O Silêncio
 
Quando falares, cuida para que tuas palavras sejam melhores que o silêncio. (Provérbio Indiano)
 
Existe uma totalidade em torno do homem.
Somos cada um de nós uma partícula infinitamente pequena em face da grandeza incomensurável do todo. As mil feições de cada coisa e de cada ser são inalcançáveis, independentemente das conquistas dos saberes e do desenvolvimento das inteligências.
Considere a imensidão em nossa volta. Ajuíze o mundo ilimitado, indefinidamente prolongado nos espaços, nas espécies vivas e nos gestos e pense nas atitudes engendradas no trajeto da vida social dos homens... Reflita sobre a infinita cadeia do reino da natureza, que inclui todos os animais, vegetais, fungos, bactérias e todas as espécies inorgânicas do reino mineral.
Quantos detalhes de luzes e sombras se imprimem na experiência vivida do homem compartilhando com esse mundo imenso conhecido e desconhecido?
O silêncio é filho dessa imensidão.
O silêncio é um corpo que ainda não se configurou, ainda não se delineou, não porque ele (o silêncio) seja vazio. Ele é apenas o não dito, o não visto e é ainda exterior à linguagem, mas guarda sua figura e significado para o momento de sua inserção no conteúdo já revelado, já conhecido.
O silêncio ganha sinonímia com a invisibilidade.
Aquilo que não conhecemos esconde-se no silêncio de nossa consciência, inexiste como presença em nossa alma, mas a materialidade dele (do silêncio) está lá, em algum lugar, dentro da totalidade e fora da racionalidade construída na trajetória vivida.
O silêncio é, portanto, cognoscível, é passivo de ser conhecido, desde que tracemos formas ou teorias capazes de ampliar nossa percepção, numa espécie de domesticação dos sentidos, que termina domesticando silêncios, isto é, traz para dentro de nosso saber domínios ainda não experimentados, submetendo-os a nosso controle.
Essa expectativa de poder saber mais, de entender que podemos desvelar silêncios, está na base da tese do filósofo alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), pelo menos no que toca às questões da vivência humana, quando ele afirma que “Tudo que é real é racional e tudo que é racional é real”.
Sendo o silêncio uma materialidade, porque tem uma existência mesmo que ainda não sabida pelo conhecimento atual, ele é uma espécie de face de um fenômeno escondido da visibilidade racional, esperando o momento de surgir, de identificar-se como algo da totalidade e, se ele é real (embora ainda não sensível) terminará por se tornar racional num dado momento, conclusão esta que aproxima a tese de Hegel aos estudos de Milner, J. C.L, em seu texto A obra clara, quando este assegura que “[...] o impossível e o contingente formam os dois lados do real”.
Entendemos aqui que o silêncio reina absoluto sobre o saber. Por isso a força do provérbio indiano: “Quando falares, cuida para que tuas palavras sejam melhores que o silêncio [...]”. É que sabemos muito pouco do universo imenso que habitamos. O que alerta para o cuidado no momento da ação. Mesmo do alto da formação acadêmica em nível mais avançado, o conhecimento individual é imensamente pequeno frente à grandeza das coisas já conhecidas e daquelas que ainda estão silenciadas por nosso desconhecimento.
Nesse sentido, o poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), em seu poema O Constante Diálogo, soube reconhecer humilde e liricamente esse mundo imenso em que viveu: “Escolhe teu diálogo/ e/ tua melhor palavra/ ou/ teu melhor silêncio./ Mesmo no silêncio e com o silêncio/ dialogamos”.
Doutro modo e a propósito do cuidado em estar nessa imensidão e nela viver sabendo-se limitado, ensina o professor Orlandi, E. P., em seu texto As formas do Silêncio: “[...] o silêncio, na constituição do sentido, é que impede o nonsense [...]”. Ele evita o absurdo, o disparate e impede os argumentos, atitudes e gestos sem nexos.
Lembremos, por fim, do velho filósofo grego Pitágoras (580-500 a.C.): “Escuta e serás sábio. O começo da sabedoria é o silêncio [...]”.
Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 16/08/2018
Código do texto: T6420619
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