Gênesis: Unicidade e Dualidade

O Livro do Gênesis descreve uma bela metáfora oriunda, principalmente da Mesopotâmia em que nos é apresentado o Éden, um jardim da era mitológica que, se analisarmos com cuidado, pode marcar a nossa possível transição da unicidade para a dualidade. Esse poderoso mito pode nos ajudar a compreender algumas importantes coisas, tanto da nossa condição material quanto espiritual.

Considerando que fomos feitos, em essência, a imagem e semelhança de Deus, não é difícil deduzir o que Ele pretendia com a única coisa proibida, comer a maçã, simplesmente observando o comportamento humano. A folclórica “única coisa proibida” sempre foi uma maneira velada e eficiente de conseguir com que alguém faça algo que desejamos que ela faça sem declarar à mesma nossas intenções. Proíba alguém, principalmente uma criança, de fazer alguma coisa que, cedo ou tarde a natureza humana se encarregará de confirmar este folclore. E o que simboliza Adão e Eva, senão a infância do espírito humano?

O Éden era um lugar de unicidade, sem divisões da natureza, coisas ou seres, e precisávamos ser tirados de lá para que vivenciássemos a dualidade, evoluíssemos material e espiritualmente e, talvez um dia, pudéssemos voltar à unicidade como seres evoluídos, fazendo jus ao propósito de sermos semelhantes a Ele. Quando Adão come a maçã descobre os pares de opostos que não se resumem apenas ao bem e ao mal, luz e escuridão, certo e errado, mas também macho e fêmea, Deus e Homem.

O homem comeu do fruto do conhecimento e, antes que comesse do fruto da árvore da imortalidade, pois não estava designado que fossemos imortais materialmente neste plano, Deus o expulsa de seu jardim e coloca dois querubins com uma espada flamejante entres eles para guardar o portão.

Separados de Deus, Adão e Eva percebem a ruptura do estado de unicidade e tentam encobrir a própria nudez. Antes não havia nem nu nem vestido...

A pergunta passa a ser: como voltar ao Jardim?

Para compreendermos esse mistério devemos esquecer tudo sobre julgamentos, ética e também nossas noções de bem e mal.

Jesus diz: “Não julgueis e não sereis julgados”. Esse é o caminho de volta à unicidade do Jardim. Viver em dois níveis: um a partir do reconhecimento da vida como ela é, sem julgá-la; e o outro, vivendo em termos dos valores éticos da cultura ou religião pessoal específica de cada um. Não são tarefas fáceis, muitos se perdem neste caminho.

Foi dito que Deus exilou Adão e Eva do Jardim; mas na realidade, eles próprios se exilaram. Essa história revela seu significado sob uma interpretação psicológica. Se for explicada como um evento histórico factual ocorrido no passado, soará ridícula. Acreditar que havia um Éden como local concreto é um erro de interpretação metafórica da religião. Na evolução das espécies, ela teria surgido em que período? Com o Homo erectus, com o homem de Neanderthal ou ainda na pré-história, com o Cro-Magnon? Quando surgiu essa noção?

Esse local idílico não é um fato histórico. O Éden é uma metáfora dizendo que nossas mentes e nosso pensamento em termos de pares de opostos – homem e mulher, bem e mal, são tão sagrados quando os de um deus.

Já que imaginariamente estamos dentro desse jardim, vamos examiná-lo. O que é a árvore da imortalidade? Mesmo após estudos profundos das discussões rabínicas das duas árvores ela permanece um enigma. Observando com atenção podemos concluir que ambas podem ser a mesma árvore e signifique o caminho da saída. E essa saída é através do aprendizado do bem e do mal; processo simbolicamente expressado por comer o fruto daquela árvore. É como se saísse de uma sala onde tudo é um, e entrasse em outra onde ao cruzar a porta tudo subitamente se faz em dois.

Olhando para traz, vemos o portão do Jardim e os dois querubins com a espada flamejante entre eles e então percebemos que estamos fora, exilados do mundo da unicidade.

Qual o caminho de volta? A ideia parece ser que Deus não nos quer de volta, proibindo a nossa reentrada. Porem, na tradição budista Buda diz: “Não tenha medo, entre”.

Mas o que isso significa?

Dos dois guardiões no budismo, um tem a boca aberta e o outro a boca fechada: são opostos. Um representa o medo e o outro o desejo.

O medo é da morte, e o desejo é por mais deste mundo. São o medo e o desejo que nos impedem de reentrar no jardim. Não é Deus que nos exila, mas nós mesmos. Neste caso, qual o caminho de volta? É preciso superar o medo e o desejo. “Considerai como crescem os lírios do campo”, nos ensina Jesus. “Eles não trabalham nem fiam”. William Blake, em Casamento do Céu e do Inferno, afirma: “Remova os querubins do portão, e verá que tudo é infinito. Eliminará o desejo e o medo de seus olhos e vislumbrará tudo como uma revelação do Divino.

Todo esse ensinamento está bem diante de nós, na bíblia, em outros escritos e na própria natureza.

No Evangelho segundo Tomé que foi encontrado nos vasos Nag Hammadi, Jesus diz: “O povo pergunta: quando virá o reino”? E, num exemplo de puro gnosticismo, Jesus diz: “O Reino não virá como esperado. O reino do Pai está espalhado por toda a terra e os homens não o veem”.

É disso que trata a expulsão do Jardim do Éden. Ao invés de um relato de um incidente histórico, fala na verdade, sobre uma experiência espiritual, psicológica; uma metáfora para o que está acontecendo conosco neste plano. Todo esse simbolismo aparece no texto do Genesis. Podemos considerá-lo apenas um conto de fadas, imaginá-los como eventos factuais ou procurarmos o verdadeiro significado metafórico psicológico e espiritual usando-o para trazer iluminação à nossa vida.

Fonte Bibliografica: As Máscaras de Deus – Joseph Campbel

ChicoDeGois
Enviado por ChicoDeGois em 03/05/2019
Reeditado em 20/09/2019
Código do texto: T6638036
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