Ninguém aprende a ser homossexual

Muitos dos que votaram em Jair Messias Bolsonaro apoiaram sua candidatura por ser contra o suposto kit gay que, segundo eles, incentivaria as crianças a se tornar homossexuais. De acordo com tais eleitores ( a maioria composta de evangélicos), o kit gay é contra a família e tira a inocência das crianças, que não devem ser ensinadas que "tais abominações são normais". Os que defendem Bolsonaro também afirmam que suas afirmações sobre os homossexuais não influenciarão seu desempenho como Presidente.

Admitindo que as afirmações desastradas de Bolsonaro não terão nada a ver com o fato de que ele será ou não um bom governante para nossa nação, que o escolheu na tentativa de trazer novos tempos para nosso país, precisamos entender algo: os argumentos contra o tal kit gay não têm fundamento. Ninguém aprende a ser homossexual. E falar sobre homossexualidade em sala de aula não levará nenhuma pessoa a se interessar pelo universo LGBT.

Não podemos dizer que o que Bolsonaro disse sobre os homossexuais não é preconceituoso. Falar que "filho gay é falta de porrada" ou que "não deixaria um motorista gay levar seus filhos à escola" pode não significar que ele será um mau presidente mas, com certeza, mostra um ponto de vista bastante limitado e que influenciará negativamente muitas pessoas. O primeiro argumento insinua que um filho ou filha é homossexual porque não teve educação adequada. Nada a ver. Ser homossexual não é resultado de falta de educação ou de os pais terem sido "moles." Vários homossexuais tiveram educação muito rígida. E não são poucos os oriundos de lares em que se ensinou que homossexualidade era uma abominação, doença ou imoralidade. Diversos deles foram ou são rejeitados pelas famílias. Alguns receberam punições físicas ou foram tachados de loucos ou endemoninhados quando os pais souberam que eles não eram heterossexuais.

Dizer que não deixaria um motorista gay levar os filhos à escola dá margem a duas interpretações. A de que todo homossexual é um pervertido que abusará de meninos ou que ensinará as crianças a ser gays, como se isso fosse uma doença contagiosa. Mais um argumento sem consistência. Se há homossexuais pervertidos e pedófilos, também há heterossexuais que abusam de meninas. Quantas meninas não são abusadas pelos pais? A pedofilia e a perversão não são exclusivas daqueles que gostam de pessoas do mesmo sexo.

Quem se diz contra o kit gay, falando que não está certo em se ensinar homossexualidade, bissexualidade ou transexualidade como algo normal e que isso tirará a inocência dos jovens, levando-os a se desviar do certo, deveria pensar em um fato importante: deixar de falar com as meninas sobre gravidez na adolescência, agindo como se isso não existisse, impedirá que adolescentes engravidem? Não é melhor que se fale sobre a vida sexual de forma científica, até para combater preconceitos e para que os jovens aprendam a se defender? Vivemos em um mundo em que não dá mais para querer que os jovens vivam sob uma redoma. Está mais do que provado que o índice de gravidez na adolescência é menor entre as jovens que receberam orientação dos pais e educadores acerca dos riscos e como se prevenir.

Além disso, as crianças de hoje não são mais como as de antigamente. Antes mesmo de ir à escola, muitas já sabem que existe homossexualidade. Basta que se assista a uma novela na Globo ou se acesse um vídeo pornô na Internet e elas verão muitas coisas, até sem os pais saberem. Sem falar que hoje é mais frequente vermos casais homossexuais nas ruas. As crianças ignoram isso? Então, não será bom que os professores expliquem que há pessoas das mais diversas orientações e que se deve respeitar quem é considerado diferente? Que ninguém é melhor ou pior do que ninguém por causa de sua orientação sexual?

Alguns dos que votaram em Bolsonaro ainda insistem que homossexualidade é problema espiritual e não deve ser falada como se fosse normal. Então, vejamos as observações de muitos cientistas que descobriram comportamentos homossexuais em golfinhos, leões, girafas, botos cor-de-rosa, chimpanzés e até insetos. O que isso nos leva a concluir? Que homossexualidade é orgânica, natural, determinada talvez pela química ou DNA, mas nunca por fatores educacionais, morais e/ou espirituais. Com certeza, jamais alguém dirá que um chimpanzé homossexual é possuído pelo demônio ou se tornou gay por falta de castigo físico.

Infelizmente, há quem afirme que, se alguém foi abusado por um homem, ficará homossexual. Não há provas científicas embasando isso. Sabemos que abuso sexual causa traumas para a vida inteira e afeta a vida sexual de uma pessoa para sempre, se ela não for tratada. Mas não podemos dizer que determina a orientação sexual de uma pessoa. Muitos homossexuais jamais foram abusados. E, se isso tivesse mesmo algo a ver, as lésbicas que sofrem "estupro corretivo" em países como a África do Sul, virariam heterossexuais. Só que nenhuma se tornou hetero por isso.

Na nossa sociedade preconceituosa, não são poucos os que pregam a "cura gay", defendendo que os homossexuais passarão a ser homens. Engano. Ser homossexual não determina se você será masculino ou feminino. Nem toda lésbica é uma cópia da Cássia Eller e nem todo gay é efeminado como o Jorge Lafond personificando a Vera Verão. Aliás, muitos gays são mais masculinos do que muitos heterossexuais. Esses estereótipos, embora engraçados, são preconceituosos porque foram inculcados em nossa mente. Lembremos que, por muito tempo, o gay e a lésbica sempre foram aquelas figuras engraçadas, o alívio cômico em programas de televisão ou novelas.

Temos de entender que, se fosse questão de escolha, ninguém seria homo, bi ou trans. Todos os homossexuais que foram ouvidos em programas contra o preconceito foram unânimes em dizer que, se pudessem escolher, seriam heterossexuais. A vida de quem não corresponde aos padrões considerados aceitáveis sempre é mais difícil.