A efêmera passagem para a Eternidade

A efêmera passagem para a Eternidade

Alexandre Santos (*)

Mal chegara e já estava partindo.

Ele não era como os ciprestes, que oferecem abrigo e sombra por centenas de anos, ou como as pirâmides, que intrigam o homem há milhares de anos, ou como os solos, os ventos, as águas e as pedras, que dão corpo e energia à natureza desde o nascimento do Planeta há milhões de anos, ou como as estrelas, que brilham no firmamento há bilhões de anos, ou como o Nada ou o Tudo, que desafiam a compreensão das pessoas por todo o sempre.

Com ele, as coisas eram céleres. Talvez pela compleição frágil do corpo ou, quem sabe, pelo tipo de missão a ele confiada na Terra, tinha passagem efêmera, vivida em efervescência sutil, cujas marcas desapareciam como castelos de areia no vai-e-vem das ondas, encorpando a história da Humanidade com a sua própria história. Fora assim desde o início. Ele viera (vindo ninguém sabe precisamente de onde) e, pouco tempo depois, partiria (ninguém também saberia com precisão para onde). De fato, cumprindo jornadas curtas e, sem nada saber sobre o além-do-horizonte, ele se entregava ao destino incerto, deixando, além lacunas rapidamente preenchidas, recordações e saudades fadadas ao esquecimento no porvir.

Ele ainda não sabia para onde ia, mas o cenário que descortinava através do portal de saída era maravilhoso. Envolta pela luz mais radiante jamais imaginada, pulsava uma beleza inédita, misto de cores, sabores, fragrâncias, sons e toques nunca sentidos, tão suaves ou tão marcantes quanto o desejo de quem a desfrutava. No mundo vislumbrado adiante, sonhos presentes, passados e futuros se misturavam para compor uma atmosfera sinfrônica, de encanto indescritível. Aquilo seria o paraíso? Ele não sabia, mas, de qualquer forma, aquele era o universo que o aguardava após o umbral da grande inflexão.

Talvez, o magnetismo daquele Belo Absoluto explicasse e justificasse a efemeridade.

Por um instante, pensou que, se as pessoas soubessem do Belo Absoluto que as aguardava, não se queixariam da efemeridade da passagem na Terra, não resistissem com tanto afinco ao mergulho na Eternidade e, até, passassem a encarar as longas permanências como uma espécie de castigo.

Na iminência da saída, de repente, como se verdade revelada, soube que aquela não era sua primeira transição. Na realidade, [ele] chegara alí - de onde, agora, pouco tempo depois de chegar, partiria - noutra grande inflexão, trazido de um mundo até então desconhecido e que, pouco a pouco, por conta da transcendência, ganhava forma. De fato, como se desse nitidez a memórias ancestrais, progressivamente, a Revelação trouxe-lhe a visão do mundo que deixara para trás quando, fazendo a primeira grande transição, cruzara o umbral da chegada e, num corpo de bebê, dera o primeiro passo da caminhada que, agora, chegava ao final. Para sua surpresa, o mundo do qual viera era muito parecido com aquele para onde seguia. Ambos apresentavam o Belo Absoluto. Talvez fossem mundos iguais. Talvez, quem sabe, fossem o mesmo mundo. Talvez, a saída levasse de volta ao mundo do qual viera. Mas, se aqueles mundos fossem iguais ou fossem o mesmo [mundo], por que viera cumprir aquele estágio tão curto na Terra?

Durante o interregno infinitesimal no qual fazia a transição, ele pode pensar muita coisa.

Primeiramente, pensou sobre o objetivo da passagem pela vida. Teria sido fruto do acaso ou cumpria plano previamente estabelecido? Vendo as coisas que, naquele momento, via e sentia, descartou a hipótese do acaso e, fruto da Revelação, teve a certeza de que, não só havia um plano para ele, como também para todos os outros. Talvez a nova transição, que parecia ser um retorno ao Belo Absoluto inicial, fosse um prêmio àqueles que bem cumpriam as missões a eles conferidas no início dos tempos.

E, com algum medo, percebeu-se estar diante do Juízo final.

E se perguntou como havia se saído no plano a ele designado.

E, se não tivesse feito o quê era para fazer, pensou. Será que, se tivesse sido omisso, relapso, seria encaminhado para o Belo Absoluto ou, como castigo, seria empurrado para algum dos infernos dos quais tanto ouvira falar? De qualquer forma, com alívio, concluiu ter sido aprovado. Por isso estava diante do Belo Absoluto.

E, naquele momento, imerso na luz mais luminosa do que aquela mais luminosa que podia imaginar, colhido por um redemoinho de delícias, ele percebeu ter cumprido a Efemeridade para alcançar a Eternidade.

* Alexandre Santos é ex-presidente da União Brasileira de Escritores. Atualmente é o coordenador nacional da Câmara Brasileira de Desenvolvimento Cultural