Passeando pela União Soviética - Moscou

Esses dias em Moscou, numa excursão organizada em Copenhague, têm-me ensinado muito. O choque entre isso aqui e tudo o que já vi, principalmente a Escandinávia, dá o que pensar. O Supérfluo está proscrito aqui. Tenho transado só com o Essencial. Nada de luxo. Em todos os cantos, em todos os aspectos.

A pergunta imediata não se cala: haverá uma minoria privilegiada? Pelo menos, não vi mendigos e os privilegiados, se existem, são discretos. Não há lojas nem artigos luxuosos. Tudo muito humilde, mesmo os grandes magazines lembrando nossas “vendas” de interior. Os invólucros dos produtos são simplíssimos, quase só o básico. Papel de embrulho? Papelão. Papel higiênico? Em nosso quarto de hotel sim, mas jornais em cirílico é que limpam os traseiros da maioria dos habitantes, segundo dizem. O plástico não é comum. Brinquedos são feitos de latão ou madeira, não vi nada movido a pilha. As bonecas parecem artigos de gente pobre. E isso no centro de Moscou, no famoso Gum, na Praça Vermelha, em frente ao mausoléu de Lenin. Suvenires simples, de madeira a grande parte. Bonitinhos, só isso.

Os rapazes e moças dinamarquesas vieram vestidos com dois jeans, sim, um sobre o outro. Um era para vender. Traziam também canetas esferográficas aos montes, pois são objeto de desejo entre os moscovitas, portanto vendidos no mercado negro.

Tarde da noite, mulheres tomam ônibus desacompanhadas; moças apanham táxi quase por volta de meia-noite, namorados aos pares passeiam pelas largas avenidas e muitos bêbados falam sozinhos. Na Praça Vermelha, é comum o agrupamento em frente ao Mausoléu de Lenin principalmente às horas das mudanças da guarda. Atração turística, como em qualquer país capitalista. Corbelhas de flores de cores vivas enfeitam as laterais da entrada do mausoléu, que é de mármore, eu diria, marrom. O Kremlin é imponente, a igreja de São Basílio me lembra arquitetura mourisca. A cidade é limpa e não parece bem ajardinada, embora o inverno mal tenha acabado. Os lagos ainda estão parcialmente gelados, mas o rio Moscou, mesmo nome da cidade, já corre sem gelo e o tempo, embora nublado, não está frio. Uso a mesma roupa que uso em Copenhague.

O Hotel Ukraina, onde nos acomodaram, foi construído no tempo de Stalin. É um prédio antigo, mas imponente, de construção arquitetônica bastante singular. Tem três alas, sendo que a do meio é separada das outras a partir do 10º andar. Creio que a parte mais alta tem uns 30 andares ou mais. O hotel está com turistas de todo o mundo. Vi polacos, africanos, negros escandinavos, finlandeses, italianos, franceses, árabes. A comida é frugal. A entrada é um salamezinho, uma saladinha fria de legumes e peras picadas. Vem sempre batata com alguma carne depois de uma sopinha quente, que parece de casa. O tempero não parece rico. Até os dinamarqueses, meus companheiros de viagem, reclamam. E olha que eles não são muito chegados a isso não, hein! A cerveja que nos deram é da Alemanha Oriental. Boa, bastante forte. Os dinamarqueses se esbaldaram, eu entre eles.

De manhã , depois da ressaca da substanciosa cerveja alemã, hora de viajar para Leningrado, antiga São Petersburgo, antiga Petrogrado. Outra experiência ansiada, pois, apesar de cidade relativamente nova, fundada em 1703, viveu impactantes momentos históricos, antes, durante e depois da Revolução Russa de 1917. Com certeza,

terá muito a ensinar a esse curioso brasileiro, infiltrado num grupo de turistas dinamarqueses.

(Moscou, União Soviética, 24/04/79)

William Santiago
Enviado por William Santiago em 02/02/2018
Reeditado em 04/02/2018
Código do texto: T6243512
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