Terra Indígena Xukuru-Kariri (AL)

Terra Indígena Xukuru-Kariri (AL)

Prezados Amigos,

Trabalhei como antropólogo coordenando o GT de identificação e delimitação da Terra Indígena Xukuru-Kariri (AL), após concurso promovido pela FUNAI e realizado em 2002. Após assinatura do contrato com a Unesco, comecei a trabalhar na organização do GT, composto também por uma ambientalista e um engenheiro agrimensor, no inicio de dezembro de 2002, quando entrei em contato com a comunidade indígena de Palmeira dos Índios, município do estado de Alagoas.

Em março de 2003, retornei à Palmeira dos Índios, juntamente com o GT, e iniciamos o trabalho de identificação e delimitação, percorrendo todos os pontos da área a ser delimitada, considerada indígena por inúmeras gerações desde os primeiros contatos de sacerdotes católicos, que iniciaram o trabalho de ‘catequese’ dos indígenas da região de Alagoas, ainda no século XVIII.

Em 1822, um pouco depois da denominada ‘Independência do Brasil’ a légua em quadro (36.000 há) foi finalmente demarcada pelo então governo imperial brasileiro. Infelizmente esta demarcação não foi registrada em Cartório como estabelecia a lei vigente na época. Com isso a terra pertencente aos indígenas de direito começou a ser invadida por fazendeiros, com o apoio da jagunçada, que promovia a ‘roda de fogo’, ateando fogo na vegetação, cercando as aldeias com seus jagunços armados. Poucos escapavam dessa armadilha cruel.

Para escapar das perseguições constantes, os indígenas começaram a evitar a identificação externa da etnia, vestindo-se como qualquer caboclo da região e deixando de falar a língua nativa e evitando que seus filhos aprendessem a língua original dos seus antepassados. E buscando refúgio cada vez mais distante do centro da antiga aldeia, agora ocupada por fazendeiros e seus jagunços. A partir de 1872, as terras indígenas foram declaradas extintas pelo governo e com isso a perseguição se acentuou mais ainda. Mas apesar de tudo isso, os índios conseguiram sobreviver, até que foram redescobertos por um antropólogo do Museu Nacional, Carlos Estêvão de Oliveira, que visitou Palmeira dos Índios em 1937, reconhecendo a existência de descendentes da etnia perseguida durante tanto tempo.

A partir de então, o antigo Serviço de Proteção aos Índios (SPI), dirigido pelo Marechal Rondon, iniciou o processo de reconhecimento dos Xukuru-Kariri de Palmeira dos Índios. Apesar disso, até os dias de hoje, a atual Funai não demarcou a terra pertencente, por centenas de razões históricas, aos indígenas da região.

Após 2 anos de trabalho de pesquisa, finalmente consegui elaborar e entregar o relatório de identificação e delimitação em DEZ/2004 à chefia da Funai, em Brasília, com o testemunho de um dirigente do CIMI, estabelecendo os limites da terra indígena no valor total de 15.635 ha.

Mas não foi nada fácil elaborar o relatório. Após o retorno do trabalho de campo em maio/2003, a direção da Funai me abandonou à própria sorte, sem honorários, sem recursos financeiros, sem apoio logístico, sem orientação científica, deixando de cumprir a segunda parte do contrato assinado com a UNESCO, na época a mantenedora da FUNAI, já que a maioria de seus técnicos eram contratados temporários da UNESCO. Enfim, A Funai não demonstrava nenhum interesse na elaboração do relatório, necessário para que a terra pudesse ser demarcada legalmente de acordo com o decreto 1.775 de 1996.

Para minha surpresa, a Funai não publicou o relatório, não solicitou correções, não entrou em contato comigo, apesar das inúmeros memorandos que enviei para Brasília solicitando providências. Enfim no início de 2005, pagou a primeira parcela dos meus honorários (R$ 2.500,00) e cancelou o meu contrato com a Unesco, deixando de pagar a parcela final (R$ 5.500,00) e me impedindo de elaborar a segunda parte e definitiva do Relatório.

Com isso, todo o trabalho que vinha sendo realizado a duras penas foi perdido e até hoje se encontra armazenado numa caixa da biblioteca... Evidentemente tentei acionar a Funai na justiça. Através de um advogado, fui informado que não podia processar a Unesco, porque era legalmente inimputável. Isto é, a Unesco estava blindada por uma lei que a considerava um organismo internacional, portanto não estando sujeita às leis do país. Com isso, meu corpo não aguentou o tranco e acabei doente por um longo tempo...

Recentemente parece que alguma esperança está surgindo no horizonte. Através de uma ação civil pública um procurador do Ministério Público Federal de Alagoas, Dr. José Godoy Bezerra de Souza, está pedindo à Justiça uma liminar e uma indenização de R$ 125.628.000,00 por ter sido omissa e inoperante, apesar de ter criado 4 GT’s, de 1988 a 2003 e não ter demarcado a terra indígena dos índios de Alagoas.

Finalmente em março de 2015, a Justiça Federal, através do Juiz Antônio José de Carvalho Araujo, acatou a liminar e determinou a demarcação de 6.927 há como terra indígena, a sexta parte do território estabelecido em 1822. É, dessa maneira cruel, que os primitivos ocupantes de nosso território são tratados no Brasil...

Enfim este é o Brasil, país que, amanhã, ‘comemora’ 193 anos de sua ‘luta’ pela ‘indepência’ de Portugal.

Nesses termos, pede deferimento...

Prof. Douglas Carrara