SEGUNDO PASSO
            Estou afundando, perdendo a consciência num copo de bebida alcoólica. Sinto que vou morrer afogado, não tenho mais forças para resistir a tamanha atração que arrebata a minha alma sob os desejos da carne, a compulsão por mais um gole que anestesie os meus tormentos. Quando a minha consciência sobe à superfície por um momento, que vejo a destruição ao meu redor, tudo que fiz e continuo fazendo de errado, vem uma vontade de deixar essa existência tão triste, onde me vejo algemado a uma garrafa de bebida alcoólica. Passo a pensar no suicídio, não vejo outra solução. Sei que muitas pessoas como eu encontraram essa solução para sair desse aperto.
            Fui na sala de Alcoólicos Anônimos, os colegas que foram falar na cabeceira de mesa mostraram que eram impotentes frente ao álcool. Reconheci que não era diferente deles, também sou impotente frente ao álcool. É ele que está me levando cada vez mais ao fundo do poço. Não tenho forças para resistir a esse arrastamento que consome o meu corpo e minha alma como areia movediça: quanto mais me debato querendo sair, mas afundo na lama. Não tenho nenhum ponto de apoio no qual possa me sustentar, possa fazer força e sair. Minha família não acredita em mim, meus colegas de trabalho se afastaram, restam apenas os amigos de copo, que como eu, também estão sendo arrastados na mesma areia movediça.
            Mas alguém me fala de um Poder Superior, uma forma de encontro com Deus da maneira que eu possa imaginar. Dizem que somente um Poder Superior poderá me livrar dessa obsessão que torna minha vida ingovernável. Não acredito que exista um Deus capaz de tamanho milagre. Recuso-me a ser enganado. Mas, eu vivo dentro de um engano. Vivo dentro de um redemoinho que eu mesmo construí e que suga a minha vida. Agora chega perto de minha consciência uma ajuda que poderá me livrar dessa agonia, e eu recuso pois tem um nome que nunca respeitei, nunca dei crédito na sua existência.
            Por que não me agarro a esse tipo de salva-vidas que alguém me atirou? Só porque tem o nome de um Poder Superior que eu não consigo ver, medir ou pesar? Mas também não consigo ver, medir ou pesar essa obsessão pelo álcool e que destrói a minha vida. Porque não posso aceitar essa sugestão, mesmo que seja só para experimentar um pouquinho de sua realidade? Porque não deixo à minha mente aberta para a possibilidade de um milagre acontecer na minha vida? Afinal, a ciência aceita a existência dos milagres, dos fatos que acontecem e que ela não consegue provar ou explicar.
            Vejo ao redor, na sala de AA, tantos exemplos desse milagre, e todos tiveram a ajuda desse Poder Superior. Porque somente eu deva ser melhor ou pior do que eles e não ser alcançado por esse milagre? Devo parar de lutar com a minha descrença. Não posso acreditar em Deus e desafiá-lo ao mesmo tempo. Acreditar significa confiar e não desafiar. Porque não considerar nos companheiros abençoados pelo milagre da abstinência o refúgio da minha fé? Talvez dentro dessa sala, frequentando, aprendendo e servindo, a minha fé se amplie. Talvez eu chegue a ver o rosto de Deus, algum dia quando cansado de servir ao próximo, quando muitas almas eu tiver ajudado a sair do desespero contando a minha história e estendendo a minha mão, quando eu fitar com meus olhos umedecidos pela fé, o meu próprio espelho.