A ÚNICA COISA QUE MORRE É A MORTE

A ÚNICA COISA QUE MORRE É A MORTE

Não é simplesmente notável que povos das mais antigas civilizações acreditassem que há vida após a morte? Certamente um agnóstico e admirador de Milan Kundera - autor do excelente livro 'A Imortalidade' - diria que tal fato se deve à nossa humana e inconsciente necessidade de tornarmo-nos imortais. É verdadeiro que a idéia de, um dia, desaparecer completamente, ter a nossa consciência desintegrada ou fundida a algo inimaginável, a perda da nossa individualidade (por pior que seja ela), assusta-nos. Que adiantaria, então, tudo que sofremos, aprendemos, ensinamos, construímos, vivenciamos, se tudo, tudo, se diluísse no Nada? Esforço inútil! Mas não percamos tempo (e laudas), aqui, a querer convencer ninguém. Dois dos mais antigos livros do mundo, que felizmente sobreviveram á queima da Biblioteca de Alexandria, são verdadeiros guias, seguros e precisos (para os povos de então) de como 'sair dessa para uma melhor', ou seja, de como 'morrer': um chama-se Bardo Thodol, o Livro Tibetano dos Mortos, e o outro, o Livro dos Mortos do Antigo Egito. Sigamos, então, pela maioria. Maioria esta que congrega fiéis tão opostos quanto cristãos e muçulmanos; hinduístas e umbandistas; budistas e espíritas. Todos, todos eles são uníssonos em pelo menos uma opinião, cada um à sua maneira: há vida após a morte! E não apenas isto. Em outro ponto também há um bom senso comum: Justiça. Recompensa para os justos; penas para os pecadores. Então, de onde viria o medo da morte? Seria da visão dantesca, herdada da mitologia greco-romana, de um ser de negras vestes, ossos à mostra, foice amolada à mão? Poderíamos simplificar e encerrar este artigo com uma saída psicológica: o medo não seria da morte, mas do desconhecido! Afinal de contas, a gente nunca sabe se foi bom o bastante para merecer o paraíso... e se o paraíso é mesmo assim tão bom. Para o poeta e pensador árabe Omar Khayyám, o paraíso só seria perfeito se lá houvesse vinho e mulheres! Mas, voltando ao corpo frio (digo, às vacas frias), costumo observar que a idéia da morte está, não raro, associada a duas outras: Castigo e Fim. A idéia de castigo é contraditória. Para idosos ou enfermos, dizem ser a morte um 'descanso' (certamente um descanso para as pessoas que deles tomavam conta); já para os jovens, uma tragédia: 'morreu tão jovem!'. Ambas as considerações são estreitas, limitadas. Em princípio, não se deve confundir Vida com Existência. Vida é o curto prazo, uma parte (com maior ou menor duração) da Existência. Sim, porque continuamos a existir após a morte, acredite-se em múltiplas encarnações ou não. Existência é o longo prazo (lembram daquele economista que dizia que no longo prazo todos estaremos 'mortos'?), ela se perpetua indefinidamente, além desta vida. Sob este ângulo, a 'morte' passa a ser vista apenas como mudança de estado, de situação, de condição, de energia. Não esqueçamos de Einstein: matéria é energia condensada! A 'morte', então, deixa de ser castigo para ser um momento (ou movimento) natural, como o nascimento, de um plano existencial para outro. Consequentemente, o 'fim' chega ao fim. Nada disso de 'dar adeus' ou 'fazer uma última homenagem' ao 'falecido'. Se acreditarmos na vida além da vida (e o que é essencial: no Amor Além da Vida) retiramos o ponto final da história e colocamos reticências. É lógico que o apego, a saudade, a ausência serão sentidas, mas não mais com o sentimento do mal irremediável. O 'fim' torna-se sinal da etapa concluída, do degrau ultrapassado, do desafio vencido e da certeza que a única coisa que morre é a Morte.