A DOR (25)

Tomé encantava-se com a personalidade do sacerdote Melquisedeque, que fora um rei chamado da “justiça”. Surgia em sua mente dúvidas com relação ao nascimento do rei com o nascimento de Jesus, que era filho de Maria, mas não tinha José como pai. Tomé começou a justificar o aparecimento de Melquisedeque sem que seus pais fossem citados. Deveria ter surgido por obra e graça de Deus, pelo homem que ele era.

Tomé ascendia nos conhecimentos à cada dia, porém sua fé nas coisas transcendentais não conseguia a firmeza necessária, sendo-lhe indispensável o raciocínio.

Ele se esforçava para crer sem examinar, mas algo interior o advertia de que nascemos com os olhos para verificar por onde devemos passar. Ele raciocinava: Deus verdadeiramente nos ajuda, mas nos dá meios para andarmos por nós mesmos, para que não fiquemos inúteis dentro da criação.

A razão, de certa maneira, exige provas da fé cega. Ouvira do próprio Jesus que a Dor desperta o homem para a verdadeira felicidade e que sem ela a alma humana não iria passar da de um animal ambulante na inconsciência do tempo. Pesquisava com os recursos que tinha, pensava dia e noite no assunto, mas não encontrava essa filosofia na Dor. Cada vez tinha mais aversão por ela, e haveria de lutar com todas suas forças para expulsá-la do seu mundo íntimo e do seu caminho.

Tomé deduzia: a Dor é incompatível com a paz, não pode existir onde reina a felicidade, e nos faz tristes quando chega. Ela é certamente um agente das trevas, porque no lugar onde está Jesus ela desaparece. É verdadeiramente uma sombra que não suporta a luz. Tomé tinha grande interesse por Melquisedeque, porque suas histórias eram contadas de boca em boca pelos sacerdotes. Ele era quem curava as pessoas com doenças incuráveis, com simples palavras. Orientava, encorajava e até curou a lepra com um ocasional esbarrão. A mente de Tomé era um laboratório de análise dos fenômenos, porém só os aceitava depois de pensar muito sobre o assunto, submetendo-os todos aos rigores da razão.

Em Cafarnaum, Tomé conversa longamente com Pedro sobre suas conclusões e dúvidas. Pedro não tinha dúvidas com relação a Jesus, pois assistira muitas curas e prodígios do Mestre, sem que Ele falhasse uma só vez. Acalentava arrojada fé naquele que era realmente o Cristo. Tomé precisaria tomar outros caminhos diferentes da desconfiança que sempre lhe assaltava o coração.

Betsaída era a meta de todos ao cair da tarde. As reuniões se sucediam como forças que impulsionavam o progresso de novos e límpidos conceitos sobre as leis de Deus, daquele Deus único que Moisés pregara e que o próprio Melquisedeque ensinava nas suas iluminadas prédicas nas antigas sinagogas. Nesta tarde, Tomé fez a pergunta:

- Querido Mestre! Minha alma anseia pela verdade. O diálogo é um princípio do saber; quem não conversa não aprende, e perguntar e responder, creio, é um processo insubstituível na arte de enriquecer a consciência. Peço-te perdão se, às vezes, fico intolerável, mas preciso esclarecer hoje, tirando a dúvida que tenho sobre a Dor. O que a Dor representa para o Senhor nos caminhos humanos?

O Cristo, envolvido em uma tranquilidade imperturbável, iniciou sua resposta:

- Tomé! Creio que a Dor é um anjo em favor da humanidade, que ainda desconhece seus benefícios. O teimoso nas hostes do mal, aquele que não respeita os direitos alheios, que apressadamente julga seus semelhantes, que maltrata a quem quer que seja, por simples antipatia, o intolerante que não mede sua brutalidade, nem as consequências que vêm da sua ignorância; a pessoa para quem a vaidade tornou-se uma veste do egoísmo, que maltrata e apedreja, querendo prevenir a sua própria hipocrisia, que tem prazer em escravizar companheiros por mera invigilância de outrem; aquele que nada cede, para esse não há outro recurso a não ser o sofrimento.

‘Não desejar aos outros o que não queremos para nós é ser consciente de que, se não respeitarmos as leis harmonizadoras da criação, cairemos nos braços desse anjo que vem nos socorrer em nome de Deus, cujo nome é Dor. A Dor nos previne de males maiores. Tu tens pensado com aversão nos problemas, nos infortúnios, na Dor que visita a humanidade como bênçãos aparentemente escandalosas. Não penses assim, Tomé! A Dor, no estágio evolutivo em que estás, abre uma visão maior a todas as criaturas, para uma vida melhor. A inteligência te mostrou que os alimentos levados ao fogo e ao tempero ficam com melhor sabor, além de ser esse um meio de ajudar o trabalho da sensibilidade orgânica.

‘A Dor é esse fogo para os alimentos da alma, que vêm para nós um tanto grosseiros, revestidos de muitas indumentárias. E os sofrimentos, os problemas e os infortúnios aguçarão nossa sensibilidade de maneira a entendermos com mais eficiência o chamado da vida maior. E é nesse impacto que sentimos o sabor e passamos a valorizar a saúde. O esforço próprio passa a ser um trabalho que nos traz alegria na conquista dos valores eternos. Os que se revoltam com a Dor desconhecem seus valores.

‘Tomé! Todo extremo é constrangedor. Se eu falo aqui da mensagem que a dor transmite, não te animo a ir buscá-la. Acho que ela é divina por não ser cega, por ter excelente visão, ter a sabedoria do grande entendimento e ser portadora da matemática celestial. Jamais bate em porta errada.

‘Nós pedimos que somente entendas essa mensagem quando ela vier te visitar. Se não a compreendemos, ela fica por tempo indeterminado, até a hora em que somos beneficiados. As coisas se complicam para nós quando a ignorância se faz nossa companheira.

‘Na verdade, meu filho, será uma maravilha ter conosco o dom de curar, que a bondade dos céus nos traz de vez em quando. Todavia é bom que não ignores o objetivo maior dos prodígios. Eles vêm abrir os caminhos dos corações para o alcance da Boa Nova. Pelo que já falamos, os que sofrem tem maior sensibilidade, e são esses que de pronto, sendo beneficiados, aceitarão a minha palavra, que é a palavra de Deus.

‘Estou vos preparando para que todos possam curar enfermos, levantar caídos, dar vista aos cegos e fazer andar aos paralíticos, mas não vos esqueçais de que eles, mais tarde, poderão vir a adoecer novamente se não tomarem o verdadeiro elixir.

‘Haverá simplesmente uma cura externa até que o doente encontre o Cristo interno de quem depende toda a felicidade e toda a cura eterna de todos os males. Para que esse Cristo aflore nos corações é necessária a vivência da Boa Nova.

‘O Evangelho não percorrerá o mundo, a não ser pela via dos sacrifícios, mas, por sua natureza divina, é uma terapia de amor, que cura todos os males da alma e do corpo. Ele vos mostra os caminhos da verdade, que vos libertará. Não deveis duvidar da ação benfeitora da Dor, desde que não a busquemos por fanatismo.

‘No entanto, quando a Dor vem para nos despertar do sono da ignorância, tenhamos paciência e fé, pois ela é transitória e prenuncia, em todas as circunstâncias a verdadeira saúde, e nos mostra o amor de Deus.