Esquizoanálise e Produção de Subjetividade: Os Processos de Logaritmização do Indivíduo.

Cadeira de Introdução à Esquizoanálise.

Universidade de Pernambuco(UPE)

Prof. Responsável: Djailton Pereira da Cunha

Texto Sintético por Raul Magalhães Brasil

Introdução.

I. O Objeto de Estudo do Ensaio.

A perspectiva da esquizoanálise trabalha com uma intervenção transformadora que atua sobre as máquinas desejantes e fluxos esquizo do indivíduo, buscando desimpedi-lo e desedipianiza-lo apresentando-o às infinitas possibilidades de criação de si e à potência de vir-a-ser presente em sua singularidade, criando formas revolucionárias de viver e de fazer a realidade. A tarefa da esquizoanálise, resumindo de modo grosseiro, é levar a subjetividade do indivíduo à sua potência máxima.

No entanto, neste ensaio, será investigado o absoluto oposto: o que acontece com uma subjetividade sujeitada ao máximo? E se a despotencialização e castração do indivíduo atuarem sobre o mesmo sem nenhuma forma de intervenção? O que podem as máquinas sociais e os processos molares sobre as máquinas desejantes e os processos moleculares do indivíduo? Essas perguntas serão o nosso objeto de estudo.

II. Instituições e Processos de Subjetivação.

Existem estruturas de subjetivação ulteriores ao próprio indivíduo. Antes mesmo de vir ao mundo uma série de regras e pré-determinações atuam sobre as suas possibilidades de ser a si mesmo e mutilam a potencialidade de seu vir-a-ser individual. Esse Pré-Individual, como diria Simondon, nos leva a crer que o processo de subjetivação é um processo sujeitado e determinado e não um processo sujeito e auto-determinante.

As formas de sensibilização e intelecção do indivíduo são apriorísticas, já estão dadas. E são estas formas que irão reger todos os perceptos e afecctos da vida deste indivíduo, assim como estas formas estão dadas, também está dado o seu papel e sua funcionalidade nessa sociedade capitalística que já estabelece rotas de criação de si que nunca dialogam com o self desse indivíduo, as máquinas desejantes e seus processos moleculares pouco a pouco são multilados e obstruídos, e o seu cuidado de si e criação de si mesmo passam a ser rostificados, dando luz a uma identidade de um Eu para um meio social capitalista castrador e hiper-produtivo que apresenta processos molares micro e macropolíticos que normalizam e codificam quaisquer possibilidades de linhas de fuga dessa cartografia do desejo mutilado.

O indivíduo é arborizado, binarizado e docilizado por instâncias gravitacionais de poder que buscam a manutenção e reconfiguração do próprio poder através do estabelecimento de uma subjetividade que funcione sob o domínio das máquinas sociais. Essas instâncias querem aniquilar a possibilidade criativa e reacionária do desejo e, castrando-o, levar esse desejo a desejar a sua própria repressão, para assim dominar e reprimir esse indivíduo e fazê-lo flutuar em sua gravidade que volta o poder de criação da realidade ao próprio poder em si. Essas instâncias gravitacionais são o que chamamos de Instituições.

Desenvolvimento.

III. Eu-Normal e Subjetividade-Produto.

Tanto o indivíduo quanto o social são constituídos por máquinas desejantes, que estabelecem agenciamentos diretos com as máquinas sociais e as máquinas técnicas. As máquinas desejantes estão dentro das máquinas sociais de modo que uma constitui a outra e são por essas máquinas onde correm fluxos, rotas, linhas e desvios. As máquinas desejantes não existem fora das máquinas e dos grupos molares, estas, constituídas e construídas por linhas duras. As linhas duras são as vias pelas quais os grupos molares constroem a realidade do indivíduo e a reduzem a uma lógica binária, isso por sua vez, rege a sociedade e delimita as formas de subjetivação, atuando no controle, na normatização e no enquadramento desse indivíduo e, através de seus atravessamentos busca manter a ordem e evitar a diferença, considerada como uma razão inadequada da subjetividade. Assim, mantendo o status quo da sociedade da identidade e, através dessa repetição não-diferida mantém o poder nas mãos do poder. Os principais agentes responsáveis pelas linhas duras e seus cortes duais sobre a subjetivação, intelecção e sensibilização do indivíduo são as supracitadas instituições.

Claro, espera-se que o leitor tenha ciência do que são linhas maleáveis e linhas de fuga, mas o que acontece se as linhas duras forem dominantes sobre a produção de subjetividade do indivíduo?

Nessa hipótese, os grupos molares sujeitam os grupos moleculares e a possibilidade da diferença e do cuidado de si por si é quase que aniquilado, qualquer forma de autopoiese e criação de si através da potência transformadora do desejo é sufocada e esmagada. O desejo molecular passa a investir nas grandes representações molares e, a partir disso, o desejo deseja sua extinção e busca redenção nas instituições e nos papeis sociais pré-individuais. O indivíduo se encontra sobre um processo de castração e multilação progressivos do desejo, até o momento em que ele não reconhece seus desejos individuais e deseja o que lhe é instruído desejar, ele se esquece do self e é dominado pelo rosto e pelo corpo, sua identidade é tudo o que ele é, isso é, seu eu-social ou seu eu-normal resumem todas as suas possibilidades de ser, e qualquer vir-a-ser diferenciado é automaticamente negado pelo próprio indivíduo refém desses processos de subjetivação logaritimizantes e, muitas vezes, imperceptíveis.

Essa estratificação do indivíduo na sociedade, regida por esse inconsciente capitalístico, provavelmente encontra sua máxima potência(ou melhor, seu maior logaritmo) na concepção industrial, fabril e hiper-produtiva da contemporaneidade. Nem mesmo os processos de subjetivação escapam a essa concepção dominadora. É quase como se o indivíduo literalmente entrasse numa máquina, e as esteiras rolantes o guiassem através dessa cartografia do desejo mutilado, o caminho por onde esse produto passa é uno e somente uno, quem entra nessa máquina dela só sai uma única coisa: eu-normal e nada mais. Essa máquina é uma verdadeira máquina de neuróticos, que cria subjetivações sujeitas, indivíduos industriais reféns das instituições e das lógicas produtivas do capitalismo, criaturas ideais para um estado onde o poder quer, acima de tudo, manter-se a si mesmo. Desse modo, pode-se concluir o seguinte: os processos de subjetivação da sociedade buscam uma subjetividade-produto, isso é: produzida, determinada, docilizada, normalizada e massificada na intenção de uma sociedade sem pontos de fuga, norteada por eus-normais que desconhecem as potências de si e do próprio desejo.

IV. O Paranóico-Fascista e Sua Sociedade Ideal.

Todo esse processo de estrangulamento da produção do desejo e do cuidado de si leva o indivíduo a um investimento libidinal social que busca reprimir os fluxos de desejo em si e nos outros, de modo que só se investe naquilo que reprime porque se acredita nos objetivos últimos que são impostos de fora. Através dessa ultra-institucionalização e hiper-logaritmização do indivíduo cria-se aquilo o que na esquizoanálise é conhecido como o indivíduo Paranóico-Fascista. Esse indivíduo teme a diferença e, mais que isso, a abomina, procura seu aniquilamento, seu comportamento é fascista, autoritário, violento. Não tolera mudanças, é hiper-conservador chegando muitas vezes a um fundamentalismo que busca destruir tudo aquilo o que não espelho. Não espelho de si, mas espelho das instituições que o governam. Ele se rende ao fora, ao externo, deseja a extinção do próprio desejo e por livre vontade se rende a uma servidão voluntária.

Ele busca uma sociedade, como ele, paranóica, que assujeita a produção das máquinas desejantes aos grandes conjuntos molares esmagando as singularidades, linhas de integração que estrangulam os fluxos e criam grupos sujeitados. Sua sociedade ideal é uma sociedade fascista onde o povo elege um redentor-salvador, a quem vão entregar de bandeja seus desejos e suas liberdades.

Esse tipo de indivíduo é neurótico e está fora de si, corre o risco iminente de uma degradação irreparável da sua subjetividade e de suas máquinas desejantes, ele se torna um perigo para si e para os outros. A partir do momento em que não tolera a diferença pode agregar-se com outros iguais criando, células violentas, cancerígenas, grupos que querem dominar a diferença e eliminá-la, verdadeiras milícias da cartografia do desejo mutilado.

Esses indivíduos podem tanto criar sociedades fascistas como delas nascerem. Podem também, criar células fascistas que se organizam ao redor do poder gravitacional institucionalizante de um líder e em detrimento do poder desse líder, que é massificante e normalizante, unirem-se em massas que ameaçam a liberdade e a democracia.

Conclusão.

V. A Intervenção Esquizoanalítica e o Esquizo-Revolucionário.

É tendo em vista o poder de logaritmização das máquinas sociais e das instituições sobre os processos de subjetivação do indivíduo que se percebe a importância de uma intervenção esquizoanalítica. Desobstruindo esses fluxos, descastrando, desedipianizando e desterritorializando esse indivíduo é que se torna possível uma autopoiese, um cuidado e uma construção de si em função de uma transformação criativa da sua realidade e da própria realidade. Investigando e investindo na potência de suas máquinas desejantes e nos processos corporais a esquizoanálise pode identificar o indivíduo micro-fascista que há em nós e extingui-lo, de modo a desimpedir o desejo e elevar a vida e a vontade de potência à sua máxima expressão, investindo no polo libidinal social esquizo-revolucionário e tornando simplesmente indesejável a aniquilação da diferença e da sociedade democrática.

Raul Brasil
Enviado por Raul Brasil em 29/09/2020
Reeditado em 29/09/2020
Código do texto: T7074990
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2020. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.