Projeto Psicologia e ELA - texto 1

FALAR OU NÃO FALAR SOBRE A MORTE DE PESSOAS QUERIDAS

Vania de Castro

psicóloga, CRP 06/15.110

Lembro-me que quando trabalhava como psicóloga voluntária, no Serviço de Investigação em Doenças Neuromusculares, da UNIFESP, mais precisamente no ambulatório de esclerose lateral amiotrófica/doença do neurônio motor (ELA/DNM) muitos pacientes se queixavam e se assustavam no momento em que reencontravam outro paciente. Muitos familiares diziam, "não quero trazê-lo aqui porque ele ficará deprimido por ver outras pessoas com ELA em estado pior que o dele". Nas reuniões da AbrELA (Associação Brasileira de Esclerose Lateral Amiotrófica) também ouvi diversas vezes o mesmo comentário.

O fato de falar a respeito e outra pessoa escutar, abre espaço para a comunicação de assuntos difíceis, como por exemplo, a evolução da doença, as perdas, o sofrimento psíquico e o medo da morte.

Falar sobre os próprios dramas pode gerar sofrimento, mas pode, também, gerar possibilidades de reflexão, contato com o outro de maneira a produzir efeitos saudáveis.

Ao falar sobre a própria dor e ao escutar a dor do outro temos a oportunidade de refletir acerca dos nossos medos e temores.

Há períodos nos quais as pessoas não querem ouvir ou falar a respeito da morte, pois isto as remete ao ente querido que sofre ou que morreu. Devemos respeitá-las no seu sentimento. O fato de a pessoa expressar que não quer tocar no assunto, ou que se incomoda profundamente quando está num grupo cujo assunto é morte, nos dá a oportunidade de fazer uma reflexão e perguntarmos a nós mesmos o que pensamos e sentimos a respeito dos comentários sobre as pessoas queridas que perdemos, porque a ELA/DNM as tirou da nossa convivência e dos nossos cuidados.

A educação que recebemos nos coloca em situações complexas, uma vez que, dor, tristeza, sofrimento psíquico, perdas, morte e luto são assuntos pouco conversados e comumente evitados. É como se fossemos impelidos a não pensar porque é similar ao fracasso.

A nossa sociedade é imediatista, busca a todo custo o ter, a perfeição, a juventude e parece que doença, morte e sofrimento são sinônimos de algo que deu errado.

Morte é um assunto tabu, por isto é vivida como tragédia e desvendada aos poucos. Mas vemos na literatura e comprovamos no cotidiano profissional, que o falar e o ser ouvido a respeito da dor, do sofrimento e da morte produz efeito saudável nas pessoas. Assim, quando a pessoa escreve ou fala sobre os sentimentos dela, relacionados ao ente querido que morreu, ela está vivendo o luto. E só vive o luto quem conseguiu se vincular ao outro.

As formas de enfrentar a morte e viver o luto são particulares e sofrem influências da cultura, da história, da religião, da ciência, entre outros.

É muito difícil conviver com a ausência da pessoa que amamos. Por isso, falar sobre a perda e ser acolhido nessa dor, é um gesto que produz benefícios. Ao falar, ao chorar, ao expressar os sentimentos e emoções decorrentes da perda de alguém amado, ressignificamos dentro de nós a existência da pessoa que se foi e criamos novos sentidos para a nossa vida. Então, expressar o sentimento é saudável mesmo quando o ponto central é o luto e o pesar. Apressar ou negar a vivência do processo de luto pode sim trazer danos à pessoa.

Sejamos solidários com a dor do outro, porque ela pode ser diferente da nossa, mas é dor e precisa ser respeitada.

www.comunidadeelabrasil.ning.com

obs.: esclerose lateral amiotrófica/doença do neurônio motor (ELA/DNM)