A instância anterior

A INSTÂNCIA ANTERIOR
Miguel Carqueija

“Em redor delas não há lugar nem tempo. Falar delas é embaraçoso.”
(Dr. Fritz Kahn, “O átomo”)

Um clichê muito comum nas argumentações de ateus e descrentes de diversos calibres é o de que se Deus existisse não permitiria tantas desgraças, crimes e barbaridades que acontecem no mundo. Já deparei muito com esse tipo de argumento. Aconteceu um tsunami, matou milhares de vidas inocentes? Onde estava Deus que permitiu isso? Ele não é todo-poderoso? Onde está Deus quando crianças sofrem, quando assassinatos ficam impunes, quando todo o tipo de maldade se pratica? Quando prédios pegam fogo matando centenas de pessoas? Quando cidades são destruídas por terremotos?
Tais argumentos são infantis pois, no fundo, preferimos viver num mundo que nos desafia a existir num mundo onde Deus seria nossa permanente babá, a evitar até que sofremos topadas e arranhões.
Sabemos desde pelo menos os cinco anos de idade que nascemos num mundo onde existem dor e maldade, e principalmente a morte. Sabemos pela Fé e por sinais diversos que existe vida além da morte e que nosso destino final obviamente não é aqui. Cremos na Justiça Divina, que só se mostra plenamente no outro lado.
Os danos e desenganos que ocorrem nesta vida não podem servir de argumento para dizer que Deus não existe porque a existência de Deus já está garantida numa instância anterior, que é a própria existência do universo. Ou seja, o universo é formado de partes e seres contingentes, que poderiam não existir e nenhum deles apresenta em si suporte ou justificativa para existir. Nem poderia o Universo em conjunto justificar a si mesmo, porque seria uma soma de zeros.
Em vão, tentando uma escapatória, dizem os ateus, como eu já ouvi: “E se o universo sempre tiver existido?” Isso porém contraria o que a própria Ciência diz. Foi um sacerdote católico belga, Georges Lemaitre, quem desenvolveu, na primeira metade do século XX, o modelo matemático que resultou na descoberta do chamado “Big Bang”, isto é, a singularidade que, expandindo-se, gerou todo o Cosmos das galáxias incontáveis. Ou seja, houve a Criação. E a Segunda Lei da Termidinâmica afirma que toda a energia está se dissipando e que o Universo, mesmo daqui a bilhões de anos, cessará de existir, pela morte da energia. É a entropia final do universo, que não pode ser impedida.
Portanto o universo não é eterno: ele teve um começo e haverá de ter um fim.
Além disso desde fins do século XIX que a Ciência vem demonstrando cada vez mais o caráter fantasmagórico da Criação, que por si mesma não apresenta consistência. Os estudos das radiações, pelo casal Curie e outros cientistas, depois as grandes teorias dos Quanta e da Relatividade, e o Princípio da Incerteza, vieram a demonstrar que a matéria sólida se reduz a mini-partículas de realidade discutível, a matéria e a energia se confundem e finalmente se reduzem a probabilidades. Estudem a atomística e verão...
Então o que garante que esse universo existe mesmo em vez de ser apenas uma “matrix” ou realidade virtual? É Deus. Sim, nós somos reais porque Deus nos PENSA, por isso entendo que a costumeira afirmação de que Deus tirou o mundo do nada é inadequada. Deus tirou o universo, e cada um de nós, de seu pensamento eterno (o Verbo) e, nos criou aliás, por amor. Porque o Amor é a lei divina fundamental, que tudo rege.
E por que Deus, por sua vez, não tem começo e ninguém o criou? Deus é diferente do universo. Este, como foi dito, é composto por seres contingentes. Só poderia surgir pela ação de uma Inteligência Suprema (até porque o universo é matemático e supõe um projeto, como qualquer coisa que nele exista) que teria de ser eterna, onisciente, onipotente e onipresente. Ou, como podemos definir filosoficamente, o “Existente em Essência” (cfr. Frei Sandro Grimani, “O invisível na harmonia lógica do cognoscível”).
Reflitamos nisso antes de dar guarida aos tolos raciocínios de negação por conta das desgraças.

Rio de Janeiro, 12 de junho de 2018.


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