* AS PEQUENAS SEMENTES DA OPRESSÃO
 
Foram os taxistas que aprimoraram a minha consciência política, que sempre esteve em mim, mas sem a visão próxima à prática efetiva da luta que envolvesse uma classe de pessoas. Quando comecei a observar trabalhadores sendo linchados na imprensa e nas Redes Sociais, tanto por cidadãos de baixo intelecto como por pessoas altamente instruídas, percebi que as sementes das nossas práticas fascistas são sutis, disfarçam-se em justificativas formais e alastram-se a partir de pequenos preconceitos aparentemente irrelevantes. Há explosões de consciência social diante de brutalidades irreparáveis, como a que vivemos periodicamente no Brasil, mas existe também a omissão diária sobre brutalidades morais que testemunhamos em nossa rotina.
 
Quantas vezes li os taxistas sendo qualificados como bandidos, fedorentos, reacionários, fanáticos religiosos, etc. Há poucas semanas, pessoas compartilhavam a postagem de um irresponsável afirmando que o aplicativo da prefeitura, o Táxi.Rio, serviria para que esses trabalhadores pagassem dízimo à Igreja Universal. Não é só uma mentira, é promulgação de um preconceito que passa a ser disseminado até por quem afirma repudiar preconceitos. E para que tudo isso? Para promover uma multinacional bilionária que chegou ao Brasil com a intenção de desapropriar uma profissão tão popular entre nós.
 
Impressionou-me a organização dos taxistas na defesa pela profissão. Mesmo com sindicatos de fachada, resistem ao extermínio através de células e iniciativas individuais que colaboram com o coletivo. O que isso revela? Revela a paixão pelo ofício que exercem. Não há nada de corporativo nisso, é o amor pelo próprio trabalho. Claro que haviam deficiências no serviço de táxi, mas os ataques aos taxistas foram pessoais, persistia o intuito de desconstruí-los, abatê-los, humilhá-los. A Globo, sempre a Globo, foi uma das maiores patrocinadoras dessa campanha depreciativa.
 
Olhando para os taxistas, comecei a imaginar quantas empregadas domésticas são humilhadas pelos patrões, quantos garçons são destratados, quantos balconistas são ofendidos... Confundem o prestador de serviço com serviçal, um reflexo do nosso elitismo, da nossa educação tosca, do nosso complexo de senhor de engenho. Cometem os abusos morais sob a legitimação da exigência do bom atendimento. Já li artigos e posts repugnantes de alguns jornalistas da grande imprensa, que em nada colaboram com a melhoria de qualquer serviço, mas inflam o desprezo e a raiva pelos que nos servem.
 
Certa vez, um sujeito escreveu que as bancas de jornais do Centro do Rio deveriam ser retiradas porque obstruíam a calçada e não possuíam mais a função de vender jornais e revistas. E as pessoas que trabalham ali? E o sustento que elas ainda recolhem daquelas bancas? É muito desprezo, muito egoísmo. Não adianta posar de humanista carregando um histórico de descaso pelo próximo.
 
Diante dos que me servem, eu me comporto com extrema humildade, procuro conhecer o que padecem, suas insatisfações, os motivos de me atenderem com desconforto quando isso ocorre. Não planto a menor semente de ódio, semeio a compreensão, a solidariedade por quem está ali para facilitar a minha vida. Pratico o perdão por alguém que, porventura, possa estar num dia ruim. Não reclame da opressão que o esmaga sabendo que você também contribui com ela.

 
Alexandre Coslei
Enviado por Alexandre Coslei em 18/03/2018
Reeditado em 19/03/2018
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