A construção histórica da ideia de raça

Segundo os estudos realizados, o tema ora abordado é a diferenciação de raça e racismo, focalizando a questão do racismo dentro das possíveis vertentes que ele se apresenta no decorrer da história e da construção do conhecimento da humanidade até os nossos dias.

O racismo, como fenômeno histórico emergido no Ocidente, tem em uma de suas origens, o debate do Iluminismo sobre a unidade e a diversidade humana e das sociedades no século XVIII. Esse debate se fez a partir da discussão sobre o relativismo e o universalismo. É nesse momento que se percebe um afastamento mais nítido do debate teológico em prol de uma visão antropocentrista, com a noção de direito natural, ou seja, da ideia de que a pessoa tem direitos inalienáveis dados pela sua própria natureza humana. Porém, “o conceito de raça, tal como o empregamos hoje, nada tem de biológico, (antes) é carregado de ideologia, (...) e esconde uma coisa não proclamada: a relação de poder e de dominação” (MUNANGA, 2003:27). E a este, devem-se incluir no fenômeno não apenas as manifestações mais agressivas e evidentes de intolerância e ódio racial, mas também as situações de racismo implícito ou simbólico, partindo do pressuposto de que o campo de debate em torno de raça e o fenômeno do racismo tem muitas vertentes, fontes e desdobramentos.

Uma das concepções sobre raça e racismo defende que a ideia de raça só teria surgido no século XIX, com a noção científica de raça e com o racismo científico, chamado por alguns de racialismo.

Essa posição tende a desconsiderar as concepções de raça presentes no Iluminismo e no tráfico de escravos. Numa abordagem teórica que traria uma conceitualização “pseudocientífica” do racialismo, no qual diferenças morfológicas (físicas) e hereditárias, tecnicamente mensuráveis, definiam ou assinalavam as diferenças morais e culturais entre grupos humanos. Tal teoria de hierarquização racial (biológica) teria justificado as ações coloniais, segregacionistas e/ou de extermínio de populações ditas inferiores, de ódio racial, bem como as políticas antiassimilacionistas e antimiscigenação.

O racismo atual passaria a ser explicado por intermédio de sobrevivências ou persistências de ideias do passado; enquanto fruto da ignorância, o racismo estaria restrito às manifestações mais agressivas: xenofobia, segregação e ódio racial, medo da mistura. O racismo teria origem na idealização de algumas sociedades, grupos e culturas como modelos a serem seguidos e como parâmetro para julgar as demais sociedades. Já a persistência da idéia de raça se valeu ao longo do tempo de argumentos religiosos, biológicos, culturalistas e nacionalistas, muitas vezes entrelaçados para se justificar e continuar intrinsecamente existindo em nosso meio.

O Racismo se fundamenta na tentativa de fazer distinção entre seres humanos animais e estabelecer o critério de humanidade a partir da racionalidade e não mais da presença ou não de alma - que marcou o debate teológico sobre a humanidade dos/as ameríndios/as, por exemplo -, que, ao mesmo tempo, se teoriza sobre a diferenciação interna ao gênero humano. A partir da diversidade de tipos (aparência) e costumes, associados muitas vezes ao ambiente (clima), buscou-se explicar os diferentes tipos de povos do mundo;

ou em outra vertente, o debate entre relativismo e universalismo se deteve na questão da verdade e da posição da civilização europeia em relação às outras sociedades.

Daí surgem idéias se soberania de uma raça sobre outra que resultam até mesmo em perseguições e tentativa de extermínio de um povo em relação ao outro, como se observa em relação ao antijudaísmo, de cunho racial e politicamente operativo, distinto do antijudaísmo de caráter exclusivamente religioso, visando a perpetuação de uma raça pura.

A ideia de sangue impuro, de transmissão de vícios por intermédio do sangue e da descendência (e mesmo pelo leite de amas judias), deu origem a um protorracismo ocidental e intraeuropeu. Embora costume-se distinguir o racismo antissemita de outros racismos, pelo não recurso ao fenótipo (aparência), com a ideia de “sangue” introduz-se a noção de determinismo hereditário, típico do racismo.

Com a descoberta das Américas, se impôs um grande golpe às teorias bíblicas do monogenismo, ou seja, a tese da descendência única da humanidade desde Adão. reabriu o campo para o reavivamento das teses sobre a pluralidade da origem humana, que já havia circulado entre pensadores/as medievais, refutando a história do povoamento do mundo até então conhecido pelas linhagens dos filhos de Noé: Jafé (Europa), Sem (Ásia) e Cam ou Ham (África). Aos indígenas foi, ao contrário dos negros ( associados a inferioridade, de seres sem alma, portanto, relegados à uma condição de escraos) condição essencial., , atribuído o conceito de alma (uma lama bárbara, infantil, que carecia ser catequizada) , livrando-se do escravismo.

Essa diferenciação levou à consolidação da escravidão nas Américas e a associação de “escravo/a” a “negro/a”, foi transformando paulatinamente as percepções dos diferentes tipos humanos. E a escravidão passou a encontrar justificativa na inferioridade dada pela cor, associada à moral e à capacidade intelectual do/a negro/a, aproximada da animalidade. A concepção racial aqui, embora não científica, já instaura uma divisão dentro da humanidade que se hierarquiza pela proximidade de uns/umas, mais que outros/as, ao mundo animal.

A qual vai redundar na teoria determinista de Charles Dawin. De acordo com essa teoria, embora a humanidade seja una, as diferenças raciais determinariam as desigualdades na moral (ética), na beleza (estética), na capacidade de progredir (perfectibilidade).

Assim, ganharam força, entretanto, as teorias de degeneração da raça, evidenciadas pelos termos distintos dados ao/à miscigenado/a entre

indígena e branco/a – mestiço/a, mameluco/a – e entre negro/a e branco/a: mulato, advindo de mula, ou seja, uma espécie infértil e inferior. Porém, nesse contexto, a escravidão atlântica, bem como na disputa que buscou excluir os/as judeus/ias na Europa, essencializando sua condição diferencial.

Logo, o racismo foi forjado no contexto da escravidão atlântica, bem como na disputa que buscou excluir os/as judeus/ias na Europa, essencializando sua condição diferencial para além do pertencimento religioso. A raça pode ter também um significado de linhagem, de origem étnica ou regional, que opõe e mistura qualidades físicas e morais entre povos distintos.

As teorias que vieram a ser conhecidas por darwinismo social procuravam uma aplicação no mundo social das teorias darwinistas sobre adaptabilidade, sobrevivência e evolução das espécies. Classe e raça aqui se encontram, do mesmo modo que raça e gênero seriam também indissociados pelas características mentais e psicológicas inferiores atribuídas às mulheres.

De acordo com as teorias da época, a Antropologia Evolucionista tinha um caráter mais especulativo do que metódico e pensava as “sociedades primitivas” como estágios evolutivos inferiores do desenvolvimento das civilizações, tomado como um processo universal. As civilizações, de forma semelhante às raças, eram organizadas numa escala evolutiva linear, na qual a civilização ocidental estaria evidentemente no topo da civilização e as então chamadas “sociedades primitivas”, na “infância da humanidade”.

Seus costumes eram entendidos como “testemunhas do passado”, costumes que os povos civilizados teriam abandonado ao longo da sua marcha civilizatória. As sociedades foram então reduzidas a três estágios civilizatórios: primitivismo, barbárie e civilização.

Esses/as antropólogos/as, entre os quais têm destaque James Frazer, Maine, Edward Tylor e Lewis Morgan, buscavam especular sobre as origens das instituições sociais – religiosas, jurídicas, da família, do direito etc. Os estudos dos povos primitivos poderiam lançar luz sobre o remoto passado europeu. Os Evolucionistas procuravam por meio da distância espacial – busca de povos longínquos ou remotos – conhecer o que estava distante, no tempo, da história europeia.

Presumindo a unidade do gênero humano e interpretando as diferenças culturais como etapas diferentes da evolução inevitável da humanidade, rumo à civilização já alcançada pelos povos europeus, os evolucionistas culturais davam muito menos ênfase às teorias raciológicas. A conquista colonial, assim, era perfeitamente justificável pela missão civilizadora realizada pelos/as europeus/eias, dominando povos inferiores e levando-os ao progresso. Note-se que, nessa perspectiva, os determinismos raciais são minimizados, pois a expansão da civilização cedo ou tarde faria progredir todos os povos de todas as raças sob o comando do Ocidente No momento em que a Antropologia social ou cultural afastava-se do conceito de raça no estudo das sociedades, assistia-se ao surgimento do nazismo e das ações políticas de segregação e extermínio baseadas na raça. Ao final da II Guerra Mundial, os/as intelectuais engajados/as se viram obrigados/as a um esforço mais sistemático de divulgação científica para a superação definitiva da ideia de raça que, embora quase desaparecida do centro do debate científico, entrara com todaa força na esfera da política e da sociedade.

No final da Segunda Guerra Mundial assistiu à transformação que mudou a face política mundial do século XX. Trata-se da ascensão à independência dos países asiáticos e africanos.

A descolonização foi o processo histórico e político, que se traduziu na obtenção gradativa da independência das colônias europeias situadas na Ásia e na África. A conquista das independências se processou por duas formas, por vezes combinadas. Uma, pela política de concessões de autonomia, que se deu de forma sucessiva e em crescentes etapas, segundo a potência colonizadora e, sobretudo, a especificidade de cada colônia. Outra, pelas lutas de independência, por meio de greves, revoltas e movimentos clandestinos, algumas desembocando em guerras anticoloniais. A ideologia pan-africanista surgiu de um sentimento de solidariedade e consciência de uma origem comum entre os/as negros/as das Antilhas e dos Estados Unidos, envolvidos numa luta

semelhante contra a violenta segregação racial que sofriam. Essa solidariedade difusa data da segunda metade do século XIX sem que, no entanto, tenha tido uma organização política continental, permanecendo o combate ao racismo ligado à especificidade de cada país americano.

Du Bois foi o primeiro panafricanista a expressar a convicção de que a unidade de luta dos/das negros/as americanos/as e antilhanos/as com os/as africanos/as deveria basear-se na compreensão de que a dominação que sofriam tinha uma mesma raiz: o capitalismo. “Objetivamente, a negritude é um fato: uma cultura. É o conjunto dos valores - econômicos e políticos, intelectuais e morais, artísticos e sociais - não somente dos povos da África Negra, mas também das minorias negras da América e, inclusive, da Ásia e Oceania (...). É, em suma, a tarefa a que se propuseram os militantes da negritude: assumir os valores da civilização do mundo negro, atualizá-los e fecundá-los, quando necessário com as contribuições estrangeiras, para vivê-los em si e para si, mas também para fazê-los viver por e para os Outros, levando assim a contribuição de novos Negros à Civilização do Universal” (SENGHOR, 1972:15).

Assim, tomando por base os conhecimentos ora adquiridos sobre as várias vertentes do racismo no desenrolar da história da humanidade, pode-se observar que ele está intrinsecamente ligado nas relações de poder ainda vigentes e se perpetua num racismo simbólico, porém em alguns casos não muito disfarçado e aparece na criação de estereótipos caracterizado no humor, nas propagandas veiculadas pela mídia e muitas vezes é reproduzido nas nossas relações comuns.

Eu, enquanto pessoa pública, gestora de minha sala de aula, gestora de um órgão que está lutando para se concretizar (Academia de letras de Mimoso do Sul e Artes), da minha vida pessoal e e política, sinto na pele os efeitos desse racismo, uma vez que sou uma cidadã negra e trago sobre mim o estigma da ideologia colonialista de hierarquia de uma raça sobre a outra, no caso, da inferioridade dos negros em relação ao branco. Isso apesar de velado em alguns casos, ainda é fato e eu luto contra evidenciando algo em mim que é marcante e me foi dado por DEUS, que é, sem falsa modéstia, uma capacidade reflexiva regular, uma desinibição peculiar e uma boa oratória, o que me coloca em destaque onde quer que eu precise me apresentar, já que segundo os critérios racistas, a natureza me privou de beleza (não sou loira, de olhos azuis, nem esbelta), da força masculina e da condição social da classe dominante (elite branca).

Em relação ao tema aqui desenvolvido, ocorre-me ser bastante autentica dentro dos vários contextos de minha atuação (enquanto mulher, mãe, professora, poetisa, política, cidadã mimosense) no que se refere à minha negritude e ao meu lugar na sociedade.

Irene Cristina dos Santos Costa - Nina Costa,

Texto síntese de estudos realizados no Curso de Especialização em Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça - GPPGR. NEAAD/UFES-ES, 2011.

Nina Costa
Enviado por Nina Costa em 02/12/2011
Reeditado em 02/12/2011
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