ELUCIDANDO OS MILAGRES DE CRISTO

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Antes de entrar no vivo da matéria, seria oportuno ter uma visão geral do conceito de milagre, principalmente no contexto da tradição católica. O moderno Catecismo Católico (CC) reafirma um antigo dogma tradicional, ou seja, que a função do milagre é de revelar a natureza, a autoridade e a potência de quem o cumpre – que é sempre Deus – o qual age de forma autônoma e imperscrutável, eventualmente pela intercessão de algum santo.

No entanto, o CC nada diz a respeito de milagres relatados em textos de outras religiões: simplesmente ignora os fenômenos relativos a cultos como o moderno Judaísmo, o Hinduísmo, o Islamismo, o Kardecismo, etc. Muito menos toma em consideração fatos extraordinários ocorridos a ateus e agnósticos alegando que os milagres são manifestações do único e verdadeiro Deus cristão e servem para reforçar a fé. Em síntese, o CC nega a existência de milagres externos ao âmbito do catolicismo. Destarte, outros eventos inexplicáveis ou são falsos ou são obra do demônio.

Com efeito, para o CC os únicos milagres “verdadeiros” são aqueles operados pelo “Filho de Deus”, Jesus Cristo, nos quais o cristão tem a obrigação absoluta de acreditar, obrigação que não se estende aos milagres feitos pelos santos ou pelos profetas.

Portanto, somente os milagres de Jesus são considerados fatos históricos com significado transcendental e, consequentemente, objetos de veneração.

Visando compreender e interpretar os milagres de Jesus é fundamental entender o contexto histórico e cultural do mundo em que ele viveu.

Já antes de Cristo surgiram relatos de fatos mirabolantes. Por exemplo, em 181 a.C., em Roma, durante uma violenta pestilência, caiu uma chuva de sangue nas cercanias dos templos dos deuses Marte e Concórdia enquanto que a estátua de Juno começou a chorar. Cerca de um século depois, apareceram gotas de sangue no tabernáculo dessa mesma divindade. Uma estátua de Apolo chorou por quatro dias seguidos na cidade italiana de Cumas (famosa pela sua Sibila) em 130 d.C.

A estátua do deus Mercúrio, na cidade de Arezzo, suou no ano 93 a.C. e o mesmo ocorreu com a de Marte quarenta anos depois.

No início do primeiro século, e não apenas na Palestina, os milagres (do latim miraculum, do verbo mirare, “maravilhar-se”) se tornaram fatos cotidianos. No Mundo Antigo, principalmente na parte oriental do Império Romano, mais próxima ao misticismo da Pérsia e da Índia, prevalecia uma mentalidade supersticiosa e apocalíptica segundo a qual o sobrenatural e o maravilhoso eram a regra e não a exceção.

Em todo canto havia videntes, curadores, pajés e taumaturgos inspirados por alguma Divindade, aos quais eram atribuídos milagres de vários tipos, inclusive a ressurreição. O famoso escritor romano Petrônio resume o espírito de seu tempo afirmando, sarcasticamente, que, indo pela rua, era mais fácil se deparar com um deus de que com um ser humano.

Todos podiam operar milagres, inclusive os próprios imperadores. Por exemplo, de acordo com os historiadores Tácito, Suetónio e Dião Cássio, o imperador Vespasiano curou cegos e paralíticos passando uma mistura de saliva e pó nas pálpebras dos doentes, exatamente como havia feito Jesus.

Também um filósofo neo-pitagórico, o asceta Apolônio de Tiana, em companhia de numerosos discípulos, viajou do Oriente até Roma operando milagres e chegando, depois de sua morte física, a ressuscitar sendo, por isso, apelidado de “Jesus pagão”.

Consequentemente, não nos surpreende o fato que, nesse clima de superstição generalizado, muitos dos milagres atribuídos a Jesus tenham realmente ocorrido. Entretanto, não se trata de eventos sobrenaturais, mas de remissões de doenças de tipo psicossomático tais como neurastenia, histeria, esquizofrenia, etc. A ciência moderna nos explica como, em determinada circunstâncias e sob forte pressão emocional, certas doenças possam efetivamente ter um benefício objetivo.

É evidente que os Evangelhos amplificaram consideravelmente essas intervenções psicológicas de Jesus tentando, por sinal, assimilá-las às ações do profeta Eliseu: “E veio ter com ele muito povo, que trazia coxos, cegos, mudos, aleijados, e outros muitos, e os puseram aos pés de Jesus, e ele os sarou. De tal sorte, que a multidão se maravilhou vendo os mudos a falar, os aleijados sãos, os coxos a andar, e os cegos a ver.” (Mateus 15,30-31). Esses dois versículos apresentam uma improvável enxurrada de milagres que ultrapassa, de muito, qualquer possibilidade real. Fica evidente como se trate de uma pura invenção mitológica.

Mas o que mais levanta suspeitas sobre os supostos milagres de Jesus é que esses são, basicamente, a repetição de milagres mais antigos, não apenas relatados no Antigo Testamento, como também em elementos do mundo pagão. Seguem três exemplos.

Os Evangelhos de Mateus, Marcos e João nos contam de como Jesus andou sobre as águas do Mar da Galileia demonstrando, assim, que Deus Pai estava disposto a dividir o poder divino com seu filho Jesus. Todavia, o tema de andar sobre as águas já era familiar a muitas outras culturas anteriores. Na mitologia egípcia o deus Hórus caminhou sobre a água e o mesmo fez o gigante grego Órion. Além disso, nas milenares tradições hinduístas e budistas aparecem relatos de pessoas andando sobre a água.

Vamos agora examinar o milagre da multiplicação dos pães e dos peixes. De acordo com Mateus e Lucas, Jesus multiplicou cinco pães e dois peixes com os quais foram saciadas 5.000 pessoas e ainda sobraram doze alcofas cheias. (Mateus 14,13-21). O escritor cristão Lactâncio, conselheiro do primeiro imperador romano cristão, Constantino I, conta que o mesmo episódio havia sido narrado, uns séculos antes, pela Sibila Eritreia na forma seguinte: um profeta “com cinco pães e dois peixes irá saciar 5.000 homens no deserto e, recolhendo os sobejos, serão enchidas doze alcofas”. Das duas uma: ou a Sibila Eritreia, uma figura da mitologia greco-romana, realizou uma verdadeira profecia cumprida por Jesus uns séculos depois, ou os evangelistas gostaram tanto desse conto que o inseriram em seus textos. Devido ser realmente difícil imaginar um profeta pagão, supostamente orientado pelo demônio, revelar detalhes sobre a vida futura de seu pior inimigo, a segunda explicação é a mais racional.

Outro exemplo interessante é o da pesca milagrosa relatado por João: “Simão Pedro subiu e puxou a rede para terra, cheia de cento e cinquenta e três (153) grandes peixes” (João 21,11).

Qual seriam a origem e o significado desse número?

Embora os cristãos tenham inventado explicações bastante fantasiosas para justificá-lo, Santo Agostinho chegou à conclusão que é um “grande mistério” muito difícil de ser desvendado. No entanto, a origem do 153 fica explicada pela filosofia de Platão onde o número está relacionado com a Vesica Piscis (bexiga de peixe), figura fundamental para toda a metafísica platônica. A razão entre 265 e 153 fica bem próxima ao valor da raiz quadrada do número esotérico três.

Isso significa que Jesus nunca curou ninguém?

Antes de tudo temos que lembrar que o clima de exaltação e fanatismo da época favorecia a proliferação de formas de histeria, geralmente de origem religiosa. Havia inúmeros casos de possessos, principalmente entre as camadas mais pobres da população. Na verdade não passavam de indivíduos com problemas psíquicos afetados por doenças como cegueira, mutismo, paralisias, etc. Em outras palavras, todos eles mostravam formas de somatização a qual representa uma resposta física a um sofrimento psicológico extremo.

Jesus, que frequentando os terapeutas Essênios havia desenvolvido empatia e sensibilidade, conseguia entrar em sintonia com esses doentes e, com simplicidade e sem necessitar de rituais, os convencia do perdão de seus pecados livrando-os, destarte, de suas obsessões, de seus males misteriosos. Acrescenta-se, também, que Jesus era dotado de um carisma descomunal e que, como explicou o filósofo alemão Ludwig Feuerbach, toda vez que uma multidão fanatizada em busca de milagres se depara com um indivíduo dotado de grande carisma, o milagre sempre acontece.

No entanto, para que o milagre ocorresse, era fundamental que o doente e os outros presentes acreditassem cegamente nos poderes curativos do taumaturgo. Caso essa condição não fosse satisfeita, Jesus falia. Por isso lemos que: “E não fez ali muitas maravilhas, por causa da incredulidade deles” (Mateus 13,58). Por outro lado, naquela época havia muitos outros curandeiros, rivais de Jesus, como atestado pelos evangelistas Mateus, Marcos e nos Atos comprovando como o fanatismo religioso fosse bastante comum entre os Judeus.

Em tempos modernos milagres foram atribuídos ao luxurioso monge russo Grigoriy Rasputin, que se tornou uma figura carismática na corte do Czar Nicholas. Esse homem teria salvado a vida do filho hemofílico do Czar por meio de orações, mas é difícil acreditar numa intervenção sobrenatural operada por um sujeito tão libertino e devasso.

Mais recentemente, na cidade de Dharamsala, onde vive o Dalai Lama, centenas de turistas afirmam terem sido curados de doenças tidas como incuráveis.

Poucos anos atrás, muitas testemunhas atestam que as estátuas do deus-elefante Ganesh tomaram leite, e o indiano Sai Baba adquiriu uma fama internacional conseguindo materializar objetos do nada.

O fato é que a ciência nega decididamente a existência dos milagres.

Afinal, alguém já viu uma criança Down retornar normal? Ou algum membro amputado voltou a crescer?

Se Deus fosse realmente onipotente e interferisse com o curso da história, nada impediria que ele curasse um mongol ou ressuscitasse pessoas mortas, mas isso nunca aconteceu.

Até muitos cristãos, principalmente os modernistas, duvidam da teologia dos milagres. Para eles os milagres de Jesus nunca aconteceram de verdade, sendo apenas símbolos da fé ou narrações alegóricas aptas e demonstrar verdades espirituais mais complexas.

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Richard Foxe
Enviado por Richard Foxe em 08/12/2017
Reeditado em 16/07/2020
Código do texto: T6193457
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