José Anastácio da Cunha , uma vida uma obra
 
I . Introdução

Este artigo tem como objetivo fazer um curto apanhado da vida e da obra do matemático e poeta português José Anastácio da Cunha, demonstrar dentro das especificidades históricas na qual o autor estava inserido, sua originalidade e inovação na abordagem dos problemas de áreas distintas da matemática em especial suas contribuições ao cálculo diferencial.
Nele procuro demostrar através da leitura e da bibliografia disponível, a importância de José Anastacio da Cunha, de modo a oferecer um panorama suscinto de suas principais contribuições ao desenvolvimento da matemática no século XVIII e XIX.

Portugal nos séculos XV e XVI era um país de ponta na matemática e astronomia, aliás sem a matemática talvez os portugueses não tivessem ido tão longe nos descobrimentos. A famosa Escola de Sagres reunia matemáticos e astrônomos do porte de Prestes João, mais tarde por conta do ínterim iluminista, levado a cabo pelo Marquês de Pombal, Há um renascimento dessa área do conhecimento, sobretudo com a obra Princípios Matemáticos José Anastácio da Cunha.


II. Breve histórico da época de José Anastácio da Cunha.


Disse ( o acusado) (...) que espera merecer a misericórdia e a piedade, e ser reconciliado com Igreja(....) e espera conseguir quando for restituído a sua liberdade(....) poder ser útil ao público e ao estado, dando a luz uma obra,que é a base de toda a Matemática, em que trabalha há doze anos com a mais assídua e incansável aplicação(...).
( Parte final do primeiro depoimento de José Anastácio da Cunha na Inquisição)


Uma das razões que talvez expliquem porque José Anastácio da Cunha não figure nos anais da matemática mundial como um gênio no porte de Euler, Gauss e tantos outros matemáticos eminentes do século XVIII e XIX, seja o atraso da sociedade portuguesa que avistou a luz da razão apenas com o governo de Marques de Pombal, que introduziu reformas iluministas no reino, até então um país que não havia se modernizado, com uma monarquia retrograda e uma Igreja Católica saída da Contra-reforma com seus Tribunais do Santo Oficio em pleno Século das Luzes, mantinha a mão forte no controle da educação e da própria vida cotidiana de Portugal. Ambas as instituições, monarquia e Igreja controlavam a sociedade portuguesa, monarquia absolutista decadente e Igreja Católica de Contra-reforma, um curto ínterim reformista se deu na administração pombalina, quando o Marques de Pombal, iluminista, que acabou com o monopólio da Ordem Jesuítica na educação do Brasil e outras reformas de cunho liberal que tanto desagradaram setores conservadores da sociedade portuguesa. A ascensão de José Anastácio da Cunha se dá nesse momento de reformas. O Marques de Pombal indica o então oficial do exército português, já reconhecido como um brilhante matemático para ocupar a cátedra de Geometria na Universidade de Coimbra.

O matemático e poeta nasceu em Lisboa em 11 de Maio de 1744. De origem humilde, filho de um pintor e de uma dona de casa, recebeu, como todo jovem português, educação numa instituição católica, onde aprendeu gramática, retórica e lógica e por conta própria estudou física e matemática. Em 1764 foi nomeado tenente do Regimento de Infantaria do Porto e foi nesse período que travou contato com oficiais estrangeiros de países protestantes e de tradição liberal como holandeses e Ingleses. As idéias de tolerância religiosa, o deísmo e o racionalismo em contraposição a fé, irão influenciar profundamente o oficial português. Essas idéias peso capital na produção literária e científica de José Anastácio da Cunha, que além de matemático e poeta foi também tradutor, vertendo para o idioma português clássicos da literatura mundial.

III. Um panorama da matemática no século XVII

A resolução de problemas relativos à determinação de tangentes, áreas e volumes, levou a criação do Cálculo Diferencial e Integral, abrindo uma nova senda para estudos da matemática. Galileu, Descartes, Fermart, instrumentalizaram Newton (1642-1727) e Leibiniz (1646-1716) que amparados na geração anterior, deram a forma atual ao Cálculo Diferencial.

É sabido que, embora as regras de derivação nunca constituíram um problema para os matemáticos, em relação a conceitos básicos como limite, continuidade e derivada, havia uma certa confusão entre eles.

A emergência de uma nova área de estudo – a derivada, mostrava que há uma indeterminação até no âmbito da exatidão matemática. A questão das quantidades ínfimas que se aproximam de zero, mas que são diferentes do zero levou os matemáticos a terem dificuldades de estabelecer o limite, condição necessária para estabelecer a definição de derivada e conseqüentemente a formulação correspondente em termos de álgebra.

IV. O resumo da Obra

Os Princípios matemáticos, publicado entre 1782 a 1787 foi a única obra publicada pelo matemático português. Versátil e Irrequieto, Anastácio da Cunha, transitava na Aritmética, Geometria, aos problemas de máximos e mínimos considerados por Euler, e Lagrange, à Teoria das equações, análise algébrica,Trigonometria, Geometria analítica e Cálculo diferencial e integral.

As centenas de páginas do Princípio Matemáticos, divide-se em capítulos e neles parte essenciais dos problemas matemáticos da época, desde noções de geometria, aritmética e álgebra a problemas de geometria diferencial, integração, equações diferenciais e cálculo das variações. José Anastácio tinha uma visão muito lúcida a respeito da matemática e de seus postulados e inclusive, criticava a linguagem obscurantista e pouco clara de grande parte dos seus comtemporâneos.

O matemático português faz demonstrações usando todo o seu gênio amparado numa lógica impecável para dar sustentação a seus postulados, enumerando-os primeiro para depois demonstrá-los reduzindo a demonstração à forma de simples verificação com o encadeamento lógico das preposições.

Os Elementos de Geometria de Euclides era o livro padrão para o estudo da geometria nas universidades portuguesas. José Anastácio vai além dessa importante obra de referência , modifica demonstrações, conexões e teoremas, sem mudar o que é essencial com o propósito de simplicar e tornar claro a exposição do seu ponto de vista, ou aperfeiçoar ainda em alguns aspectos a sua base lógica.

Nas páginas iniciais, do livro, trata das séries de termos positivos, e dá de um modo preciso o parâmetro a sua convergência, que imediatamente aplica à progressão geométrica decrescente. Julga a convergência de cada série dada, compara os seus termos com os desta progressão, deduzindo-se até chegar ao postulado:
"se a razão de dois termos consecutivos de uma série tende para um limite, inferior à unidade, quando a ordem deles tende para o infinito, a série é convergente"

Embora tenha resolvido este postulado, José Anastácio da Cunha não foi quem o enunciou, entretanto a seus calculos resolvem o problema da convergência da série.

Série convergente é àquela cujos termos são similares e determinados, cada um pelo número dos termos precedentes, de maneira que a série tenha continuidade, vindo a ser indiferente o continuá-la ou não, por se poder desprezar sem erro notável a soma dos termos aos já escritos ou indicados. Para a notação destes termos indica-se &c.

conclue-se que :
z1 + z2 + ...,

Se infinitos:
zn+1 + ... + zn+ p

O conceito das séries liga-se aos números irracionais representados por potências de expoente fracionário ou irracional, José Anastácio elaborou um postulado geral das potências com originalidade: definiu os números irracionais que se originam por meio da série exponencial de base qualquer, que tinha sido obtida no século anterior por Newton através da Álgebra, emprega operações sobre séries, e demonstra que os números assim definidos gozam das propriedades fundamentais das potências dos números inteiros.

Na parte dos Princípios matemáticos consagrados à análise e a Geometria dos números infinitamente pequenos, nota-se que os princípios dessa ciência são estabelecidos com um rigor que não se encontra nos outros livros empregados no século XVIII para o seu estudo. Só faltou, contudo, introduzir em sua exposição a palavra limite, para tornar explícitas algumas condições incluídas nas demonstrações e tornar-se assim o primeiro a estabelecer os parâmetros do cálculo infinitesimal.

V. O ensino de Cálculo no Brasil

O Cálculo diferencial foi introduzido pela primeira no Brasil como disciplina no currículo do curso de matemática da Academia Militar do Rio de Janeiro a partir de 1810, mas diferente da orientação da Faculdade de Matemática de Coimbra, que tinha como influencias Anastácio da Cunha, Lagrange, e Cauchy, no Brasil o Tratado Elementar de Cálculo Diferencial e Integral de Lacroix, fazia parte das listas oficiais e era obra de referência no estudo do cálculo no Brasil, impossibilitando que matemáticos do porte de José Anastácio da Cunha, fosse utilizado como obra de referência para os cursos de matemática no Brasil.

José Anastácio da Cunha também realizou outros importantes trabalhos, alem dos Pricipios da Matemática, como o Ensaio sobre os Principios de Mecânica, 1807; Carta Físico -Matemática sobre a Teoria da Pólvora em Geral e a Determinação do Melhor Comprimento das Peças em Particular,1769; Notícias literárias de Portugal, 1780; Ensaio sobre as Minas.

Pelo conjunto de sua obra, pela consistência e influência que exerceu no âmbito do cálculo diferencial, José Anastácio da Cunha é no século XVIII um daqueles gênios que no século XIX contribuíram para a organização lógica dos novos domínios que se tinham aberto no universo dos números. Embora matemáticos eminentes tenham feito a revisão lógica destes temas, como Cauchy, Euler, Lagrange, a José Anastácio da Cunha é tributado o feito de ter sido um dos pioneiros no tratamento do tema.

Bibliografia

CUNHA, José Anastácio. Princípios Matemáticos.Coimbra, Gráfica de Coimbra, 1987
LAGRANGE, L. Theoricas das Funções Analíticas (tradução de Manoel jacinto Nogueira da Gama). Rio de Janeiro. Impressão Régia, 1812.
TEIXEIRA, F.G. Histórias da Matemática em Portugal em Portugal. Academia das Ciências de Lisboa. Lisboa: Imprensa da Universidade, 1934.
OLIVEIRA, J.T.José Atanásio, o Geómetra exilado no interior. In em homenagem a José Anastácio da Cunha. Universidade de Coimbra, 1987.
Lacroix, S. Tratado Elementar de Cálculo Diferencial e Integral. (Tradução de Francisco Cordeiro da Silva Torres Alvim). Rio de Janeiro. Impressão Régia 1812.
 
Labareda
Enviado por Labareda em 21/06/2008
Reeditado em 03/01/2017
Código do texto: T1044585
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