Sobre a Santíssima Trindade

SOBRE A SANTÍSSIMA TRINDADE
Miguel Carqueija

Algumas pessoas confundem a doutrina cristã da Santíssima Trindade — o Pai, o Filho e o Espírito Santo — achando que nós cristãos adoramos três deuses. Isso, porém, é um lamentável equívoco.
Por certo, a doutrina não é de fácil compreensão, aliás é um Mistério, está acima da razão humana embora não a contrarie (são duas coisas diferentes). É óbvio que a inteligência humana tem suas limitações e tanto isso é verdade que nem os cientistas compreendem de fato os fenômenos que estudam, como a gravitação. Podem examiná-los, definir parâmetros, mas não entendem o que realmente acontece ou porque tem que ser assim, porque as leis universais são desse ou daquele jeito etc.
A simples existência de um Ser Supremo, acima das vulgaridades do politeísmo e da idolatria, que colocam até “deuses” com paixões humanas das mais baixas, está ao alcance da razão humana pela simples dedução em relação ao universo. Tanto que filósofos pagãos chegaram até ela. A Trindade, porém, não está ao alcance, não é evidente ao raciocínio e precisou ser revelada por Jesus Cristo, pois era ignorada no Antigo Testamento.
“Um só Deus em três Pessoas” diz a doutrina cristã. Mas é possível entendê-la minimamente? Dizem que Santo Agostinho, o grande filósofo de Hipona, certo dia passeava na praia meditando sobre o misterio da Trindade e viu um garoto que, tendo feito um buraco na areia, derramava nele água com uma conchinha, creio. Intrigado o bispo perguntou o que ele fazia.
“Estou colocando todo o mar nesse buraco”, explicou o menino. Agostinho, rindo de tamanha ingenuidade, observou: “Mas meu filho, você não vê que o mar é muito grande para caber nesse buraquinho?” E recebeu a seguinte resposta: “Pois é mais fácil o mar caber num buraco na areia do que você entender o mistério da Santíssima Trindade!”
Disse isso e desapareceu, pois era um anjo.
Mesmo assim, séculos depois São Tomás de Aquino, no seu Compêndio de Filosofia, explicou como o Catolicismo considera a Trindade. É importante, porque desfaz interpretações errôneas que circulam por aí. Deus, em sua essência é eterno, onipresente, onisciente e onipotente, além de sumamente perfeito; é o “Existente em essência” como diz Sandro Grimani. É o Criador de todo o universo. Entretanto, conhecendo a tudo e a si mesmo de forma completa, Deus tem esse conhecimento eterno como numa Palavra ou Verbo interno, de fato Ele não pode existir um único instante sem pensar, sem saber. É essa Palavra substancial e eterna que nós chamamos o Filho, ou a Segunda Pessoa.
No Alcorão, de nossos irmãos islamitas, é contestada a existência do Filho, que Deus tenha tido um filho, mas não é isso que diz a nossa doutrina. O Filho, como diz no credo Niceno-Constantinopolitano é consubstancial ao Pai, “gerado, não criado” de modo que não surgiu no tempo e sempre esteve com a Primeira Pessoa, pois Deus, como eu disse, não existe sem seu pensamento. E por conhecer perfeitamente a si e à Criação, Deus ama a si e à Criação e esse amor que também é congenial nós chamamos o Espírito Santo, que procede do Pai e do Filho sendo tão eterno como eles, pois a procedência é imediata, congenial.
Portanto, como explica São Tomás, as Pessoas são diferenças de relação na vida íntima do Ser Supremo, e não se distinguem entre si como “deuses” diferentes, pois Deus é um só. Afinal, como lembrou Felipe Aquino, se existissem vários deuses isto já seria uma limitação para cada um, e Deus não conhece limites.
Quanto a Jesus Cristo, é a Encarnação do Verbo, que para ajudar a humanidade pecadora assumiu uma natureza humana em hipóstase com a natureza divina.

Rio de Janeiro, 28 de junho de 2019.



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