“As Crônicas de Nárnia – O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa”” – O Filme

Fazer de uma obra-prima da literatura um bom filme é algo que muitos almejam, mas poucos conseguem. Quanto mais se se trata de um livro que embalou os sonhos de várias gerações, um verdadeiro clássico. Sim, pois se C. S. Lewis ainda é pouco conhecido por aqui, nos países de língua inglesa seus livros são leitura obrigatória (pelo menos enquanto existia algo como “literatura obrigatória” nas escolas e famílias), e seus personagens fazem parte do inconsciente coletivo como por cá o fazem Emília e o Visconde de Sabugosa.

Pois o diretor Andrew Adamson (da série de animação “Shrek”) o conseguiu, suma cum lauda. “The Lion, The Witch and The Wardrobe” foge de (mais) inevitáveis comparações com a trilogia “O Senhor dos Anéis” (baseada na trilogia de J. R. R. Tolkien) por ser um filme completo, na medida em que cada livro da saga de Lewis também o é. Mas também pela maneira sóbria com que foi filmado - sem o apelo a sentimentalismos baratos, pela economia visual possível ao filmar-se em cenários deslumbrantes (com locações na República Tcheca, Inglaterra e Nova Zelândia), pela linguagem direta e despojada nascida de uma leitura atenta do original, pela não-explicitação dos significados meta-religiosos.

Uma das críticas mais repetidas pela mídia é qua ao filme falta ação e aventura. Não achei. Cenas como as perseguições e lutas contra os “’cães ou a própria batalha final, são recheadas de suspense e tensão na medida certa para um filme para crianças.

Também não o entenderam aqueles que disseram: “se o Leão liquida tão facilmente a Feiticeira no final, porque não o faz antes?”, demonstrando ignorar a analogia perfeita entre o Leão e a figura do Cristo. Aslam é o “Leão de Judá”, aquele que como o Rei Davi e o Cristo vem em combate a favor de seu povo. Aslam é o Deus-Pai bondoso e compreensivo que recebe o menino Edmond de volta e perdoa-lhe seus pecados. Aslam é o Cristo em agonia no Jardim das Oliveiras, pensativo e solitário ao se encaminhar de encontro ao destino auto-imposto; Aslam é o “Cordeiro de Israel”, cujo sangue derrama-se no altar do sacrifício pelo perdão de sua gente e assim vence a Morte, ressurgindo ainda mais forte dela para o confronto final. Aslam é Jesus cheio de poder no topo da Cruz, podendo descer a qualquer momento e derrotar seus inimigos, mas resolvendo se doar em Holocausto por um Princípio maior de Justiça, enquanto seus “filhos” lutam a pior das batalhas: a luta de cada dia entre o Bem e o Mal. Aslam é a “Mão de Deus” vindo em auxílio dos necessitados no pior dos momentos, auxiliando aos que têm fé e aos que não a têm.

Maniqueísta? Carola? Talvez. A alta filosofia cristã não é para todos, exige e demanda uma luta interior intensa até ser assimilada em sua nobreza. Todavia C. S. Lewis enfrentou o desafio de torná-la compreensível e palatável para crianças, como agora Adamson o (re)faz, em novoveículo, de modo admirável.

É claro que ninguém precisa ter lido os livros todos para compreender que Aslam é uma personificação de Deus, que Nárnia é uma alegoria do Éden primitivo, que depois de sete livros (“O Leão...” é o segundo, o primeiro conta a viagem do Professor até lá, a origem de Nárnia e da madeira que será transformada em guarda-roupa) se dará o Apocalipse, com direito a Juízo Final e tudo. “As Crônicas...” pode ser visto como aquilo que é: um filme para crianças já entrando na adolescência. Ou por adultos que não perderam o gosto por contos-de-fadas. Mas é justamente ao travar-se contato com a riqueza do universo imaginário de Lewis que se poderá avaliar a propriedade com que foi realizada a adaptação cinematográfica.

Que venham mais filmes! Não vejo a hora de assistir a “O Príncipe Caspian”, cujas filmagens estão em fase de pré-produção.

Renato van Wilpe Bach
Enviado por Renato van Wilpe Bach em 22/01/2006
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