SOCIEDADE RESTANTE

A sociedade que nos resta suporta o negro. Mas ele precisa parecer branco; vestir-se como branco; ter costumes de sociedade branca. Também aceita o gay, desde que o mesmo pareça hétero; tenha traços, indumentária, voz e trejeitos héteros. Conserve um comportamento enrustido. Ainda tolera o adepto de religião afrodescendente, com a condição de que ele pareça católico; evangélico; no máximo, kardecista. Viva de modo a não parecer o que denominam, preconceituosamente, como macumbeiro.

Ela convive bem com o pobre, com uma condição: que ele seja um fiel servidor, mão-de-obra barata... ou pareça rico. Pelo menos para si mesmo... que se auto engane, crendo que lhe dão valor pelo servilismo, ou creia enganar a própria sociedade que, na hora certa, fará bom proveito dessa ilusão. De resto, a sociedade restante ama a mulher... no entanto, é necessário que a mulher se ponha no “seu lugar”; não faça frente ao homem. Obedeça ao domínio machista e, pode até trabalhar. Só não pode ocupar os mesmos espaços do homem, pelo menos com a mesma valorização profissional.

Esta é a sociedade que nos resta. Uma sociedade que vive e exige que todos vivam de aparências. Exclui e ao mesmo tempo “perdoa” os excluídos, desde que os próprios excluídos não se perdoem. Aceita os que não se aceitam, os que se negam e se rendem aos seus padrões, porque isso é vantajoso para ela. Da imagem eternamente imposta aos negros, gays, religiosos marginalizados, mulheres e pobres, a sociedade que nos resta faz a própria imagem para se manter como é, porque essa é a fórmula exata da concentração de tudo o que lhe interessa para continuar impondo seus cabrestos.

O sonho da sociedade restante não é outro senão o de perpetuar o poder sobre as classes dominadas e fazer com que seus dominados se orgulhem de ser conduzidos, ao pé-da-letra, como dóceis ovelhas. A propósito, nestes tempos em que a igualdade social já deveria ser fato consolidado, a figura de linguagem perfeita para os dominadores, vendida com mais sucesso do que nunca, para os dominados menos atentos, é exatamente o mais estúpido, passivo e subserviente dos gados: a ovelha.

Demétrio Sena
Enviado por Demétrio Sena em 16/08/2018
Código do texto: T6421027
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