Entre a denúncia e o anúncio: reflexões sobre a morte de Marielle

Faz uma semana que o Brasil sofreu duas perdas irreparáveis, a morte da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Pedro Gomes, brutalmente assassinados a tiros no bairro Estácio, no centro do Rio de Janeiro. Alguns dizem que houve repercussão demais nestas mortes pelo motivo de Marielle ser vereadora, mas que pouco se faz com a perda de tantos outros que tem suas vidas ceifadas no cotidiano do país e sobretudo na cidade do Rio de Janeiro, cidade esta que tem sido alvo contínuo de violência em seu cotidiano.

Vale lembrar que Marielle representa a grande maioria do povo brasileiro, chorar por Marielle, condoer-se pelo seu assassinato não é diferente da dor que se tem toda vez que uma vida é ceifada no contexto da violência. Chorar por Marielle não tem diferença por exemplo, de chorar por Claudia e pelo bebê Arthur baleado na barriga da mãe, ambos em situações de extrema perversidade.

Marielle era o principal ícone de denúncia de mortes como a de Claudia, a do bebê Arthur e também da juventude negra e periférica, e por serem poucas as pessoas que enfrentam e denunciam estas mortes, a vida, a história de Marielle se torna tão especial. Chorar pela perda de Marielle é o mesmo que chorar pela perda de um brasileiro. Marielle carregava a brasilidade em sua história nos mais diversos aspectos. Era "cria da favela", como gostava de ser chamada, o que representa 11 milhões de brasileiros; precisou de bolsa integral para estudar Ciências Sociais na PUC, foi aluna de curso de pré vestibular comunitário e apesar do interesse, não pôde participar de atividades na faculdade e também dos movimentos sociais, pela pouca disponibilidade de tempo para cuidar de sua filha Layara; foi também, educadora infantil. Quantos e quantos milhões de brasileiros são também Marielle? E essa representatividade não para por aí. Foi minuciosamente revistada em uma abordagem no aeroporto do Rio de Janeiro, quando vasculharam até seu cabelo e sandálias mesmo estas sendo visivelmente abertas. Na ocasião da revista policial, que foi explicada como uma abordagem aleatória, Marielle tinha a opção se ser revistada em sala reservada, porém, explicou que preferia sofrer a abordagem em público, afinal aprendeu ao longo de sua vida que por ser de favela uma abordagem em público é sempre mais segura.

Pela altivez e consciência política conquistou grande notoriedade, foi assessora parlamentar do Deputado Marcelo Freixo e foi a quinta vereadora mais votada com 46 mil votos na cidade. Assumiu também a coordenação da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e teve a declaração pública de voto de 257 acadêmicos e professores que declararam apoio para a sua eleição. Era crítica e contrária a intervenção militar na cidade e acompanhava a atuação das tropas. Denunciava os abusos e as mortes e sentia profundamente pela violência que atingia tanto a população da favela como a de policiais, pois sabia que policias mortos eram tão vítimas quanto todos os outros que viviam nas comunidades. Oferecia apoio às viúvas destes policiais e lutava bravamente contra um sistema perverso relacionado muito mais ao poder político, do que se pode imaginar.

Marielle foi assassinada voltando de um encontro chamado "Jovens Negras Movendo Estruturas". Marielle representa a esperança de milhões de meninas negras e brancas que irão se espelhar nela, sobretudo depois que sua história ecoa em todos os cantos do Brasil e do mundo. Ingênuo pensar que sua morte vai calar os que lutam. Marielle representa o que buscamos na nova política. Sua morte não vai silenciar. Marielles vão brotar nas praças públicas. Sua ausência é grito, não é silêncio. Sabemos que o crime que envolveu sua morte foi contra a democracia, mas que saibam que por ela, lutaremos até o fim.

Isabel Cristina Rodrigues
Enviado por Isabel Cristina Rodrigues em 22/03/2018
Reeditado em 05/04/2018
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