DIA DO PERDÃO - EM NOME DA RECONCILIAÇÃO

Vítimas de um dos crimes mais brutais da história recente do país, família Ota cria entidade para socorrer vítimas da violência e quer criar o Dia do Perdão

Depois do ódio, o perdão. Não é nada fácil – afinal, quem sofre uma brutalidade nem sempre encontra forças para continuar vivendo, quanto mais para perdoar o agressor. Por isso mesmo, a atitude do casal Masataka e Yolanda Keiko Ota, pais do menino Ives Ota, surpreende. Há dez anos, a criança foi seqüestrada e morta por três homens – dois deles, policiais militares contratados pela própria família para fazer a segurança de suas lojas. O crime, ocorrido em São Paulo, teve grande repercussão nacional. Pois agora, a tragédia rende seus frutos. A Fundação Movimento da Paz e Justiça Ives Ota, entidade que funciona na própria residência do casal, é uma espécie de legado do garoto. A instituição presta assistência e orientação a famílias de vítimas de crimes hediondos, sobretudo gente carente, que não pode pagar pelo serviço. Agora, a Fundação Ives Ota está empenhada em transformar a data de 30 de agosto em Dia Nacional do Perdão.

“O perdão é, na verdade, para a gente se livrar do ódio. Se você não perdoa e fica com ódio, com o tempo é você quem está condenado”, explica Masataka Ota, apostando que a campanha será abraçada por toda a sociedade civil, incluindo igrejas e grupos religiosos de todas as confissões. Atingir tamanha serenidade não foi nada fácil para ele e a mulher. Primeiramente, eles percorreram o país inteiro colhendo assinaturas em defesa de uma mudança na legislação penal instituindo a prisão perpétua para autores de crimes como o que vitimou o pequeno Ives. No meio do caminho, porém, foram conhecendo outras famílias que também sentiram na pele a dor da perda de seus entes queridos e que traziam na mente a promessa de vingança. Isso bastou para que descobrissem sua verdadeira missão: conduzir a paz e o amor a quem, como eles próprios, haviam perdido o sentido da vida e precisavam de uma nova motivação.

A trajetória do comerciante Masataka é uma prova de que o que ele diz é possível. Ele conta que levou três anos para perdoar os assassinos do filho. Só o conseguiu depois de ficar frente a frente com um deles no programa Fantástico, da Rede Globo, em uma série idealizada pelo jornalista Tim Lopes – coincidentemente, também vítima de um crime brutal, quando foi seqüestrado, torturado e morto por traficantes no Rio, em 2002. “Quando eu entrei na sala e vi duas cadeiras, senti que era a minha chance de vingança. Um dos câmeras deixou até cair o equipamento, de tão tenso”, lembra. “Mas quando coloquei os pés fora do presídio, todo o ódio, o rancor e o desejo de vingança foram embora”, garante. E ele ainda recorda como foi o diálogo com o criminoso: “Eu vim pedir perdão a você e desejar que sua filha, de cinco anos, cresça e seja muito feliz”, disse ao algoz de seu filho. Recentemente, Masataka ofereceu apoio a Ana Carolina de Oliveira, mãe de Isabella, atirada pela janela do apartamento onde residia com o pai e a madrasta, em outra ocorrência policial que traumatizou o Brasil.

Recomeço – Além da criação da Fundação Ives Ota, a família também está investindo em um projeto cultural. É o espetáculo teatral Um Novo Começo, em cartaz no Teatro Santo Agostinho, em São Paulo. Baseado no livro A Vida de Ives Ota, escrito pelos pais do menino, a peça – encenada pelo grupo de teatro Cia Art-Sampa – procura enaltecer valores como a solidariedade, a tolerância e, claro, o perdão. Apesar de encenada de uma maneira leve e divertida, a produção tem uma proposta bem séria no momento em que a sociedade brasileira está cada vez mais assustada com a violência. A montagem é um dos trunfos da campanha que visa a instituir o Dia do Perdão no calendário nacional.

Para a produtora e diretora teatral Fátima do Valle, transformar uma história de sofrimento num espetáculo de caráter tão humano é um desafio dos mais instigantes. “Quando assisti a uma palestra do senhor Ota, percebi que todo mundo deveria conhecer aquela história”, conta ela. A artista também já colocou em cartaz, e no mesmo teatro, a peça Laços Eternos. No espetáculo, o garoto Ives é representando pelo ator-mirim Naoki Koga, que já atuou no musical de grande sucesso Miss Saigon. Já na pré-estréia de Um Novo Começo, mês passado, a motivação dos produtores era notória. “Tínhamos consciência de que seria um sucesso e, ao final, vi muita gente elogiar. Agora, nossa intenção é levar a montagem para o país inteiro”, planeja Masataka. Para alguém que um dia viu todos os sonhos ruírem, a simples capacidade de fazer planos já é prova de que algo realmente recomeçou em sua vida.

Fonte: Revista Eclésia - Edição 126

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José Donizetti Morbidelli
Enviado por José Donizetti Morbidelli em 05/09/2008
Reeditado em 14/05/2010
Código do texto: T1163198
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