Culto a Deus e culto aos santos

CULTO A DEUS E CULTO AOS SANTOS
Miguel Carqueija


O Aurélio assim consigna o termo “dulia”: “Do latim eclesiástico, dulia – grego douleia, “submissão”; S.f. – Teologia – Culto prestado aos santos e aos anjos.
Já em “latria” – do latim tardio (nota: eliminei as abreviações do dicionário, como lat.) – grego “latreia” – S.F. (substantivo feminino) 1 – Adoração devida a Deus, 2 – fig. Adoração, culto.
Hiperdulia – s.f. teol. – Forma especial e excelente de culto aos santos, reservada, or isso, a Nossa Senhora.
Nunca faltam na mídia ataques contínuos à religião católica e por vezes tão sutis que facilmente perturbam aqueles cuja fé é fraca ou mal informada. Entre os muitos ataques à Igreja Católica está a conhecida calúnia de que nós “adoramos” santos e imagens.
É ridículo falar em adoração de imagens, coisa absolutamente proibida no catolicismo. Seria atribuir a condição de idiotas aos católicos, como se nós acreditássemos que esculturas de pedra, gesso ou madeira, feitas pela mão do homem e fáceis de destruir, fossem divindades. Esse erro ocorria nos tempos bíblicos como relatado no Antigo Testamento, mas nos dias atuais é de todo absurdo. Se nós não adoramos sequer os santos representados pelas imagens, que dirá as próprias imagens. Note-se que o próprio Deus, no Velho Testamento, ordenou a confecção de querubins para a Arca da Aliança (Ex 25, 18-20) e da serpente de bronze (Nm 21, 4-9). Como observou com muita propriedade o Professor Felipe Aquino, Deus não proibiu fabricar imagens; proibiu fabricar ídolos.
Já me perguntaram: “Então por que vocês se ajoelham diante de imagens?” Ora, ajoelhar-se não é “a priori” ato de adoração, mas de respeito; tanto que é praxe ajoelhar-se diante de reis. No caso, católicos, rezando nas igrejas, ajoelham-se diante dos altares, sejam de Cristo, da Virgem ou dos santos. Mas, se não nos ajoelhássemos diante de imagens, teríamos de nos ajoelhar diante das paredes. Estaríamos adorando as paredes? Vivemos num mundo físico. Ajoelhar é gesto de oração. E naturalmente, só podemos nos ajoelhar diante de alguma coisa física.
Quanto ao culto aos santos. Não é adoração, latria; é veneração, dulia.
Não resolve a questão dizer que muitos católicos colocam Jesus em segundo plano e que adoram realmente os santos, e que até os xingam (parece incrível mas deparei até com esse argumento estranho) quando não atendidos em seus pedidos. Eu poderia argumentar que oração é primacialmente para adorar, louvar e agradecer a Deus e só secundariamente pedir favores espirituais ou temporais a Deus e aos santos (que são apenas intercessores). Mas isso já é outro assunto. É elementar que qualquer coisa boa pode ser desvirtuada pela fraqueza ou pela maldade humana. A religião pode ser deturpada, e também a política, a educação, a medicina, a ciência. O grande Papa Bento XVI alertou em relação à “ignorância religiosa” de muitos que se dizem católicos mas também de muitas outras pessoas. Por exemplo, ateus que nos acusam de acreditar em “cobra falante”; completa ignorância sobre o sentido da narração bíblica (a serpente do paraíso é um símbolo do demônio, o que é esclarecido no Apocalipse). Damos facilmente, porém, que muitos que são nominalmente católicos encontram-se em grande ignorância sobre a religião católica. Entretanto, os católicos mais conscientes passam a vida buscando esclarecer as questões religiosas, doutrinais. É importante, por exemplo, alertar que católicos não devem crer em horóscopos e outras superstições. E tampouco devem desvirtuar o culto aos santos e à Virgem Maria que, por mais especial e destacada dos demais santos, pela graça especial que recebeu (afinal é a mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo) não é uma “deusa” e não pode ser adorada.
Isto posto, seria uma grande injustiça atacar a Igreja Católica por doutrinas que ela não professa e não ensina, só porque alguns ou mesmo muitos católicos nominais praticam tais desvirtuamentos. Ora, o centro litúrgico da Igreja é a Eucaristia, ou seja, a consagração da hóstia e do vinho no Corpo e Sangue de Cristo, pelo milagre da Transubstanciação. E a Eucaristia é a parte principal e substancial da Missa, que é a mais importante liturgia da Igreja. E o cristocentrismo da Missa não se limita ao culto eucarístico: em toda missa ocorre a leitura do Evangelho, com atos e palavras de Jesus, além do sermão ou homilia, com o celebrante comentando o trecho do dia. Além disso, em toda a Missa se recita o Pai Nosso e o Credo – sempre Deus e seu Verbo no centro.
As datas mais importantes do calendário litúrgico são cristocêntricas: a Semana Santa e nela, a Sexta-Feira da Paixão e o Domingo da Páscoa (morte e ressurreição de Cristo) e o Natal (natividade de Jesus).
Por aí se vê o quanto é absurdo pretender que o politeísmo pagão se repita na Igreja Católica com o culto aos santos! É nao entender nada sobre a religião católica! Isso me faz lembrar a anedota em que, ao perguntarem a um cidadão que nada entendia de corrida de cavalo, como estava a corrida que ele assistia, ele respondeu: “Por enquanto está zero a zero”.

Rio de Janeiro, 10 de julho de 2018.


imagem da "Santa Ceia" de Leonardo Da Vinci