deseja. Parar de pensar em pessoas, em políticos carismáticos, e votar em grupos e partidos que defendam um todo coerente. Ou seja, ao invés de retiramos as ideologias, precisamos fortalecê-las. Mas este será só o primeiro passo.

 

O passo seguinte é pressionar o próximo Congresso a alterar as atuais regras orçamentárias. dar fim ao famigerado orçamento secreto.

Seria bastante saudável se conseguíssemos aprovar uma emenda constitucional que impedisse a Câmara dos Deputados de alterar as regras eleitorais que irão definir a eleição subsequente. Senão acontecerá aquilo que vemos sempre: projetos de reforma eleitoral serem envenenados pelo cálculo eleitoreiro sobre qual regra irá aumentar ou diminuir as chances de reeleição do legislador atual. Se colocarmos um impedimento de mudanças eleitorais serem implementadas para eleições gerais subsequentes cessaremos esta nociva tradição.

 

Apesar de ser necessário algum mecanismo de segurança eleitoral, devemos sim mudarmos, após longo debate e analise, as regras eleitorais e partidárias atuais. O fim das coligações foi um passo na direção correta, apesar do recuo feito com as coligações partidárias. Devemos ir além. Debater, por exemplo, se uma eleição com lista fechada por partidos não seria útil para darmos mais identidade as bancadas. Nesta modalidade os partidos definiriam a lista de candidatos a deputados prioritários, e votaríamos não no deputado, e sim no partido. Outras propostas, como voto distrital misto (que me oponho), mandatos coletivos e mais mecanismos de participação direta além do plebiscito devem entrar no nosso menu de alternativas.

 

E o passo final é o mais difícil. Só há uma forma de garantirmos definitivamente que grupos fisiológicos não tomem conta do Congresso Nacional. Algo duro e de grande sacrifício. Precisamos que pessoas com reais interesses políticos ingressem na política. A única forma de garantir a mudança real na política brasileira é fazer que aqueles que querem uma política mais ideológica, partidária e propositiva se tornem políticos. Ou, no mínimo, atores políticos na sociedade civil. Fica o convite.