ESTEREÓTIPOS EVANGÉLICOS - COISA DO PASSADO

Nova geração de evangélicos rejeita estereótipos comportamentais e enfatiza a necessidade de conviver na sociedade mantendo a fé

O imaginário coletivo acostumou-se a associar os evangélicos a um recato excessivo na maneira de se vestir e a um rigor quase espartano os costumes. De acordo com o estereótipo, os crentes sempre usam terno e gravata, no caso dos homens, ou seu correspondente feminino, os longos vestidos pesados. Nada de brincos, maquiagem ou adereços; e o conservadorismo se traduziria numa alegada “fuga” do mundo – crente não pode ir à praia, jogar bola ou mesmo assistir TV. Nada mais distante da realidade, sobretudo nos dias de hoje, quando boa parte das denominações evangélicas deixam seus fiéis mais à vontade nas questões comportamentais e preferem enfatizar sua mensagem na necessidade de uma mudança interior, e não num jogo de regras onde cabe ao pastor dizer o que o cristão pode ou não fazer. Nos últimos vinte anos, principalmente, as novas gerações de crentes conseguem conviver bem fora das quatro paredes do templo e chegam até a ser confundidos com as outras pessoas. O segmento evangélico, definitivamente, integrou-se à sociedade que o cerca.

É claro que muitos preferem manter hábitos mais comedidos, entendendo que assim agradam mais a Deus. Caso do pastor Anísio Batista Dantas, diretor da Faculdade Evangélica de São Paulo (Faesp) e membro da Assembléia de Deus – Ministério Belém, sediada na capital paulista. Para tanto, ele se vale de diversas passagens da Bíblia que, no seu entender, enfatizam um estilo de vida mais conservador. “Faça-se tudo decentemente e com ordem”, recita, mencionando o texto de I Coríntios 14.40. “O verdadeiro cristão constitui um povo especial, zeloso e de boas obras, que prima pelo afastamento, não da sociedade, mas da imoralidade e dos maus costumes”, destaca o teólogo. “Saia ou vestido curto, no meio evangélico, e especialmente na Assembléia de Deus, não é normal, não condiz com o caráter cristão.” Dantas não se considera radical e diz que se dá muito bem com os jovens de sua congregação, mas faz questão de criticar o que considera exibicionismo, sobretudo em termos de moda. “A mulher cristã não é amostra grátis para a sociedade maliciosa, muito menos para a comunidade onde congrega”, diz. “A igreja é um local de adoração e reverência, e não para exposição do corpo”, sentencia.

Contudo, dos mais de 30 milhões de brasileiros que freqüentam alguma igreja evangélica, a grande maioria diz ter deixado de lado o estigma que, durante décadas, caracterizou os cristãos como pessoas destacadas da coletividade. Inclusive na própria Assembléia de Deus, a maior igreja evangélica do país, que noutros tempos era tida como ponta de lança do conservadorismo. Para esses novos crentes, o que verdadeiramente importa para o Senhor não é o que o crente veste, mas o que traz no coração. Com o advento do neopentecostalismo, a partir da década de 1980, o universo evangélico rompeu definitivamente com aquelas regras de etiqueta e comportamento tão enraizadas no passado. Daí para um liberalismo que ainda assusta os mais antigos foi um pulo. Quem vê os membros da Igreja Bola de Neve saindo de um culto dominical pode não acreditar que aquela rapaziada de bermudas, bonés e camisetas acabaram de prestar um culto de louvor a Deus.

Na sede da igreja em São Paulo, no bairro de Perdizes, é comum encontrar jovens – e até quarentões – que pregam um jeito despojado de viver e exercer a fé em Jesus. Um desses fiéis é o surfista Proni Ribeiro, que diz ter tomado conhecimento da igreja por meio de outros brothers, isso quando estava pegando onda. É que a denominação surgiu entre surfistas evangélicos, e os templos até ostentam pranchas de longboard em lugar do púlpito. “Eu sinto uma coisa realmente espiritual, que me faz ficar muito à vontade. Além disso, a Bola de Neve é um lugar onde eles não tentam empurrar regras, como nas outras igrejas; só dizem o que a Bíblia recomenda”, diz o brôu de Cristo. Na opinião de Rinaldo de Seixas Pereira – fundador da igreja e popularmente conhecido como pastor Rina –, os dogmas das congregações tradicionais acabam afastando os jovens da religião. “Aqui se reúne um povo que não tem cara de crente, não tem jeito de crente, não tem linguajar de crente, mas é cheio do Espírito Santo”, garante o religioso. Ele mesmo é um aficionado pelo surfe e de vez em quando desce a serra em direção ao litoral paulista, em busca das melhores ondas.

Representação caricata – Se por um lado, os evangélicos tentam a duras penas desmitificar a imagem mais tradicional, outras vertentes sociais, nas quais se enquadram alguns meios de comunicação, parecem jogar contra essa tendência. Quem não se lembra, por exemplo, da crente Edivânia, papel interpretado pela atriz Susana Ribeiro na novela Duas Caras? Se o comportamento visceral e o visual circunspecto da personagem já intrigava a maioria dos cristãos, tanto que, desde o início da trama, muitos já a viam com desconfiança por rejeitarem quaisquer rótulos relacionados à estética e comportamento, o estopim da indignação dos crentes se deu quando ela liderou um linchamento, empunhando a Bíblia e gritando frases de efeito, daquelas que a maioria das pessoas imagina serem profanadas somente pelos mais histéricos religiosos, já nos limites entre o fanatismo e a loucura.

A representação da comunidade cristã de maneira quase caricata – para muitos, sinônimo de preconceitos – fez também cair acentuadamente os índices de audiência da trama global na sua principal faixa de horário nobre. Para o pastor Wildo Gomes dos Anjos, presidente da Missão Vida, de Anápolis (GO), as teledramaturgias trazem muita influência sobre a vida moderna. “Se as novelas são usadas para combater o preconceito racial, então elas teriam também a mesma força para macular um grupo de pessoas por meio da caricatura de um personagem”, compara.

Além do motivo do afastamento de jovens das igrejas estar estritamente relacionado às doutrinas, como defende o pastor Rina, muitos também se sentem indignados e até recriminados com esses estereótipos que ainda persistem em fazer parte do imaginário popular. Como ferramenta para extravasar esse descontentamento, eles encontraram um forte aliado na internet. Assim, é comum encontrar na mais famosa cadeia de relacionamentos da rede, o Orkut, comunidades do tipo Evangélico não é tudo Feio ou Nem Todo Evangélico é Brega, cada uma com milhares de participantes – crentes na maioria, é claro. Já no texto que descreve o perfil de uma delas, uma mensagem que traduz bem essa indignação: “Se você não agüenta mais o estereótipo evangélico criado pela mídia, junte-se a nós! Mostre que ‘crente’ não é sinônimo de brega, feio, burro e pobre. Coloque aqui sua cara e prove que evangélico também pode ser descolado, lindo – uns mais, outros menos, isso é verdade –, inteligente, legal e feliz. A maior beleza vem da alma. Abaixo o preconceito religioso!”, diz a mensagem virtual.

Um dos internautas que faz parte da comunidade Nem Todo Evangélico é Brega é o pastor e escritor paranaense Paulo Rufino, que também exerce a função de diretor de ensino do Ministério Internacional Emanuel no Brasil, entidade sediada nos Estados Unidos. “Não creio que ser evangélico significa ser inculto, sem finura ou sem modos elegantes”, diz o religioso, ouvido por ECLÉSIA. “Crente não é sinônimo de alienado, estúpido e alvo de chacotas. Usar um belo terno ou uma saia jamais será algo abominável, mas não quando se está pregando na praia ou dando aulas de educação física no colégio”, compara.

Para o pastor, que reside atualmente no Rio, o que tem contribuído para romper um pouco com aquela visão estereotipada do crente tem sido a necessidade dele se sociabilizar, de se inserir na cultura moderna. Autor de livros como A Igreja que Perdeu Deus e Ouve-se Ruído de Abundante Chuva, ele aponta qual é o perfil atual dos evangélicos, no qual também se inclui. “Creio que é o perfil de quem abriu os olhos para a boa música, a dança, a poesia e outras expressões culturais, sem rotulá-las implacavelmente de ‘mundanas’”, acentua. “É o perfil de quem está começando a discernir o que é santo e profano, e não apenas rotulando de pecaminoso tudo aquilo que venha com jargões ou roupagens ‘evangélicas’; é o perfil de quem está entendendo que revoluções não vêm de fora para dentro, mas de dentro para fora, e que o coração molda o exterior – não o contrário”, conclui.

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JDM

José Donizetti Morbidelli
Enviado por José Donizetti Morbidelli em 22/01/2009
Reeditado em 04/10/2022
Código do texto: T1398824
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