A Alegria
 
 
Somos corpo e alma.
Corpo como materialidade de nossa existência singular e alma representando a substância em forma de pensamento, conhecimento, desejo. Ou seja, somos corpo que tem consciência de si, estrutura orgânica formando com a mente uma só unidade e inteligibilidade, capacidade de perceber e compreender bem as coisas, dada toda a complexidade e multiplicidade do nosso mundo.
Essa nossa existência de corpo e alma construiu uma habilidade de autopreservação que, no olhar do filósofo Espinosa (1632-1677), ganhou o “... poder para expandir-se e realizar-se plenamente...” numa forma de ação apropriadora de possibilidades exteriores que levam a existência singular ao rumo da perfeição existencial.
As possibilidades de apropriação exterior acontecem porque nós somos corpos em contato convivendo em espaços culturais distintos, “[...] corpos como uma estrutura social de impulsos e afetos”, como pensado pelo filósofo Nietzsche (1844-1900). Em face desse princípio, ganhamos ciência de que nossa individualidade somente se expande e se realiza com a presença de outros indivíduos.
Valorizar essa relação corpo e alma, como dado existencial, é reconhecer na ação pensada (a práxis) um elemento fundamental da vida humana, que, na tradução do pensador Jean Paul-Sartre (1905-1980), ganhou lucidez genuína: “[...] práxis é aquilo pelo qual o ser se revela na História”.
Considerando essas razões, é preciso procurar modos de virtualizar o homem em sociedade para que ele se revele como sujeito capaz de contribuir socialmente, na lembrança de que virtude é um atributo do que se encontra em conformidade com aquilo que se considera correto ou esperado ou, como expressou o filósofo grego Aristóteles (384-322 a.C.): “Virtude é a disposição de um indivíduo de praticar o bem”.
A ação advinda dos impulsos e afetos dos corpos em contato, virtualizados na práxis, faz surgir diferentes fundamentos. Dessa base de princípios, o essencial do homem se expressa em sua potência de existir, pensar e agir como ensina Espinosa. Suprimido dessas características, de sua potência de existir, pensar e agir, o homem se desfigura e será outra coisa, menos homem.
Os impulsos e afetos dos corpos em contato, já citados, são fontes dos fundamentos da essência do homem. A alegria é um desses afetos.
Quando, então, nós nos alegramos?
Quando nossa potência de existir, pensar e agir ganha força, responde positivamente aos impulsos conscientes da alma, causando o benefício almejado. Ou seja, a resposta positiva aconteceu de forma adequada ao intento inicial. Dito de outro modo, a alegria, então, seria o sentimento que experimentamos quando nossa potência de agir aumenta, e a tristeza, de modo contrário, seria o efeito de um encontro com outros corpos, indivíduos ou coisas, que diminui nossa potência de agir. Ou, como afirma o professor da USP, Clóvis de Barros Filho (1938 -):
 
• A alegria é a passagem do ser humano de uma perfeição menor para uma maior.
• A tristeza é a passagem do ser humano de uma perfeição maior para uma menor.
 
Na alegria, os encantos de viver se afloram: é exaltado o lado positivo das relações; o amor se torna a alegria do amante, fortificada pela presença do amado ou da coisa amada; os sons, as cores e os perfumes tocam com mais força em nossa alma. Aí a alegria ganha outras expressões como o contentamento, a admiração, a estima, a misericórdia.
Contrariamente, a tristeza nos afasta cada vez mais da nossa potência de agir e é geradora de ódio, aversão, temor, desespero, indignação...
Cuidado! A alegria é delicada como uma flor em botão, fenece com facilidade. É preciso cultivar com muito carinho o riso esboçado, o abraço do afeto recebido, a lágrima derramada no encontro tanto aguardado ou, como explica Espinosa:
 
É próprio do homem sábio recompor-se e reanimar-se moderadamente  com bebidas e refeições agradáveis, assim como todos podem se servir,  sem nenhum prejuízo alheio, dos perfumes, do atrativo das plantas verdejantes, das roupas, da música, dos jogos esportivos, do teatro,  e coisas do gênero.
Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 17/08/2018
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