POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A AGRICULTURA E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO DURANTE O REGIME MILITAR

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A AGRICULTURA E MODERNIZAÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL DURANTE O REGIME MILITAR

Rudnei de Matos

Área do Conhecimento: Economia; Sociologia; Ciências Sociais.

Eixo Temático: Agricultura; Desenvolvimento Econômico.

RESUMO

A estrutura econômica do Brasil nos anos sessenta, já dispunha de participação significativa da Indústria. Para que esta tivesse uma relevância cada vez maior na composição do PIB nacional, as atenções precisaram se voltar para a Agricultura nesta época. E realmente, o debate acadêmico-literário sobre a Agricultura no Brasil (que ganhava mais espaço desde a década de 40), foi longo e produtivo. O objetivo deste trabalho é analisar quais os efeitos desses debates, se houve algum, nas políticas públicas de desenvolvimento econômico criadas durante os governos do Regime Militar. O início do Regime, é exatamente na época em que Celso Furtado, Caio Prado Junior, dentre tantos outros autores, nos forneceram riquíssimas contribuições econômicas/sociológicas e até históricas, para o entendimento da questão agrária como pedra fundamental no processo de desenvolvimento econômico-industrial que o país tanto almejava e tanto discutia. Ao longo do trabalho mostraremos os planos de ação e planejamento governamental, durante o regime, a fim de elucidar o papel econômico do golpe de 64: a transição econômica para um sistema neoliberal, que impacta diretamente na agricultura.

PALAVRAS-CHAVE [Economia. Agricultura. Modernização]

Universidade Federal de Santa Catarina, 12 de junho de 2018

INTRODUÇÃO

A temática da terra no Brasil tem fortes laços históricos. Partindo de uma colonização escravocrata (que impediu o acesso à terra dos africanos recém-chegados), a mesma política tomou para si as terras que antes pertenciam aos indígenas nativos, lançando esse segundo grupo no mesmo arranjo de miserabilidade que estaria condenado o primeiro. O mais ilógico e irracional deste caráter excludente, é que esses dois grupos somados representam mais que a metade da população do Brasil. Com isso a propriedade da terra no país, desde as “capitanias hereditárias”, está fixada na mão de uma minoria latifundiária há séculos.

Ora, se no passado coubera à coroa portuguesa o papel de decidir quem ficaria com qual pedaço de terra no Brasil; no presente e no período da análise deste trabalho (1960-1980), coubera ao Estado brasileiro decidir. Considerando que o estado é administrado por setores dominantes da sociedade, fica fácil compreender os interesses de grandes segmentos econômicos em influenciar a tirar proveito da “distribuição” de terras que o estado brasileiro promoveu, ou, deveria ter promovido. Havia condições propícias para a realização e efetivação da reforma agrária no Brasil, na década de 60. Mas havia também a articulação política dos militares, influenciada pelo projeto neoliberal norte americano, que via na agricultura brasileira um problema de modernização das tecnologias, mas não um problema estrutural baseado na propriedade latifundiária.

O que pretendemos objetivar nesse trabalho, de modo geral, é: recuperar a discussão em torno da questão agrária brasileira nas décadas de 60 e 70, contando com os escritos de Caio Prado Junior, Celso Furtado, dentre outros. Especificamente, pretendemos analisar o processo de desenvolvimento econômico por que passava o país durante o regime militar, e o espaço reservado à agricultura no seu interior. As formas de planejamento econômico dos governos militares, expressadas nos planos institucionais para o desenvolvimento; encerrando com o lançamento do Proálcool em 1979 e o seu significado no contexto das décadas seguintes: 1980 crise da dívida externa, esgotamento do "milagre brasileiro"; 1990: globalização e intensificação das políticas neoliberais.

Com isso pretendemos colaborar para a formulação de ideias e trabalhos científicos na área das relações sociais/econômicas na agricultura brasileira, que ainda carecem, (ou melhor, em tempos de agrotóxicos mais fortes, sementes transgênicas e globalização), carecem mais atualmente que no passado, do estudo empírico das ciências sociais para a sua transformação em prol do elemento humano que nela reside, e que dela depende para sobreviver.

2.0 PRIMEIRA METADE DOS ANOS 60: CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DE CELSO FURTADO

O início dos anos 60 no Brasil, foi marcado por ampla discussão sobre os rumos da economia. Seguindo, aliás, uma tendência da década anterior fortemente influenciada pelo impulso desenvolvimentista do governo de Juscelino Kubitschek (1955-1961).

Um dos autores que melhor representa esse período é o economista Celso Furtado. Assessor direto do presidente Juscelino, teve papel decisivo na criação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE em 1959); além de intensa participação teórica nos debates que apontavam os rumos para o desenvolvimento do Brasil. Num dos seus trabalhos de 1962, ele aponta os desafios da época:

A tarefa básica no momento presente consiste, portanto, em dar maior elasticidade às estruturas. Temos que caminhar com audácia para modificações constitucionais que permitam realizar a reforma agrária e modificar pela base a maquinaria administrativa estatal, o sistema fiscal e a estrutura bancária. (...) E acima de tudo, devemos ter um plano de desenvolvimento econômico e social à altura de nossas possibilidades e em consonância com os anseios de nosso povo. *

No que se refere à agricultura, sua proposta de reforma preocupava-se em fazer florescer no país uma agricultura moderna, que desse conta de responder aos estímulos da demanda pela aplicação de capital e incorporação de novas tecnologias, e não pelo simples aumento de preços, que somente aumentara a concentração de renda na mão de grandes latifundiários, classificados pelo autor como “grupos parasitários”. **

*Furtado, Celso. A pré-revolução brasileira, p. 31-2.

** Ibid., p. 45.

2.1 PRIMEIRA METADE DOS ANOS 60: AS CRÍTICAS DE CAIO PRADO JUNIOR E OS “RESTOS FEUDAIS”

Caio Prado Junior, nasceu em São Paulo, onde fez seus estudos secundários no colégio São Luiz. Formou-se em Direito ainda em 1928, e obteve em 1956, a Livre Docência com a sua tese “Diretrizes para uma política econômica brasileira”. Deputado estadual por São Paulo em 1947, teve seu mandato cassado em consequência da “ilegalidade” do Partido Comunista do Brasil, na época. Recebeu o título de Intelectual do Ano em 1966 pela publicação do seu livro A Revolução Brasileira.

Em artigos publicados originalmente na Revista Brasiliense nos anos que precederam o golpe de 1964, posteriormente reunidos em seu livro A Questão Agrária; o autor nos explica porque o agronegócio encontrou no Brasil solo fértil:

Os sucessos da exploração agrária se devem no Brasil, em primeiro lugar, à larga disponibilidade de terras em cuja apropriação não concorreu com o número relativamente reduzido dos empreendedores da exploração agrária no país, e que se tornaria sua classe dominante, nenhum outro contingente da população. E aí está outro fator que tornou possível o grande êxito desta empreitada: disponibilidade de força de trabalho, fornecida aos grandes proprietários pela massa da população rural que se formou e constituiu, precisamente para este fim de proporcionar mão de obra, pela incorporação de indígenas, pelo tráfico africano, pelo afluxo migratório dos últimos anos. Força de trabalho de baixo custo relativo, porque mesmo quando juridicamente livre, era premiada por um mercado de trabalho cujo abastecimento não sofria a eventual concorrência de outras alternativas de ocupação para os trabalhadores. O virtual monopólio da terra, concentrada nas mãos de uma minoria de grandes proprietários, obriga a massa trabalhadora a buscar ocupação e sustento junto a esses mesmos proprietários, empregando-se a serviço deles. *

As condições de vida do trabalhador rural no século XX, eram, portanto, de péssimas qualidades. Como fica claro no trabalho do autor, quando discorre sobre a remuneração desta classe:

O que fixa e determina a remuneração do trabalho, nas condições atuais da nossa economia rural, é o equilíbrio do mercado da mão de obra, a saber, a relação de oferta e procura que nele se verifica. Oferta e procura essas que não se modificarão enquanto permanecerem as condições vigentes em que a massa de trabalhadores rurais não encontra outra alternativa de ocupação que na cessão de sua força de trabalho a uma reduzida classe de grandes proprietários e fazendeiros que monopolizam de fato, a maior e melhor parte da terra disponíveis. **

*Caio Prado Júnior. A questão agrária, p. 26-9

** Ibid., p. 67.

E quando discorda de autores como Paul Singer (1961) * e Celso Furtado (1964) **, Caio Prado nos mostra porque uma sociedade baseada na escravidão não pode ser denominada, de forma gentil, como feudal:

Mas uma economia de base escravista não se confunde com economia feudal, e as relações de produção são distintas. (...) com a abolição legal da escravidão, era natural que as classes dominantes e senhoras dos meios de produção, inclusive e sobretudo a terra, procurassem se aproveitar da tradição escravista ainda muito próxima e viva, para o fim de intensificar a exploração do trabalhador ***

Para o autor, a economia brasileira precisava concluir o processo de industrialização sem que a agricultura representasse um entrave. O problema central era de que, o latifúndio pressionava os preços dos produtos agrícolas a subirem mais que os preços dos produtos industriais, gerando assim uma transferência de renda da indústria nacional (tentando se expandir) para o latifúndio agropecuário (já completamente expandido em todo o território). A solução destas questões de desenvolvimento econômico, para o autor, seria uma ampla reforma da estrutura agrária. A fim de aumentar a produção de gêneros alimentícios, fornecendo a base de suporte para que a indústria pudesse se desenvolver em todo o país.

Conforme vimos na primeira parte deste trabalho, havia de fato, na década de 60, um debate produtivo sobre o desenvolvimento do Brasil. Autores preocupados com o desenvolvimento regional, como Celso Furtado; ou mais ligados ao combate no latifúndio no campo, como Caio Prado; nos deram suas contribuições econômicas/sociológicas que foram muito importantes na época, mas em razão do golpe de 1964 acabaram sendo “deixadas de lado”. Passaremos agora ao estudo de outras alternativas que eram articuladas para o desenvolvimento, sem a necessidade de reforma. Essas “alternativas” nos afastariam do interesse nacionalista de uma indústria forte, para nos aproximar cada vez mais dos Estados Unidos e sua política neoliberal.

*Paul Singer. “Agricultura e desenvolvimento econômico”, p. 64-84.

** Celso Furtado. Dialética do desenvolvimento, p. 127.

*** Caio Prado Junior. A questão agrária, p. 68.

2.2 ALTENATIVAS DE DESENVOLVIMENTO: O PAPEL DA AGRICULTURA

As duas alternativas surgidas no período (1960-1964) apontavam ou para associação com o capital internacional, que financiaria a continuidade do processo de industrialização e, consequentemente, a manutenção da situação de dependência (agora não mais de produtos acabados ou bens de capital, no todo ou em parte já substituídos) mas de uma dependência financeira, que continuaria amarrando os destinos do país às decisões externas; ou a formação do próprio estímulo, sobretudo por intermédio da ampliação do mercado interno e a ação do Estado, que permitiriam, em âmbito interno, a formação da poupança e da infraestrutura necessárias ao investimento (NETO 1997, p. 51).

Voltaremos aqui ao economista Celso Furtado, em trabalho de 1964, para exemplificar o papel da agricultura como entrave ao desenvolvimento:

É sabido que a produção agrícola ligada ao mercado interno tem respondido com notória lentidão ao impulso da demanda gerada pelo desenvolvimento industrial. (...) os preços dos produtos industriais cresceram menos que os dos produtos agrícolas destinados ao mercado interno, o que indica que a classe capitalista industrial teve de transferir para os interesses ligados ao latifúndio parte dos lucros que auferia. (...) a estrutura agrária anacrônica como um obstáculo ao desenvolvimento deixou de ser uma suposição para transformar-se em evidência gritante. *

Sabemos no século XXI qual foi a alternativa de desenvolvimento que mais se adequou aos interesses dos dirigentes políticos do Brasil, militares a partir de 1º de abril de 1964. E na próxima parte deste trabalho, analisaremos as consequências econômicas desta escolha e o tipo de capitalismo que vingara com a consequente modernização, sem alteração da estrutura agrária.

*Celso Furtado. Dialética do desenvolvimento, p. 126.

O GOLPE DE 64 E SEU CARÁTER ECONÔMICO

Conforme visto anteriormente, a questão da reforma agrária estava em alta nas discussões da primeira metade dos anos 60. A partir de agora, analisaremos as conclusões dos autores no período pós-golpe; suas análises sobre as motivações da tomada de poder; e quem apoiou esta ação “nacionalista” de “defesa da pátria”.

Caio Prado Junior, na nota prévia à segunda edição de seu livro A Questão Agrária, de 1979, fala sobre o que estimulou a tomada do poder:

É de notar preliminarmente que entre os fatores que estimularam o golpe, (...) encontram-se precisamente o crescente interesse que então começava a despertar a questão agrária e os primeiros sintomas de séria pressão popular no sentido da efetivação de medidas tendentes à reforma de nossas estruturas agrárias e relações de trabalho no campo. *

Também analisando o período pós-golpe, em trabalho de 1974, Florestan Fernandes chama a atenção para o que chamou de dupla articulação:

A dupla articulação impõe a conciliação e a harmonização de interesses díspares (tanto em termos de acomodação de setores econômicos internos quanto em termos de acomodação da economia capitalista dependente às economias centrais); e, pior que isso, acarreta um estado de conciliação permanente de tais interesses entre si. Forma-se assim, um bloqueio que não pode ser superado e que do ponto de vista da transformação capitalista, torna o agente econômico da economia dependente demasiado impotente para enfrentar as exigências da situação de dependência. **

As análises teóricas posteriores ao golpe de 1964, reforçam o caráter intervencionista dos Estados Unidos, dando suporte aos militares no poder no Brasil. Um autor contemporâneo, Marcus Dezemone, em trabalho publicado pela Revista Brasileira de História em 2016, nos dá mais informações sobre a efetiva colaboração dos Estados Unidos na implantação de políticas neoliberais, por meio da ação dos militares no poder:

A abertura de arquivos estadunidenses, disponibilizando ao público documentos classificados como “confidenciais” ou “secretos”, cujo acesso não era permitido até então, possibilitou revisitar fatos conhecidos, mas descritos sob outro ponto de vista, além de esclarecer aspectos obscuros diante dos quais pairavam dúvidas consideráveis. (...) O que a análise da documentação e demais evidências revelam é a preocupação com o que se poderia chamar de “cubanização” da América do Sul e em especial do seu maior país. Evitá-la era um elemento estratégico da política hemisférica dos Estados Unidos e parece ter encontrado forte acolhida nos meios conservadores brasileiros. ****

Em trabalho de 2017, publicado pelo Senado Federal, o autor Francisco Ésio de Souza aponta os interesses econômicos/políticos dos Estados Unidos da América com o golpe militar no Brasil:

 

Desgraçadamente, o idealista [Celso Furtado], não teve a oportunidade de ver suas premissas desenvolvimentistas acontecerem no tempo por ele imaginado. Sendo fácil compreender que os interesses geopolíticos fizeram com que os Estados Unidos colaborassem para interromper esse processo desenvolvimentista que a SUDENE havia deflagrado na região Nordeste, em 1959, e a freado com o advento do golpe militar de 1964. ***

Agora que já analisamos o papel econômico que o golpe militar pretendia executar, iremos verificar nos planos de ação e planejamento do governo, o papel cada vez mais reduzido das questões de reforma na estrutura agrária, que se levadas ao debate, encontrariam fundamentação teórica dos autores.

Aqui cabe esclarecer que analisaremos precisamente o período de 1964 a 1980. Por entender que a partir dessa última data, o que ocorre no Brasil é a intensificação dos planos de modernização da agropecuária (direcionada pela política neoliberal), que não leva em conta os estudos teóricos da década de 50 e 60.

*Caio Prado Junior. A questão agrária, p. 7.

**Florestan Fernandes. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica, p. 223

***Francisco Ésio de Oliveira. O nordeste brasileiro, p. 110.

**** Dezemone, Marcus. A questão agrária, o governo Goulart e o golpe de 1964 meio século depois IN Revista Brasileira de História, vol. 36, nº 71, p. 135.

PLANO DE AÇÃO ECONÔMICO DO GOVERNO (1964-1966)

O plano, alinhado aos ideais liberais que norteavam a ação golpista, inicia-se afirmando o respeito às leis de mercado, mas pregando a necessidade da presença governamental para melhorar a distribuição de renda e da riqueza dentro desse mesmo mercado (NETO,1997, p.127). Nota-se que a discussão sobre reforma, vai dando espaço a uma discussão cética sobre educação, tributação da terra e sobretudo, o que será por muito tempo sinônimo de política agrícola, melhoria do sistema de crédito rural:

Já que uma reforma agrária de sentido tradicional não pode remediar a queda de produto derivado do declínio da produtividade do trabalho e do solo, segue-se que o tipo de reforma que o País deve realizar não pode apenas considerar a redistribuição em termos do imóvel rural. Terá de incorporar a esse processo de mudança econômica/social elevado conteúdo de política agrícola, traduzindo em medidas tais como educação, novos esquemas de tributação da terra, organização cooperativa e melhoria do sistema de crédito rural. *

PROGRAMA ESTRATÉGICO DE DESENVOLVIMENTO (1968-1970)

Este programa traz como objetivos fundamentais para a política econômica, a aceleração do desenvolvimento e a contenção da inflação, procurando identificar os principais fatores causadores da inflação e da estagnação do crescimento. A questão da reforma agrária só aparecerá mais à frente, quando se colocará a necessidade (dentro da política agrícola governamental), de estabelecer melhor organização do meio rural, o que se pretende alcançar por meio de “processos democráticos de reforma agrária” e instalação de “colônias auto administráveis”. **

*Brasil. Ministério do Planejamento e Coordenação Econômica, p. 15.

**Brasil. Ministério do Planejamento e Coordenação Geral, p. 17.

METAS E BASES PARA A AÇÃO DO GOVERNO (1970-1973)

Com a morte do presidente Costa e Silva, assume a presidência o general Emilio Garrastazu Médici. O plano, Metas e Bases Para a Ação do Governo, elaborado por esta gestão, estará agora mais preocupado com o progresso social e a distribuição de renda, uma vez que se encontrara a pleno vapor o chamado “milagre brasileiro” e a inflação fora baixada a patamares mais civilizados (NETO,1997, p.131). Para o setor agrícola, o plano pretende promover:

Na década de 70, um movimento renovador, de profundidade no setor agrícola. Isso significará, principalmente, dotar a agricultura brasileira de um sistema de apoio, financeiro e fiscal, capaz de produzir a transformação tecnológica e o fortalecimento acelerado de uma agricultura de mercado, sensível aos estímulos de preços; (...) transformar o Brasil em importante explorador de carne e outros produtos agrícolas não tradicionais. *

I PLANO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO (1972-1974)

Ainda no governo Médici, é tornado público o I PND, mais abrangente e complexo que o Metas e Bases. Embalado pelo sucesso do “milagre brasileiro”, o I PND traz como seus principais objetivos: colocar o Brasil na categoria dos países desenvolvidos (no espaço de uma geração); duplicar a renda per capita (comparada a de 1969); expandir a economia garantindo taxas de crescimento da ordem de 8% a 10% anuais*.

Embora admitindo que o processo de desenvolvimento seja acionado pelos setores diretamente produtivos, indústria e agricultura, e que desníveis de crescimento entre os dois possam ocasionar problemas ao processo como um todo, este é o primeiro plano a não acusar problemas estruturais na agricultura, nem apontar seu caráter retardatário. Outro ponto importante é o fato de a expressão reforma agrária ser completamente abolida do texto (NETO, 1997, p. 132)

*Brasil. Presidência da República. I Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) 1972.

II PLANO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO (1975-1979)

Em virtude das profundas alterações ocorridas no cenário econômico internacional, tendo como referencial a crise do petróleo, e na estrutura produtiva nacional, com o esgotamento do chamado “milagre”, este segundo PND em muito se diferencia dos planos anteriores. Sendo assim, tais os objetivos fundamentais do plano:

1º) manter o crescimento acelerado dos últimos anos;

2º) reafirmar a política gradualista de contenção da inflação;

3º) manter em relativo equilíbrio o balanço de pagamentos;

4º) realizar política de melhoria da distribuição de renda;

5º) preservar a ordem social e política;

6º) realizar o desenvolvimento sem deterioração da qualidade de vida e devastação dos recursos naturais*.

3.6 O PROÁLCOOL EM 1979 E O APOIO ESTATAL À MONOCULTURA

O que percebemos a partir deste II PND, é o impacto das crises econômicas sobrepondo-se a qualquer outro aspecto relevante ao planejamento oficial do governo. A crise do petróleo em 1973 e repetidamente em 1979, faz o governo lançar o programa de incentivo à produção do etanol (Proálcool, em 1979) a fim de amenizar a dependência exclusiva que a sociedade moderna tem do petróleo. O apoio ao cultivo da cana de açúcar, pode aparentemente, parecer inofensivo. Mas os estudos científicos comprovam nas palavras de vários autores, que a monocultura é prejudicial à qualidade de vida dos trabalhadores rurais. Primeiro porque a monocultura exige grande quantidade de terra disponível para o cultivo, e segundo, porque a exploração estritamente mercantil da monocultura em detrimento de culturas alimentícias, faz pressão sobre os preços dos alimentos, encarecendo o custo de vida no campo, até então, relativamente baixo. A fim de ilustrar esse momento de transformação no campo, com a chegada da monocultura da cana de açúcar, por exemplo, trazemos aqui o relato de um pequeno produtor da cidade de Água Comprida (MG):

No meu ponto de vista, antes da chegada da cana aqui na nossa região, a população rural estava mais ligada ao campo, aí a oferta de alimentação era maior e, com isso, os preços na cidade eram melhores. Agora que estão arrendando a zona rural para o plantio de cana, isso mudou. Aquele pequeno produtor que produzia seu sustento e vendia a sobra na cidade, agora com o arrendamento ele precisa é comprar porque parou de produzir sua alimentação. A fartura não é mais de alimento, mas de dinheiro no bolso. (Entrevista com pequeno agricultor G, Água Comprida, 12 mai. 2010)**

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Durante o correr deste trabalho procuramos recuperar (em partes), o debate sociológico dos anos 50/60 que concluía em grande parte dos textos e dos autores, para a realização da reforma agrária como forma de dinamizar a produção agrícola, dar direito a terra a brasileiros historicamente marginalizados, e sobretudo, contribuir para o desenvolvimento da indústria nacional, gerando a poupança e a infraestrutura necessárias ao investimento capitalista.

No desenvolver das pesquisas, conseguimos encontrar provas teóricas da participação e colaboração estadunidense na tomada de poder no Brasil. Provas essas, muito bem lembradas pelo autor Marcus Dezemone (2016), estão surgindo ao conhecimento público. E com o reconhecimento oficial, porém constrangido, da Casa Branca, que dá o tom violento e urgente do tema.

Por razões de tempo hábil para a pesquisa, não pudemos analisar neste trabalho como essas relações do campo brasileiro estão em simbiose com relações de campos na Colômbia, no Paraguai, dentro outros países latino-americanos que têm em comum: a colonização extrativista, apropriação das terras indígenas e um quadro de lutas violentas pelo direito à terra. Mas deixamos aqui esse fio solto, para uma eventual pesquisa futura sobre as relações sociais e econômicas que se reproduzem na agricultura da América Latina, face ao neoliberalismo.

*Brasil. Presidência da República. II Plano Nacional de Desenvolvimento. 1975

**A entrevista consta em artigo de Wendell Fischer Assis, publicado na Revista de Economia e Sociologia Rural, vol. 52, nº 2, Brasília. Abr./jun. 2014

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil: Ensaio de Interpretação Sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.

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OLIVEIRA, Ésio Francisco de. O Nordeste Brasileiro. Brasília: Senado Federal, 2017.

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