O RODÍZIO CONJUGAL E A MULTIPLICAÇÃO DOS PAIS

Tenho assistido a uma novela que nos últimos capítulos tenta propagar a mensagem de que certa criança é feliz porque acaba de concluir que tem "dois pais e duas mães". Trata-se do pai biológico e a tia, que a criou com o pai, mais a mãe biológica e o atual namorado, que recentemente entraram na sua vida.

O fato é que não existe criança feliz porque tem dois pais e/ou duas mães. Creio sim, numa criança feliz apesar dessa duplicação de pai e mãe, mas não por causa disso. O que se vê na sociedade são crianças traumatizadas - porém resignadas - por separações, tendo que aceitar paternidades ou maternidades impostas. Crianças que obedecem, calam e acatam quando os adultos lhes ordenam que amem a quem não escolheram para amar. Que aceitem as escolhas feitas por seus pais como se eles, os filhos, as tivessem feito.

A separação de um casal não é exatamente a razão da tristeza maior e a frustração de um filho. O que o entristece mesmo é a certeza de que ele será constrangido a também se separar de um deles, porque os ex-cônjuges viraram inimigos e transformaram essa criança em arma contra o outro. Arma, trunfo, chantagem, poder de barganha ou vingança. Nesta peleja, pai ou mãe vira visitante; o que detém a guarda resolve "cuidar mais de si"; "amar um pouco mais a si próprio", demandando menos tempo para o rebento. Depois, ambos resolvem refazer vida amorosa, ter novos filhos que terão pai e mãe, e o filho do casamento anterior não tem opção: Ganha madrasta, padrasto, e tem início a lavagem cerebral: "Viu? Você agora tem dois pais"... "Meu amor; você agora tem duas mães... Não é ótimo?".

A criança só tem dois pais quando o pai biológico resolve não exercer suas atribuições de amor, cuidados, acompanhamento e presença. Isso ocorre quando ele se omite ou se ausenta, ou porque a ex-mulher o impede por força da lei; às vezes, manipulada pelo novo marido. O mesmo se dá com a mãe, que na prática também é única ou só haverá outra se ela, como genitora não exercer plenamente sua maternidade ou for impedida judicialmente pelo marido, igualmente manipulado pela nova esposa. Será que tudo isso é razão para uma criança ser feliz ou a novela está se comportando levianamente?

Para filhos de pais vivos e atuantes, rejeito até os vocábulos e o sentido emprestado a padrasto e madrasta. Padrasto é substituto de pai; madrasta é substituta de mãe. Insisto que se uma criança tem pai e mãe presentes e amorosos, responsáveis, ainda que separados, mas que se entendem, partilham sem conflitos e rancores a guarda da criança, ela não precisará substituí-los em seu coração; sua rotina; suas atribuições de filho. Pode muito bem - e deve - respeitar os novos cônjuges de seus pais, ter amizade por eles, mas eles não serão padrasto nem madrasta; segundo pai nem segunda mãe, porque os seus estão inteiros e à disposição.

É claro que existem pais e mães não biológicos que são pais e mães de fato, capacitados para o amor e a entrega plena, e devem ser amados como tais. Esses, no entanto, foram presenteados pelo destino a crianças órfãs ou absolutamente abandonadas. Mesmo assim, pergunte a qualquer adulto que perdeu seus pais ou um deles na infância, por morte ou abandono, tendo sido criado por essas almas superiores: O que você daria para voltar no tempo e ser criado por pais biológicos amorosos, ainda que nem tão amorosos?

Sonhemos com um mundo no qual nenhuma criança precise ter dois pais e/ou duas mães, pois bastarão simplesmente os que a natureza lhe deu generosamente. Um mundo cujas novelas lindas e sensíveis não preguem que quanto mais rodízio conjugal melhor para os filhos, pela multiplicação dos pais.

Demétrio Sena
Enviado por Demétrio Sena em 09/02/2012
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