Desafie suas crenças

Em tempos idos, muitos concluíram que o Sol girava ao redor da Terra. Eles consideraram suficiente o conjunto de informação que tinham para chegar àquela conclusão, com aquele grau de certeza. Talvez a informação que mais dava apoio a essa conclusão era a sensação de que a Terra estava parada e a observação, a olho nu, de que o Sol rodeava a bola terrestre. Com o passar do tempo, porém, informações adicionais surgiram - entre elas os satélites - e essas novas informações mostraram que aquela conclusão, na qual muitos confiaram por tanto tempo, era falsa. A quantidade de pessoas que acreditou naquilo não o tornou real, condizente com os fatos.
Esse simples exemplo levanta algumas perguntas: qual a importância de questionar o método pelo qual cheguei numa conclusão? Será que a quantidade de informações que adquiri sobre o assunto é suficiente para me dar confiança nessa conclusão? Poderia alguma afirmação adicional, descoberta tardiamente, mostrar que minha conclusão é falsa?
Consideremos o seguinte diálogo, baseado no método socrático, que foi extraído e traduzido livremente do canal “Cordial Curiosity”.

 


Reid: Existe uma crença em particular sobre a qual você queira conversar?
Tia: Hum...
Reid: Algo que você realmente acha que é verdade.
Tia: Cristianismo.
Reid: Claro, podemos falar sobre isso. Primeiro, posso ter uma noção do quanto você confia que o Deus cristão é real numa escala de 0 a 100? 
Tia: Hum, 95.
Reid: Ok, e o que te levou a tanta confiança? Qual é o principal motivo?
Tia: Então, eu frequento uma escola cristã e aprendi, participei de várias aulas e teorias, todas essas coisas diferentes. Isso meio que faz sentido para mim, e eu apenas tenho a sensação de que é realmente verdade.
Reid: Entendi, então você frequenta uma escola cristã, teve algumas aulas sobre teorias e isso fez sentido para você?
Tia: Sim, isso faz sentido, e todas as outras religiões sobre as quais aprendi não faz sentido para mim, pessoalmente.
Reid: Ok. Como algo que faz sentido para você se relaciona com a verdade disso? Como alguém poderia realmente estar enganado sobre uma crença que faz sentido para ele?
Tia: Hum, acho que eles poderiam.
Reid: Ok, e como você determinou que isso é verdadeiro?
Tia: Apenas todas as provas e teorias.
Reid: Ok, qual é o melhor exemplo?
Tia: Hum, na verdade há muita coisa, tipo a torre de babel que descobriram onde estava.
Reid: Eles encontraram a torre de Babel?
Tia: Sim.
Reid: Tudo bem, não estou dizendo que é esse o caso, mas se alguém viesse com uma informação que mostrasse que isso, na verdade, não aconteceu da maneira que você pensa que aconteceu, isso mudaria sua confiança na crença em Deus?
Tia: Não.
Reid: Ok, então talvez haja alguma outra razão pela qual você esteja tão confiante de que é verdade?
Tia: Hum, é que eu vejo muitas coisas boas e positivas e realmente gosto de positividade. Deus está apenas querendo amar as pessoas, então eu acho que é importante olhar para ele e fazer o que ele fez e apenas amar as pessoas.
Reid: Entendi, então você está dizendo que há muita bondade nisso e é realmente positivo. Como pode a bondade ou positividade advinda de uma crença servir de base para a veracidade dessa crença?
Tia: Eu acho que isso diz tudo na Bíblia, tipo, é uma pergunta difícil.
Reid: Tudo bem, então você está dizendo que vem da Bíblia. O fato de a bíblia afirmar algo faz com que essa afirmação seja verdadeira?
Tia: Segundo minha crença, sim. Nem todo mundo acredita nisso. Só porque algo está escrito não quer dizer que seja verdade. Muitas pessoas pensam que é preciso ver para crer. Mas acho que há muitas evidências...
Reid: Ok, então não é realmente a prova na Bíblia, é algo abaixo disso, seria apenas sua crença na Bíblia.
Tia: É que faz sentido para mim.
Reid: Faz sentido pra você...
Tia: Hum, tipo, as pessoas costumavam viver por 800 anos naquela época. Muitas pessoas questionam isso, mas a explicação é que Deus queria que as pessoas procriassem e aumentasse a população, mas quanto mais a população crescia, menor ficava nosso tempo de vida. Por isso diminuímos nossa idade.
Reid: Você está dizendo que as pessoas viviam 800 anos, e você sabe disso por causa da Bíblia?
Tia: Hum, diz na Bíblia que eles viveriam até 800 ou 700.
Reid: Ok, tudo o que a Bíblia diz é verdade?
Tia: Na minha opinião, sim.
Reid: Ok, ter uma opinião sobre uma crença é uma maneira confiável de concluir que ela é verdadeira?
Tia: Não, mas acho que no final importa o que você acredita.
Reid: O que você quer dizer?
Tia: Tipo, acho que no final importa o que acredito, não o que outra pessoa acredita. É a minha vida, se eu realmente acredito nisso, irei para o céu.
Reid: Se você realmente acredita, então irá para o céu?
Tia: Sim. Jesus é o filho de Deus. Tudo o que você precisa para entrar no céu é de um pouco de fé, pode ser tão pequena quanto um grão de mostarda.
Reid: O que você quer dizer com fé?
Tia: A crença de que Deus é Deus, que ele é o Todo-Poderoso Salvador.
Reid: Você está dizendo que fé é apenas crença?
Tia: Hum...
Reid: Ok, apenas acreditar em algo torna esse algo verdadeiro?
Tia: Não.
Reid: Ok.
Tia: Só porque você acredita no Papai Noel não significa que ele é verdadeiro [risos], quero dizer, não significa que é verdade. 
Reid: Ok. Apenas acreditar em um Deus não o torna verdadeiro, certo?
Tia: Hum, não, a menos que você realmente saiba.
Reid: A menos que você realmente saiba? Como poderíamos saber?
Tia: Eu acho que é fé, voltando à fé.
Reid: É apenas fé?
Tia: Sim, é nisso que acredito. Tendo fé.
Reid: Apenas acreditar em algo te dá conhecimento sobre isso?
Tia: Eu acho que sim.
Reid: Se alguém acreditar no Papai Noel isso lhe dará conhecimento sobre o Papai Noel?
Tia: Não, mas tipo, não há evidências para o Papai Noel.
Reid: Há evidências para um Deus?
Tia: Sim.
Reid: Qual é a melhor evidência?
Tia: Há muitas, como eu disse, há muitas. Eu tenho que pensar, você me colocou numa situação difícil. Na verdade, eu tenho isso escrito aqui.
Reid: Ok, eu não estou dizendo que é o caso, mas se essas evidências fossem insuficientes para justificar essa conclusão, isso mudaria sua confiança em Deus?
Tia: Não. [Risos]
Reid: Então sua confiança também não vem de evidências?
Tia: Não, é apenas fé.
Reid: E fé é apenas crença...
Tia: Eu acho que fé é diferente de crença.
Reid: Como assim?
Tia: Eu acho que fé é mais como um sentimento interno, e crença é como... Eu não sei como explicar, mas eu tenho esse sentimento em mim e sei que Deus é real e, tipo, não posso explicar. Todo mundo tem que experimentar por conta própria, você não pode forçar alguém a se tornar cristão, você não pode forçar alguém a mudar de religião.
Reid: Mas as pessoas podem optar por acreditar em algo e torná-lo realidade?
Tia: Eu não acho que elas podem torná-lo realidade. Eu acho que ou algo é verdade ou não é, você não pode fazê-lo ser verdade.
Reid: Entendi, e também é um sentimento interno para você?
Tia: Sim.
Reid: Sentimentos são uma maneira confiável para ter certeza que Deus existe?
Tia: Eu diria que sim. Ao adorar a Deus eu recebo essa alegria que ninguém mais pode experimentar a menos que você entenda. É uma alegria, e alegria é diferente de felicidade. Essa alegria não é algo que simplesmente desaparece. Felicidade vai e vem, mas essa alegria é uma coisa interna.
Reid: Se uma pessoa de outra religião te dissesse que ao adorar seu deus ela sente alegria, e ela têm realmente bons sentimentos internos sobre esse deus, seria essa uma maneira justificável para concluir que esse deus existe, apenas através dos sentimentos?
Tia: Não. Eu diria que é incrível, eu diria que isso é legal, mas verifique sua crença. É o que eu diria, verifique.
Reid: Se esse método não é confiável para eles, por que seria confiável para você?
Tia: Você está fazendo perguntas difíceis, está indo bem. Hum, não estou dizendo que é confiável, não, é apenas o que acredito pessoalmente e eu sempre vou acreditar. Eu só tenho uma fé muito forte nisso.
Reid: Acreditar ou ter fé em algo é uma maneira confiável para ter certeza que isso é verdade?
Tia: Eu acho que pela fé.
Reid: Por quê?
Tia: Porque... [risos], você é bom nisso.
Reid: Só estou realmente interessado no motivo pelo qual as pessoas acreditam.
Tia: Eu sei. Eu preciso pegar meu livro. Eu tenho um livro aqui, ele me ajuda, não consigo memorizar tudo.
Reid: Bem, talvez pudéssemos fazer uma pausa aqui, pensar sobre isso, talvez voltar em um minuto, mais ou menos.
Tia: Você está me fazendo perguntas difíceis... qual foi a pergunta?
Reid: A fé é uma maneira confiável para acreditar em qualquer coisa?
Tia: Ok. São perguntas difíceis, eu nem aprendi isso no estudo bíblico, ou eu dormi [risos]. Eu acho que é, mas não tenho uma razão para isso. É nisso que eu acredito.
Reid: Apenas o que você acredita...
Tia: Apenas o que eu acredito, sempre será o que eu acredito e não me importo se não tenho um bom motivo.
Reid: Bem, podemos deixar por aí. Muito obrigado, Tia.
Tia: Ok.
Reid: Tenha um ótimo dia. 
Tia: Obrigada. Eu gostaria de ter melhores motivos, mas não tenho.
Reid: Não se preocupe.

 


A conversa acima foi a respeito da existência de Deus, mas a ideia que quero passar com esse pequeno artigo vai muito além desse tema, ela se aplica a qualquer conclusão que construímos sobre qualquer assunto. Nenhuma conclusão, sobre qualquer assunto que seja, surge do nada, ela nasce de um processo, por mais que não percebamos isso. Mas que processo é esse? A menos que nossa conclusão sobre algum tema tenha surgido de um instante para outro em nossas mentes, o que é muito improvável, ela nasceu de uma avaliação inconsciente que fizemos de dados e informações que recebemos. Esses dados e informações também não surgiram do nada em nossas mentes, eles vieram de algum lugar, normalmente chegaram até nós através de mídias de informações como jornais, programas de tv, de rádio, vídeos da internet, grupos de redes sociais, etc. Ocorre que existem dois grandes problemas sobre os quais não costumamos refletir e que podem nos induzir ao erro: o primeiro é a qualidade da informação (o quanto a informação representa fatos do mundo material, coisas que ocorreram objetivamente), o segundo é o viés da mídia de informação (o quanto essa mídia está disposta a distorcer ou alterar a informação para passar a mensagem que ela deseja que as pessoas recebam). Então o método que nos conduz a uma conclusão, sobre qualquer assunto, passa por etapas que envolvem problemas consideráveis sobres os quais raramente nos debruçamos. E é por causa desses problemas que deveríamos nos debruçar sobre o seguinte questionamento: a confiança que temos em nossas conclusões é tão justificável ou inabalável quanto pensamos?


 

 


Referências: 
https://www.youtube.com/watch?v=A-M1EyhcRS8

Recomendação:
Diálogo com Dominique. Por que estou acreditando nisso?
https://www.youtube.com/watch?v=4G-UDyBkcbo

 

Autor: Alexandre de Freitas Grasselli

https://www.recantodasletras.com.br/autores/grasselli