A ALIENAÇÃO ONTEM E HOJE: REFLEXÕES MARXISTAS ACERCA DA ATUALIDADE DO TEMA
Adriano Espíndola Cavalheiro
Para entendermos os desafios do mundo do trabalho nos dias atuais, é preciso compreender um conceito central do pensamento de Karl Marx: a alienação. Nos seus "Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844", Marx já alertava: "Quanto mais o trabalhador se exterioriza no seu trabalho, tanto mais poderoso se torna o mundo objetivo estranho que ele cria diante de si, tanto mais pobre se torna ele mesmo, o seu mundo interior, tanto menos ele possui." Em outras palavras, quanto mais nos dedicamos ao trabalho, mais nos distanciamos de nós mesmos, de nossa essência humana.
Essa ideia ressoa ainda mais forte quando Marx, em "O Capital", observa que "o que agora caracteriza a época capitalista é, portanto, que a própria força de trabalho assume a forma de uma mercadoria". O que Marx está dizendo aqui é que nos tornamos produtos, nossa capacidade de trabalho é vendida e comprada, e essa relação mercantil permeia o cerne da produção. O capitalista paga pelo uso da nossa força de trabalho, mas recebe em troca um valor maior do que o que nos paga, perpetuando a exploração.
Em "O Capital", Marx também destaca o "caráter fetichista do mundo das mercadorias", que deriva do "caráter social peculiar do trabalho que produz mercadorias". Numa sociedade onde tudo é transformado em mercadoria, perdemos a noção do valor real das coisas, e as relações sociais se tornam obscurecidas pela lógica do mercado. E, como Marx resume de forma contundente, "dentro do sistema capitalista, todos os métodos para aumentar a força produtiva social do trabalho são realizados à custa do trabalhador individual", transformando-o num "fragmento de um homem, degradam-no ao apêndice de uma máquina".
No "Manifesto Comunista", Marx e Engels questionam: "Em que consiste, pois, a alienação do trabalho? Primeiramente, em que o trabalho é externo ao trabalhador, isto é, não pertence ao seu ser; em que, no seu trabalho, ele não se afirma, mas nega-se, não se sente bem, mas infeliz".
A alienação, na visão de Marx, portanto, não é um mero sentimento de desconforto ou insatisfação individual, mas uma condição estrutural inerente ao modo de produção capitalista. A alienação se manifesta na separação do trabalhador dos meios de produção, do produto do seu trabalho e, em última instância, de sua própria humanidade. Essa separação é resultado da exploração da força de trabalho, que se torna uma mercadoria como qualquer outra, sujeita às leis do mercado e à lógica da acumulação capitalista. Ao vender sua força de trabalho, o trabalhador abdica do controle sobre o processo produtivo e se torna um mero apêndice da máquina, alienado do seu próprio potencial criativo e transformador.
Essa desconexão entre o trabalhador e o seu trabalho, essa sensação de não pertencimento, é a essência da alienação.
A ALIENAÇÃO NOS DIAS DE HOJE
Se Marx pudesse observar o mundo do trabalho em 2025, ele certamente reconheceria a persistência da alienação, embora sob novas formas e com contornos tecnológicos. A linha de montagem, símbolo da exploração industrial do século XIX, cedeu lugar a outros cenários, mas a essência da alienação permanece intacta. Um dos exemplos mais emblemáticos é o trabalho remoto, que se tornou uma realidade para muitos.
À primeira vista, trabalhar em casa pode parecer um sonho: sem trânsito, mais flexibilidade, a possibilidade de estar perto da família. No entanto, essa aparente liberdade esconde uma armadilha. O trabalho remoto muitas vezes intensifica a alienação, em vez de atenuá-la. A conexão com os colegas de trabalho, que antes permitia a assimilação do sentimento de pertencimento a uma classe, a troca de experiências e o apoio mútuo, se esvai. As conversas informais no café, os almoços em grupo, os momentos de descontração que fortaleciam os laços sociais são substituídos por reuniões virtuais frias e impessoais, diluindo a consciência de classe e intensificando a individualização.
A fronteira entre trabalho e vida pessoal desaparece, e o lar se transforma numa extensão do escritório. O tempo livre se torna escasso, e a pressão para estar sempre disponível aumenta. Responder e-mails e mensagens fora do horário de trabalho se torna a norma, e a sensação de estar constantemente "ligado" gera ansiedade e esgotamento. A produtividade é medida por algoritmos e métricas, numa forma de taylorismo digital que intensifica a vigilância e o controle, levando à autoexploração. O trabalhador é coisificado como uma engrenagem numa máquina que nunca para.
Além disso, o trabalho remoto pode levar ao isolamento social. A falta de contato físico com outras pessoas, a ausência de um ambiente de trabalho compartilhado, podem gerar solidão e depressão. A sensação de pertencimento a uma comunidade se dilui, e o trabalhador se sente cada vez mais isolado e alienado do seu próprio trabalho, do seu tempo e de si mesmo. Esse isolamento cria um terreno fértil para discursos individualistas e soluções ilusórias, como a meritocracia e a teologia da prosperidade, que desviam a atenção das causas estruturais da alienação.
É neste contexto que a uberização do trabalho, como forma de aumentar a extração de mais valia ganha espaço. Pessoas trabalhando por aplicativos, não apenas no setor de entregas, sem direitos, sem segurança, sem saber quanto vão ganhar no fim do mês é uma realidade preocupante. São "donos do próprio negócio", mas estão à mercê das plataformas, sem poder de barganha. É uma alienação se manifestando em novo terreno, no qual também perdemos o controle sobre o nosso trabalho e a nossa vida.
Até mesmo as redes sociais são palco para a alienação. Nos comparamos constantemente com os outros, buscando aprovação e curtidas, transformando-nos em produtos, vendendo uma imagem idealizada de nós mesmos.
Assim, as novas formas de alienação que emergem no século XXI, como o trabalho remoto, a uberização e a exploração algorítmica, são apenas manifestações atualizadas da mesma lógica capitalista que Marx analisou no século XIX.
A busca incessante por lucro e a intensificação da exploração da força de trabalho levam a novas formas de controle e de vigilância, que se infiltram na vida privada dos trabalhadores e intensificam a sua alienação. O trabalho remoto, que prometia mais autonomia e flexibilidade, s se transforma numa forma de taylorismo digital, onde a produtividade é medida por algoritmos e a pressão por resultados é constante. A uberização, por sua vez, precariza o trabalho e transfere os riscos para os trabalhadores, que se tornam "empreendedores de si mesmos", mas na realidade estão à mercê das plataformas e da competição. E as redes sociais, que poderiam ser espaços de conexão e de expressão, muitas vezes se tornam palcos de comparação e de busca por aprovação, onde a individualidade é sufocada pela lógica do consumo e da imagem.
A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL COMO FOMENTADOR DA ALIENAÇÃO
E a inteligência artificial? A IA tem o potencial de destruir muitos empregos, em especial combinada com a robótica, automatizando tarefas repetitivas e até atividades intelectuais, o que ganha um potencial imensurável com os aprimoramento recentes da computação quântica.
Isso gera medo de desemprego, de insegurança, e essa incerteza é uma forma de alienação. Sentimo-nos impotentes diante de forças que não controlamos. Mesmo quem continua empregado pode se sentir mais alienado do que nunca. Imagine um trabalho onde a IA faz a parte criativa e você só aperta botões, ou um sistema onde você é constantemente monitorado por algoritmos. Perdemos a autonomia, a liberdade, a capacidade de tomar decisões, tornando-nos apêndices da máquina, como Marx já alertava.
Marx diria que a IA, no sistema capitalista, só vai aumentar a exploração e a alienação. Os lucros se concentrarão nas mãos de quem controla a tecnologia, enquanto a maioria da população ficará desempregada ou trabalhando em condições precárias. A IA, que poderia libertar-nos do trabalho, torna-se um instrumento de dominação.
Mas nem tudo está perdido. Marx via no proletariado a classe capaz de superar a alienação. Em 2025, podemos pensar num "proletariado digital": os trabalhadores de aplicativos, os freelancers, os criadores de conteúdo, todos aqueles que estão na linha de frente da nova economia têm o potencial de se unir e lutar por melhores condições, por mais direitos, por mais controle sobre o seu trabalho. A luta contra a alienação continua, agora com novas ferramentas e novos desafios e deve ser combinada com a luta do proletariado tradicional, que, como dito, pelas novas tecnologias, está cada vez mais alienado pelo trabalho.
Na visão marxista que me filio, a combinação da luta entre o proletariado digital e o tradicional é crucial, dada a dependência intrínseca da produção capitalista em ambos. O proletariado tradicional, ainda central na produção material, enfrenta a alienação intensificada pelas novas tecnologias. Já o proletariado digital, emergente nas plataformas e na economia criativa, experimenta novas formas de exploração e precarização. É preciso compreender a alienação como resultado da exploração capitalista, em todos os seus aspectos, motivo pelo qual, se faz necessária a construção de pautas comuns de luta por direitos e condições de trabalho dignas, unindo forças contra o sistema que os oprime.
CONCLUSÃO
A alienação, ao separar o trabalhador do produto de seu trabalho, do processo produtivo e de seus semelhantes, obscurece sua compreensão da exploração capitalista, dificultando a formação da consciência de classe. Contudo, a própria luta contra a alienação, ao promover a organização coletiva, a reflexão crítica sobre as condições de trabalho e a busca por alternativas, pode fortalecer a consciência e a organização dos trabalhadores.
Através da ação coletiva, dirigida pela vanguarda organizada em partido revolucionário, num misto de luta política, econômica e ideológica, os trabalhadores podem desmistificar a ideologia dominante, reconhecer seus interesses comuns e construir uma identidade de classe que os impulsione a lutar por uma transformação social.
A superação da alienação, na perspectiva marxista, ademais, não é uma tarefa individual, mas um projeto coletivo que exige a transformação radical das relações sociais de produção. O proletariado, como classe explorada e alienada, tem um papel central nessa luta, pois é ele quem produz a riqueza social e, ao mesmo tempo, quem sofre as consequências da exploração capitalista. A luta contra a alienação passa pela organização e pela mobilização da classe trabalhadora, pela reconstrução da solidariedade e de cooperação, e pela criação de uma cultura alternativa que valorize o trabalho criativo, a autonomia e a liberdade, disputando a consciência dos trabalhadores.
Essa luta deve ser combinada com a luta por direitos e por melhores condições de trabalho, pela redução da jornada de trabalho, pela garantia de uma renda básica universal e pelo controle democrático dos meios de produção, o que deve ser feito em combinação com a luta contra o próprio sistema capitalista.
Somente assim será possível construir uma sociedade onde o trabalho não seja mais uma fonte de alienação, mas sim uma forma de expressão e de realização humana.
Bibliografia:
MARX, Karl. Manuscritos económico-filosóficos de 1844. Ediciones Colihue SRL, 2015.
MARX, Karl. O Capital. Boitempo Editorial, 2015.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. 2ªedição. São Paulo, Brasil: Editora Instituto José Luís e Rosa Sundermann, 1848.
PEÑA, Milcíades. O Que É o Marxismo? Notas de Iniciação Marxista.