Civilização e barbárie

Se pensarmos no tempo necessário para a evolução das espécies, a humanidade é ainda uma criança. Há dez mil anos, com o fim da última grande era glacial, o ser humano começou a cultivar alimentos, acumular estoques, construir cidades e fazer a guerra para saquear os estoques alheios. Dez mil anos é muito pouco comparado com o aparecimento dos primeiros hominídeos, há cerca de cinco milhões de anos.

Demoramos cinco milhões de anos para deixarmos de ser caçadores-coletores e começarmos a nos tornar civilizados, com necessidade de normas para o convívio nas cidades que começaram a surgir. E demoramos dez mil anos para construirmos as megalópoles que temos hoje, a tecnologia de comunicação no mundo globalizado, as armas que são capazes de destruir o planeta. Também nos tornamos capazes de destruir o planeta mesmo sem guerras e sem o uso das armas, graças a uma sociedade consumista e perdulária que não consegue atinar com os limites de exploração do planeta e contamina águas, o ar, os solos, desencadeia o aquecimento global.

Nestes tempos de superpopulação e superexploração do planeta, como temos conseguido conviver numa relativa ordem? Isso pareceria improvável visto sermos ainda uma espécie tão jovem, que desenvolveu tecnologias poderosíssimas mas ainda não desenvolveu a ética, a sabedoria, o bom senso para evitar que a criança que a humanidade é cometa desatinos irreparáveis.

A ordem que vivemos é muito relativa, pois os conflitos armados pelo mundo e as tensões dentro de uma injusta sociedade de classes revelam um equilíbrio muito débil. Mesmo precário, este equilíbrio só é conseguido pelo que denominamos os avanços civilizatórios: a organização em estados com poderes que disciplinam as condutas, um sistema de leis que inibe as transgressões, um sistema educacional que procura ensinar-nos a conviver como seres socializados, e não mais como feras governadas por instintos de supremacia e sobrevivência. Os quais ainda são muito fortes entre nós, embora não gostemos de reconhecer isso.

E se estes avanços civilizatórios entram em colapso? Se os poderes do estado deixam de ser funcionais, se as leis não mais são respeitadas, se a educação ao invés de ensinar-nos o respeito com o próximo ensina a violência e o ódio? Seria a barbárie.

Parece que é isto que estamos vendo acontecer. Os fazedores de leis, o legislativo, deixou de atender às aspirações da população que deveria estar representando, e passou a legislar em causa própria e da poderosa classe dominante que controla a mídia e os recursos financeiros. E cobra caro para cumprir este papel, na forma das verbas liberadas pelo executivo. Este parece ser manipulado pelos interesses globalizados que não conseguem enxergar além do lucro e da dominação: querem apoderar-se de recursos energéticos, de minérios, de solos agricultáveis, de recursos hídricos e pesqueiros, das mal conhecidas riquezas da Amazônia, querem alastrar seu poder geopolítico sobre os continentes, os mares e os povos, estes vistos como consumidores potenciais.

Ao mesmo tempo, o ensino negligencia os temas que nos tornam mais humanos para enfatizar aqueles que nos tornam mais ferramentas. Devemos ser bons tarefeiros, mas não devemos questionar, não devemos pensar, não devemos aprender a viver em sociedade. Antes, devemos segregar, devemos odiar.

Tal civilização parece estar no caminho do colapso. Ou recuperamos um caminho civilizatório, ou estaremos no caminho da extinção. Quem sabe para dar lugar a outra espécie mais promissora.

Publicado no blog http://perrengasprincesinas.blogspot.com/