A casa dos banhos terapêuticos

Quem vivia em 1911 sabia da importância daquela casa dos banhos terapêuticos, cujos atributos principais eram a fartura de águas cristalinas e as prescrições médicas bem conduzidas, associadas à hospedagem com rigores espartanos.

Dizem que em sua época, o médico Dr. Francisco Tozzi acompanhava a evolução da recuperação da saúde de seus pacientes para documentar e, com excepcional visão de futuro, depois divulgar as curas em congressos médicos e revistas especializadas. Como resultado direto, o número de aquáticos - como eram chamados os pacientes que faziam a estação de águas de vinte e um dias- cresceu exponencialmente.

Existem boatos da época, que relatam a troca de documentos de imigração entre o médico italiano Dr. Enrique Tozzi, com o seu sobrinho padre Francisco Tozzi. Após a troca, o médico passou a exercer seu sacerdócio na Comarca de Socorro/SP e o ex-padre foi chamado para ser o médico nas terras das termas de Lindóia, adquiridas por este, a mando do tio paroco. Esses rumores se baseavam nos atos do padre Tozzi e nas frequentes prescrições do sobrinho como médico, de curar tudo, literalmente tudo, com aplicação da água. Diziam que até pancadas e olho roxo era curadas com lavagens na água Lindóya.

Mitos a parte, com dinamismo, o neo-empreendedor Dr.Tozzi precisou ampliar seus hotéis e chegou a administrar, ao mesmo tempo, três hotéis ao redor da casa dos banhos, cada qual para diferentes segmentos de aquáticos e com benefícios personalizados. Foram o Glória, o Catete e o Senado, mas há quem diga que existiu um protótipo, chamado de Radium Hotel.

Certamente o protótipo surgiu de uma idéia antiga e que se tornou uma ousada ação do que era desconhecido naquele tempo e hoje é conhecido como “ações de marketing institucional”, pelo visionário Dr. Tozzi, o qual patrocinou a vinda da cientista de maior projeção mundial da época, a Dra. Marie Curie, prêmio Nobel de química, casada como outro grande cientista da época, Dr. Pierre Curie, e mãe de outra futura cientista, igualmente ganhadora do prêmio Nobel de química, Dra. Irene J. Curie. A cientista no Brasil em 1928 atraiu a atenção para a casa dos banhos do Dr. Tozzi na pacata vila de Lindóia, Estado de São Paulo, onde encontrou a água naturalmente mais radioativa do mundo.

Outros empresários se interessaram por essa florescente vitrine, tão perto da capital paulista. O maior de todos na época, o Conde Francisco Matarazzo, o grande industrial daquele início de século no Brasil, veio para tratar da saúde ou unir o lazer e o clima aos seus negócios com o engarrafamento da água mineral.

Há cem anos tivemos muitos casos de visão de futuro, os quais foram registrados nos ótimos livros de história local de Didi Vasconcelos, de José Paulo Campos Silva e de Miriam Tozzi Bernardino.

Passado cerca de cinqüenta anos da concepção de uma idéia precursora do Dr. Tozzi, uma união de esforços dos políticos locais e estaduais conseguiram um fantástico incremento na casa dos banhos terapêuticos e o modernizaram num Balneário em 1959.

Com requinte arquitetônico inegável, obras artísticas de renomados tais como Lívio Abramo, Arthur Bratke, Burle Marx e Amadeo Emendabile, e ainda, contemplado com os tratamentos crenoterápicos, únicos na América, o Balneário Estadual atingiu seu ápice nos anos seguintes a sua re-fundação.

Do seu auge, seguiu-se o declínio, provando que a administração pública não servia para cuidar de bens meritórios daquela casa de banhos. Nem mesmo uma municipalização parcial interrompeu o processo de decadência, afinal não só a infra-estrutura havia entrado em obsolescência, mas antes, a própria idéia inovadora, que foi excelente até a Segunda Guerra Mundial, não teve renovação no ciclo de vida de produto de consumo continuado, de saúde ou de luxo.

Os balneários e as casas dos banhos, ou se tornaram clínicas de altíssimo nível, num modelo norte americano, ou centros de estética (SPAs) , com tendências européias de tratamento. No entanto, a visão de futuro das pessoas que pensavam estava voltada para outros aparatos urbanos também importantes, e graças a estes, hoje temos, avenidas, tratamentos de água potável e hotéis de turismo de negócios.

Cerca de noventa anos depois de sua criação e no centenário de sua concepção conceitual, em 2009, a casa dos banhos terapêuticos do Dr Tozzi passou definitivamente para a Municipalidade, a qual não tem como, sozinha, restaurar o "glamour" perdido ou sequer realizar as reformas mínimas e reposições necessárias.

É inevitável cogitar numa visão de futuro se o Balneário não precisa ter serviços “terceirizados” para uma grande empresa privada, num procedimento transparente, oportuno e conveniente para o poder público e para seus usuários.

Um esboço desta conjectura ocorreu em 1996, quando o Balneário foi gerido numa parceria entre Prefeitura e uma ONG, o Instituto para o desenvolvimento de Águas de Lindóia - IDEAL. Naquela época, uma disputa política entre o grupo político da “Renovação Já” e o grupo do PSDB desencadeou uma onda de denúncias de superfaturamento, de perseguições e de mal-entendidos que abortaram a idéia criativa e seus resultados práticos, então já visíveis. Foi histórico naqueles dias, a expulsão dos idealizadores do IDEAL do prédio do Balneário, tratados como se fossem “cachorros vadios remexendo lixo”, no dia seguinte à posse do prefeito da renovação.

Curiosamente, um momento histórico se configurou agora em 2011, quando os dois grupos em conflito em 1996 estão irmanados na Prefeitura, ligada pelo mesmo PSDB em projetos comuns e, tal qual ocorreu em 1959, com a união de esforços e intenções que redundou na re-fundação da casa de banhos no atual Balneário, temos nova chance de refinamento do negócio e de concretizar oportunidades de melhorias.

Portanto, o momento é único para que estas forças políticas programem a recuperação do patrimônio público do Balneário e principalmente sua reformulação no aspecto conceitual, antes de realizar as obras necessárias para dar perenidade e sustentabilidade ao empreendimento para as próximas décadas.

Há quem diga que não existem idéias absurdas, mas sim idéias cujo tempo delas ainda não chegou. Neste contexto, uma “terceirização dos serviços” bem executada, inclusive para uma organização de porte internacional, é um caminho viável para alcançar o sucesso que o empreendimento visionário da casa dos banhos terapêuticos pode voltar a ter.