IDEOLOGIA, DOUTRINA E JUSTIÇA.
A COMPREENSÃO PLAYSTATION DAS DECISÕES JURÍDICAS


O tempo passou... A presidente sofreu impeachment, o governo que a substituiu envolveu-se em escândalos de corrupção e chegamos ao momento atual. A esperança encontrou o renascimento dos sistemas e estruturas do Estado nacional. Transformar o arquétipo esperançoso em efetivos resultados positivos para os cidadãos nacionais faz-se urgente.

Os últimos quatro anos foram prodigiosos, segundo a mídia, em apresentar desvios e vários tipos de crimes oriundos dos Executivos e Legislativos diversos. Casas legislativas, prefeituras, estados e o governo central foram protagonistas de várias manchetes jornalísticas sobre corrupção no Brasil e pelo mundo.

A inação de autoridades no sentido de privilegiar políticas públicas eficazes foi esquecida. O Estado tornou-se uma usina de desatinos, promotor de pobreza e de vários tipos de enriquecimento ilícito, inclusive por intermédio da previdência oficial, onde transferências de recursos pouco visíveis alimentam castas há séculos protegidas e que, em tempos recentes, presencia-se a total falta de compostura, lisura e moralidade no trato da coisa pública.

Poucas autoridades privilegiadas governavam para poucos bilionários comprometidos com o sistema montado e isso acabou gerando: o descalabro do desemprego, os desastres ambientais produzidos pelo homem e a ineficiência dos sistemas de saúde e de educação. Doenças erradicadas voltaram a aparecer, analfabetismo funcional proliferando, estradas deterioradas e fortemente contribuindo para os elevados valores dos fretes e acidentes fatais etc.

Recentemente, entrou na pauta da mídia o pedido de CPI para investigar o Poder Judiciário. Vulgarmente chamada de LAVA-TOGA, o objetivo da comissão será abrir a caixa-preta desse Poder, que permanece intocado e resistente a qualquer tipo de controle. Só existe democracia quando há transparência em todas as instâncias.

Aqueles que clamam pela CPI evidenciam que o Judiciário vem agindo de forma pouco saudável, pois: a) há abuso de pedidos de vista ou expedientes processuais para retardar ou inviabilizar decisões de plenário; b) existe diferença do tempo de tramitação de pedidos a depender do interessado; c) há excesso de decisões contraditórias para casos idênticos; e d) existe desrespeito ao princípio do colegiado.

Além do supradito, observa-se o que Alessandro Vieira, senador pelo PPS-SE, afirmou: os tribunais superiores se transformaram em um aglomerado de decisões monocráticas, fazendo com que os resultados das decisões sejam tomados como uma loteria. De acordo com o ministro sorteado é definida uma decisão. Decisões colegiadas já definiram a questão, mas os juízes, monocraticamente, insistem em desrespeitar essas decisões. Como dar continuidade a um sistema judiciário que age dessa forma?

Por outro lado, existe a contemporaneidade de comportamentos afetos ao momento singular que se vive no planeta. Segundo Ney Bello, desembargador do TRF-1, o juiz médio da atualidade tem forte pendor ideológico, mas nega possuir qualquer ideologia e imputa aos demais, que pensam de forma diferente sobre quaisquer questões, a submissão a doutrinas e a obediência a direcionamentos partidários. Por mau uso dos conceitos teóricos, ele desconhece que ideologia é o conjunto de pressupostos, compreensões e concepções que definem o modo de pensar e de ser no mundo. Esse juiz não atina que é impossível não ter ideologia e que é uma cegueira egocêntrica se imaginar não ideológico – neutro.

Por assim agirem e atuarem frente à ideologia dominante no Judiciário, dão à luz ao juiz legislador, ao juiz ativista, ao juiz moralista e ao juiz iluminado. Essas características, pelo excesso de protagonismo, vêm ameaçando a harmonia entre os Poderes, assim como a peculiar relação entre autoridades, pois muitos juízes não são mais árbitros, eles atuam como combatentes – eivados de ativismo moral, punitivo e conservador, bem como repletos de intolerância e com desejo de ruptura com regras de igualdade racial, religiosa e sexual.

Bello ainda alega que a hiperbolização do Judiciário vem sempre acompanhada de argumentos de superioridade moral e qualidade pessoal do julgador, o que é assustador. Isso é notado quando se observam os fundamentos das prisões cautelares. Tais encarceramentos, em sua maioria, são vinculados a conceitos abstratos, à materialidade do crime, à prova do delito e à sua repercussão midiática. São prisões que têm por objetos fatos pretéritos, que de forma alguma poderiam justificar aprisionamento preventivo.
O magistrado vestiu a capa e assumiu o protagonismo e a liderança na luta contra as mazelas do mundo e para corrigir os males da sociedade. A postura ativista é explicada pelo complexo Marvel (desejo de ser super-herói e adotar procedimentos, responsabilidade e liderança na busca por melhores dias). Onde essas atitudes levarão ao equilíbrio entre os Poderes?

Para explicar muito do que está ocorrendo, o desembargador do TRF-1 discorre sobre a alegoria do bacharel em Direito que passa as noites e os dias alternando o foco entre resumos pré-fabricados e o joystick do videogame, que, ao passar no concurso, (lógico, com ajuda de um coach) se vê como macho alfa e mais presente do que nunca. A era da virtualidade está posta e a compreensão PlayStation do universo foi instalada, tudo é videogame. A realidade fática foi engolida pela virtualidade dos jogos.

O juiz contemporâneo se expôs, teme as demandas midiáticas e converge para o senso comum (mais punição e menos absolvição, mesmo que isso signifique prisão sem justa causa e condenação sem provas). Prevalece uma autêntica covardia institucional mesclada com negação do Direito Positivo.

Observando-se espectro maior, os controles sociais, públicos e privados, falharam. A maioria dos agentes e setores de fiscalização das diversas esferas governamentais está deteriorada em número, qualidade e procedimentos. Dessa ausência, deficiência e deterioração surgiram os super-homens. A bolha virtual confunde-se com a realidade e as decisões passaram a ser produzidas dentro de espaço eletrônico desconectado do cenário fático, onde, muitas vezes, o senso comum e a mídia operam e pressionam.

Urge resgatar o devido espaço dos tribunais e o recomendado e saudável papel dos magistrados no desempenho de suas funções. Menos ativismo e protagonismo judicial, menos senso comum e redes sociais. Fazer valer o Direito positivado e operar o Direito dentro dos ditames da Constituição é compulsório. Isso gera segurança e produz bons frutos: justiça.

Observações referentes ao terceiro parágrafo: segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS)  - de 21 doenças negligenciadas, 18 estão presentes no Brasil. As mais comuns são a dengue, a doença de Chagas, a hanseníase, a leishmaniose e a sarna. Apenas de dengue, só neste ano, já foram registrados 54.777 casos prováveis, número 149% maior do que o verificado no mesmo período de 2018.
O Brasil deu passos importantes para reduzir os acidentes de trânsito, mas não cumprirá as metas fixadas junto à Organização das Nações Unidas (ONU) de reduzir os desastres pela metade até 2020. Em 2011, quando passou a vigorar o acordo, morriam nas rodovias brasileiras, em média, 24 pessoas por 100 mil habitantes. Agora, são 18 por 100 mil. As estatísticas mostram que entre 40 mil e 50 mil brasileiros ainda perdem a vida nas estradas todos os anos.