A Queda de Uzias

"(...) e propagou a sua fama até muito longe; porque foi maravilhosamente ajudado, até que se fortificou. Mas, havendo-se já fortificado, exaltou-se o seu coração até se corromper; e transgrediu contra o Senhor seu Deus (...)". – II Crônicas 26.15-16

O rei Uzias começou muito bem. Ele fazia o que era bom aos olhos do Senhor, e Deus o abençoou para realizar grandes coisas. Por isso, seu nome e sua fama se espalharam por toda parte. Deus o ajudou maravilhosamente, ATÉ QUE, algo aconteceu. Ele se sentiu poderoso, exaltando-se no seu coração, considerando-se mais importante do que realmente era. A consequência da soberba é, naturalmente, a desobediência a Deus, e a desobediência conduz à ruína.

Steve Farrar, em “Finishing Strong: Going the Distance for Your Family”, argumenta que a razão para a queda de Uzias foi que ele gastou mais tempo preocupado com as coisas externas do que com o seu próprio coração. A vida agitada o fez negligenciar a construção do próprio caráter. O sucesso, entretanto, tem muito mais a ver com quem nós somos do que com o que nós fazemos.

Embora a Bíblia ensine que nós seremos julgados pelas nossas obras, estou convencido de que no Juízo o Senhor estará mais preocupado com quem nós nos tornamos (o quão parecidos com Cristo nós seremos) do que com o que nós fizemos. Aliás, há uma clara relação dialética, na Bíblia, entre quem nós somos (nossa fé) e o que nós realizamos (nossas obras). "Bem vês que a fé cooperou com as suas obras, e que pelas obras a fé foi aperfeiçoada" (Tiago 2.22).

Às vezes ficamos entristecidos porque o Senhor não nos concede as realizações que esperamos, mas pode ser um livramento, já que podemos tropeçar no próprio sucesso, como Uzias. Talvez se ele nunca tivesse feito grandes coisas, nunca teria tido uma queda tão fenomenal, chegando ao ponto de sofrer um grave castigo físico da parte do Senhor, a lepra. O sucesso e o poder revelam o nosso coração de maneiras surpreendentes. Pequenas coisas, como um pouco mais de dinheiro ou uma pequena promoção no trabalho, já podem ser suficientes para que nos exaltemos, se não estivermos preparados. Por isso Deus é gracioso também quando não responde nossas orações da maneira que gostaríamos.

Na insanidade de seu orgulho e presunção, Uzias tentou usurpar um papel que era dos sacerdotes, “porque entrou no templo do Senhor para queimar incenso no altar do incenso” (2Cr 26.16). A soberba cega, acaba com o nosso bom senso, e ela é tão poderosa que nos impede de percebê-la, tornando-se um veneno silencioso (para a vítima, não para os outros) e mortal. Por isso, se você não sente que há algum orgulho pecaminoso em você, possivelmente você já está tão tomado por ele que não consegue percebê-lo.

Por isso, uma das armas contra o orgulho é nos cercarmos de pessoas fiéis, sensatas e corajosas, que nos avisem quando transgredirmos os limites e agirmos presunçosamente. A Igreja é um espaço ideal para isso, como se diz: “exortai-vos uns aos outros todos os dias, durante o tempo que se chama Hoje, para que nenhum de vós se endureça pelo engano do pecado” (Hebreus 3.13). Mas às vezes Deus usa outra pessoa que nos alerta de modo doloroso sobre o que está acontecendo, geralmente com palavras duras, e ainda assim nossa soberba não nos permite ouvir.

É interessante notar que o texto bíblico usa a expressão “exaltou-se o seu coração até se corromper” (2Cr 26.16) para descrever o complexo processo psicológico que levou à mudança de atitude de Uzias de alguém que fazia o que era bom aos olhos do Senhor para alguém que transgredia contra Ele. O coração se Uzias de elevou, ou seja, aquele homem passou a se ver como muito mais importante do que realmente era. Esse tipo de elevação da autoestima nos leva a achar que somos merecedores de certos privilégios, o que é espiritualmente mortal.

Por isso, uma das formas de treinar o nosso coração para vencer o orgulho é abrindo mão de direitos, de vantagens, de privilégios. Acostumar-nos a pensar que não somos merecedores de coisa alguma, dar a nossa vez para outros. Nos tornamos mais humildes e, consequentemente, mais protegido da auto-exaltação quando temos “o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus, mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens; e, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz” (Filipenses 2.5-8).

Jesus não se apegou aos privilégios e direitos inerentes à sua condição divina. Ele abriu mão de si mesmo, com tal desapego que entregou a própria vida nas mãos dos homens, que a tomaram dele dolorosamente. Aquele que professa ser seguidor de Cristo faz muito bem em seguir o seu exemplo, ou corre o risco de, ainda que tenha começado sua carreira muito bem, acabar ficando para trás por causa do peso da soberba.