PERDAS E DANOS

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PERDAS E GANHOS

Carta a quem perdeu uma pessoa querida

A vida humana, por frágil e finita, é cheia de perdas. Nós sempre estamos perdendo coisas, oportunidades e especialmente pessoas. A perda mais sentida é a que se refere a pessoas queridas. Essas partidas – especialmente para os que não têm uma fé mais sólida – muitas vezes são incompreensíveis e difíceis de serem aceitas. Diante do falecimento de um entre querido alguns chegam a questionar o amor paterno de Deus, assim como duvidar do real sentido da vida humana. Nesses casos, muitas pessoas parecem desejar que a vida seja eterna, que os parentes e amigos durem para sempre, como se o ser humano não fosse vulnerável ao decurso do tempo, às enfermidades, aos acidentes. Alguns acham que certas coisas só acontecem com os outros, nunca com a gente. Muitas vezes a dor de uma perda aponta para a separação, mas em outras circunstâncias denota um certo egoísmo: a pessoa chora e lamenta não o sofrimento daquele que partiu, mas com pena de si mesmo, de como vai resistir à solidão.

O centro de toda questão se situa na pouca compreensão que temos da morte e do sofrimento. Há questão de fé e também consequências de uma catequese mal dimensionada. Por que morremos? Por que sofremos? Sofremos e morremos porque somos fracos, finitos e frágeis. Qualquer coisa nos derruba, nos leva para a cama, para o hospital, para o túmulo. Essa fragilidade é inerente à pessoa humana, e a gente tem que se preparar para isto.

No entanto, se fisicamente estamos vulneráveis a tantos percalços, nosso espírito, criado e destinado a Deus, é imortal. Nesse aspecto, a morte não tem poder sobre nós; nela fechamos os olhos para enxergar melhor. O caixão é um berço que nos faz nascer para uma vida nova, melhor, definitiva. Quem morre deixa este vale de lágrimas para residir na casa do Pai, numa vida abundante, onde não há mais dor, nem choro, nem luto nem pranto.

Na morte não é certo dizer que “perdemos uma pessoa”. A gente nunca perde aquilo/aquele que se tem no coração. Não se perde a quem sabemos onde está. Quanto à pessoa que faleceu, seu corpo, a parte acidental e corruptível da vida está no cemitério, nós a levamos até lá sabemos o número e a localização da sepultura. Igualmente o espírito, a alma está no céu, na casa do Pai, junto com tantos outros que partiram e se preparam para o grande encontro. Que não se declare perdido aquele que sabemos onde está... Por isso não se deve chorar a morte. A saudade e a falta de alguém é um sentimento humano. Para quem tem fé a morte nos leva a celebrar e a agradecer a vida.

Ao falar em agradecer eu passo para a segunda parte do título: os ganhos. A esta altura alguém pode estar se perguntando que tipo de ganho a morte pode nos trazer? Eu sempre falo em agradecer pela vida. Deus não tira ninguém de nosso convívio; ele nos empresta uma pessoa para enriquecer e alegrar nossa vida. A morte é um divisor: termina ali a vida material e começa a eterna... Nós choramos e até nos desesperamos com a morte e nos esquecemos de agradecer o ganho da presença dessa pessoa tantos anos ao nosso lado, e sua entronização definitiva na casa de Deus...

É comum se ver algumas pessoas contestando a ação de Deus, como se ele fosse o responsável, ou se houvesse “matado” nosso parente, ou amigo. No entanto, essas pessoas se esquecem de agradecer e louvar a Deus pelo ganho de vida, pelos tantos anos que aquela pessoa esteve em nosso meio. A vida é dom de Deus e como tal deve ser convertida em ação-de-graças. A morte é fruto de nossa fraqueza, vulnerabilidade e limitação.

Na semana que passou fui surpreendido com notícias tristes sobre o falecimento de parentes, amigos, ex-colegas, fatos para os quais ninguém está preparado, muito menos os mais chegados. Nesses eventos, cada um reagiu de um jeito, O que me chamou a atenção foi uma moça reportando-se à morte do pai: “Jesus chamou meu velho...”.

Na morte, opondo-se à separação da pessoa amada, devemos dar atenção à alegria e ao ganho de seu convívio exemplar por tantos anos. A morte gera uma saudade eterna, é verdade, mas devemos senti-la enriquecida pela lembrança e pela gratidão da vida humana que se transformou em uma nova etapa de glória e eternidade.