Kieslowski: um cineasta polonês

Depois de completar o filme "Red", em 1996, o cineasta polonês Krzysztof Kieslowski (1941-1996) anunciou, no Festival de Cannes - e dois meses depois no Festival de Cinema de Jerusalém - que havia chegado o momento de, literalmente, "retirar-se de cena". E foi exatamente isso. Ele disse o que havia para dizer, e deixou isso bem claro em eventos públicos, para jornalistas experientes e em conversas particulares.

Kieslowski nunca foi - ou jamais passou a impressão - de ser uma pessoa jovial, na concepção da palavra. Era difícil interpretar as expressões faciais deste homem tido como lacônico e melancólico. Porém, conhecendo algumas de suas costumeiras declarações, podemos encontrar boa dose de ironia ao interpretar seus depoimentos. No entanto, ninguém poderia imaginar que, apenas alguns meses depois de se aposentar, Krzysztof Kieslowski viria a falecer, convicto de que havia concluído seus trabalhos e, consequentemente, deixado uma vasta, eclética e exemplar obra.

Considerado um dos melhores cineastas, e um dos mais brilhantes intelectuais do séc. XX, Kieslowski surgiu no traumático período comunista. Após um breve flerte pelas artes cênicas, ele completou a faculdade de Cinema em 1969 na legendária "Lodz Film School", na Polônia. Em seguida, ele iniciou sua carreira como documentarista. Até mesmo hoje em dia, olhando para trás, alguns podem identificar um tom satírico em seus documentários, além da maneira espontânea como ele expôs a claustrofobia típica da vida em regime comunista na Europa Oriental, no auge da "Guerra Fria".

Depois de realizar alguns curta-metragens, Krzysztof produziu "Personnel", um drama feito para a televisão polonesa. Em seguida, ele dirigiu "Scar" (1976), seu primeiro longa-metragem. O reconhecimento internacional de seu trabalho apareceu três anos depois, com o filme " Camera Buff " (1979), que consiste numa sátira ao comunismo, bem como uma crítica ao chamado "Realismo Social", vertente dominante do cinema comunista da época.

Realizado num momento em que a lei marcial ainda vigorava na Polônia, "Blind Chance" (1983) - seguindo as demonstrações do movimento cultural solidário daquele momento - foi censurado durante cinco anos. Um personagem, três possibilidades, vários desfechos, e muito realismo, ironia e magia cinematográfica. Este filme flerta com o que há de melhor no cinema europeu. De Jean-Luc Godard a Ingmar Bergman, "Blind Chance" contém as melhores referências possíveis para os observadores mais atentos. Arte, sedução, política e realidade servidos num delicioso prato.

"No End" (1985) foi realizado logo após o fim da lei marcial na Polônia, e aqui, já podemos reconhecer um Kieslowski maduro, utilizando uma obscura moralidade. Um estilo buscando a perfeição estética, o tratamento das mazelas da ética humana, conclusões sem desfecho, provocando, obrigando-nos a pensar, delineando um trabalho cinematográfico sem medo, livre e consciente.

O ano de 1988 foi marcado por uma aventura cinematográfica ambiciosa de Kieslowski. "O Decálogo" foi uma série de dez programas, com dez horas de duração no total, abordando exatamente os Dez Mandamentos, numa análise das convenções morais básicas da cultura judaico-cristã ocidental.

Krzysztof Kielowski não permaneceu na Polônia para assistir à queda do comunismo, em 1989, e seus últimos quatro filmes foram realizados na França: "La Double Vie de Véronique" (1991) e a Trilogia das Cores, com "Blue" (1993), "White" (1994) e "Red" (1996). Baseando-se nos ideais de "Liberdade, Igualdade e Fraternidade", oriundos da Revolução Francesa, as cores da bandeira são relacionadas aos seus respectivos lemas. Igualdade é relacionada ao azul; em "Blue", Juliette Binoche aparece de forma marcante.

"White" aborda a liberdade brilhantemente, com psicodelia e sedução à flor da pele, ligada à cor branca. A atriz Julie Delpy, extremamente sexy, enfeitiça com facilidade qualquer homem que tenha uma queda por mulheres bonitas e perigosas. No outro lado da relação, o ator Zbigniew Zamochowski mostra claramente como se deve sofrer pela mulher amada, e como se deve ir atrás do prejuízo, com requintes de obsessão e loucura indispensáveis para uma boa história, e por que não, para alcançar esse justificável objetivo.

"Red", por fim, encerra a trilogia, indo de encontro à fraternidade, associada ao vermelho, completando as cores da bandeira francesa, e valorizando os pequenos momentos de nosso dia-a-dia. Trazendo a bela atriz Irene Jacob e o veterano ator Jean-Louis Trintignant, este filme prima pela beleza estética, e mais uma vez procura examinar os pormenores das relações humanas. Infidelidade, escutas telefônicas, e claro, amor, são encontrados aqui. Um simpático cachorro também ganha a cena em "Red". As cores - vermelho, azul e branco - são amplamente enfatizadas em seus respectivos filmes, conferindo um caráter artístico memorável à trilogia de Kieslowski.

Muito embora Krzysztof Kieslowski possa ter sido um típico intelectual do Leste Europeu, seu cinema universalizante atingiu todos os tipos de audiência. Suas histórias, de caráter sensitivo, foram de encontro ao cotidiano das pessoas. Procurando evitar dualismos, como bem e mal, sua obra cinematográfica abordou de forma competente as nossas doses diárias de sofrimento e solidão.

Krzysztof Piesiewicz foi o grande companheiro de trabalho de Kieslowski. Talentoso roteirista, Piesiewicz atuou durante muitos anos junto a seu colega. Os dois foram bem-sucedidos não apenas por falarem sobre suas idéias, mas também em dramatizá-las e conceder a essas idéias um caráter cinematográfico peculiar.

Os seus filmes não julgam os seus "heróis" ou criam algum estigma para eles. As reações destes heróis geralmente são surpreendentes e enigmáticas. O herói pode ser qualquer um de nós.

Obras de caráter meticuloso, indo de encontro aos sentimentos dos espectadores, permitindo aos seus atores e atrizes o total desenvolvimento de suas respectivas habilidades. Este é um outro traço encontrado ao se examinar o trabalho de Krzysztof Kieslowski.

As trilhas sonoras também foram muito bem colocadas nos filmes deste cineasta polonês. Ele também dedicou boa parte de seus esforços nas salas de edição, trabalhando cuidadosamente cena por cena. O resultado acabou se traduzindo numa fascinante jornada ao centro de nossas almas.

Nascido na Polônia, e declarando amor à sua terra natal até os seus dias, Krzystof Kieslowski ainda não encontrou um substituto à altura. No entanto, a obra de um grande artista permanece viva, e seus filmes aí estão, disponíveis para quem realmente gosta de Cinema, com letra maiúscula.