Prosa Delicadamente Urdida Em Segredo - Um Comentário sobre os últimos anos de F. Scott Fitzgerald

Leio Fitzgerald em fragmentos, proposta do amigo Edmund Wilson ao editar “Crack-Up” (também conhecido como “O Colapso” ou a “A Derrocada”), seleção de textos auto-biográficos (e biográficos, com participações especiais de Bishop, Eliot e Dos Passos, entre outros), além de cartas e cadernos de notas.

E que fragmentos! Tornam-se a cobertura do bolo sobre obra magnífica – imperfeita, esquecida, escorraçada, sepultada, rediviva, redescoberta e novamente, uma vez mais e por todas, imperfeitamente magnífica. Parafraseando Piestley, quantos não dariam tudo para serem autor de um único romance inacabado como “The Last Tycoon”?

Cada vez mais moderna e importante no âmbito geral de uma releitura crítica do século recém findo, a obra de Scott Fitzgerald sobreviveu melhor ao tempo - em sua falta de ambições políticas – que obras de discurso mais evidentemente social (se bem que isto só hoje é fácil de se dizer, desmoronadas as utopias; imagine a ousadia de se afirmar que Fitz excede a Zola em 1925, por exemplo - você seria intelectualmente surrado). Da mesma forma, sua modernidade (e relevância sobrevivente) deve-se muito mais ao fato dela (a obra) estar absolutamente desvinculada de qualquer movimento estético contemporâneo que a qualquer inovação formal feita por Scott.

Pelo contrário, o cara era conservador e suas influências são as mais variadas: de Edgar Allan Poe a Hemingway, de Dumas e Balzac a São João da Cruz (são comoventes suas descrições da “noite escura” da fé, presentes em “Crack-Up”), passando por badernas, álcool e amigos levados da breca (“The dominant influences on F. Scott Fitzgerald were aspiration, literature, Princeton, Zelda Sayre Fitzgerald, and alcohol”, diz o site oficial de seu centenário, idealizado pela Universidade da Carolina do Sul). Tudo isso – mais o ganho de muito dinheiro logo na estréia literária, com “his Side of Paradise”, desembocou em uma mente jovem, ágil, “self-centered” e lúdica, que como Rimbaud deu sua contribuição à Arte em pouquíssimos anos produtivos.

Pouquíssimos? “Crack-Up” – como de quebra o “Magnata” – dizem que não. Dizem que a lucidez recém-incorporada com a diminuição do abuso de álcool (e apenas diminuição, pois enquanto a carcaça agüentou Scott bebeu) lhe fez bem, ajudou a pagar as contas e as dívidas, deixou o cara ir embora em paz consigo mesmo e com a filha muito amada, com o nome limpo e até alguma esperança, ainda, de um futuro que não chegou a concretizar.

Sua obra fica pelo frescor, pelo “odor de santidade” que emana de seus escritos como um todo – tanto da fase precoce quanto da fase madura; pela leveza e poesia inerente aqueles que têm ritmo. Seus contos curtos são um sopro de ar, um vento encanado com cheiro de pão quentinho: hologramas da rua. Seus romances, mágicos porque tortos, deixam espaço para a imaginação continuar a trabalhar os personagens. Suas notas e cartas espelham um humor sutil, agudo e afiado que muitos saberão apreciar. Já a eloqüência elegante dos textos finais deveria ser matéria de aula para esta geração confessional da literatura contemporânea: até para chutar o balde é preciso inteligência.

Renato van Wilpe Bach
Enviado por Renato van Wilpe Bach em 19/06/2008
Reeditado em 20/06/2008
Código do texto: T1040863
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