LINHA DE PASSE - WALTER SALLES

Linha de Passe, filme de Walter Salles, faz sucesso no exterior e tem várias referências cristãs

Desde Glauber Rocha e o Cinema Novo, movimento que marcou época entre os anos 1960-70, a produção cinematográfica brasileira não vivia um momento tão bom e de tamanho prestígio internacional. Indicações a importantes prêmios como o tradicional Oscar e a Palma de Ouro de Cannes são reflexos da fase de ouro por que passa a “indústria dos sonhos” nacional há mais de uma década. O Quatrilho (Fábio Barreto, 1995), O que é isso, Companheiro? (idem, 1997), Central do Brasil (Walter Salles, 1998), Cidade de Deus (Fernando Meirelles, 2002) e Tropa de Elite (José Padilha, 2007) são alguns dos longas que ajudaram a sair das sombras e se projetar no cenário do cinema mundial.

Pobre em investimentos e efeitos especiais, mas rico em criatividade e conteúdo, o cinema brasileiro tem conquistado platéias do mundo inteiro por revelar, de maneira escancarada, a cultura e a realidade sócio-econômica do país – sem deixar de lado, contudo, um dos elementos básicos da sétima arte: a emoção. É esse o caminho trilhado pelo filme Linha de Passe, que concorreu ao prêmio 2008 da Palma de Ouro, em Cannes (França). A premiação, que só perde em prestígio para o Oscar da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dos Estados Unidos, foi para a película Entre lês Murs, do diretor francês Laurent Cantet. Mas o longa de Walter Salles não saiu de mãos abanando e levou a atriz Sandra Corveloni à glória de ser eleita a melhor atriz, desbancando concorrentes como a badalada Angelina Jolie e a diva Catherine Deneuve.

A paulista, que é praticamente uma estreante no cinema e não esteve presente na cerimônia, recebeu com muita surpresa a notícia. “O cinema é uma coisa nova para mim, mas não quero deixar o que eu faço no teatro; o trabalho de atriz é bem amplo”, revelou, em entrevista à Globo News logo após o anúncio do prêmio. A trama funde criminalidade e paixão pelo futebol com outro elemento cada vez mais presente na sociedade brasileira: a fé evangélica. E foi justamente por incorporar a religião ao roteiro que Salles conseguiu extrair do filme um diferencial em relação aos seus trabalhos anteriores. “Em termos de cinema brasileiro, Linha de passe representa o que melhor há atualmente, e internacionalmente encaixa-se nas especificações do cinema latino que tem marcado presença”, opina o cineasta e crítico de cinema Kleber Mendonça Filho.

Laboratório na igreja – Salles é praticamente um veterano em festivais internacionais; seu filme mais conhecido – Central do Brasil – ganhou nada menos que 55 prêmios, incluindo o Urso de Ouro no Festival de Berlim (Alemanha), além de concorrer ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro há exatos dez anos (a estatueta ficou com o italiano Roberto Begnini por A Vida é Bela). Em Linha de Passe, ele mantém uma receita simples, mas de sucesso garantido: as relações humanas, tendo como pano de fundo uma família – a mãe e quatro filhos, todos de pais diferentes –, cada um seguindo uma direção distinta na vida. Um deles sonha em ser jogador de futebol, mas em virtude da idade, não pode participar das peneiras, o processo de seleção de novos atletas; outro trabalha como motoboy e vive à margem da criminalidade; um terceiro quer a todo custo encontrar o pai; e finalmente, Dinho, vivido pelo ator José Geraldo Rodrigues, que busca refúgio na fé cristã. “Para preparar o personagem, freqüentei a Assembléia de Deus e li muito a Bíblia, onde descobri que o caminho religioso é bonito e de auto-conhecimento”, sintetiza o ator, feliz com a repercussão do sucesso da equipe em Cannes.

Analisando o longa-metragem pela ótica cristã, um ingrediente que deve chamar a atenção dos evangélicos são as pregações da ex-menina pastora – agora adolescente – Ana Carolina Dias (ver quadro). Desde que foi parar no Youtube, popular site que permite a difusão e o compartilhamento de vídeos em formato digital, a fama da pregadora se espalhou a ponto de seu sermão ser usado pelos realizadores de Linha de passe. “O filme tem uma gravação minha pregando, que autorizamos para ser usada”, conta ela, que não participou diretamente das filmagens.

Cantor, compositor e pastor, Armando Filho é outro crente que, indiretamente, teve participação no filme, por ceder um de seus maiores sucessos – O Mover do Espírito – para compor a trilha sonora. “Eu fico muito feliz com isso, porque trata-se de um bom trabalho e está sendo muito comentando pela imprensa. Tenho certeza que muitos corações serão tocados pela música”, comenta o artista. Não apenas pela música, mas sobretudo pelo talento de artistas e cineastas brasileiros fazendo o melhor de si para que o país não seja apenas do futebol e do samba, mas também do cinema.

Pequena e abençoada

Nascida em berço evangélico no Rio de Janeiro, Ana Carolina Dias começou a chamar a atenção em 2002, quando participou dos programas de TV Raul Gil e Domingo legal. Ficou no ar semanas a fio, esganiçando a vozinha e recitando versículos bíblicos e sermões decorados. Filha do pastor Ezequiel Dias, ela já percorria igrejas e emissoras de rádio, demonstrando desenvoltura e – garantiam os admiradores – muita unção. Logo criou sues bordões, como “meirmão”, “conseleiro” e “Príííííííncipe da paz”, proferidas aos berros para multidões sedentas por show e salvação.

De lá para cá, se alguma coisa mudou na vida da pequena pastora foi apenas na idade – afinal, ela deixou de ser uma menina e passou a ser uma mocinha. Prestes a completar 14 anos, Ana Carolina faz parte da Igreja Assembléia de Deus de Campo Grande, na zona oeste do Rio, e ainda carrega o título de “a mais nova pregadora do Brasil”, conquistado quando o pai descobriu o talento da filha a apresentou à mídia. Nesta entrevista, a garota fala sobre sua atuação nos púlpitos, a participação no filme Linha de passe e as perspectivas para o futuro:

JDM – Como surgiu o convite para participar do filme Linha de Passe?

ANA CAROLINA DIAS - O convite para ceder minhas imagens para o filme se deu num momento muito especial, quando estava gravando outros documentários internacionais. Quanto ao roteiro, só foi passada a parte que me caberia. Entendi, junto com meus pais, que seria mais uma forma de glorificar o nome do Senhor.

Como conciliar essa fama, agora já não apenas restrita ao segmento evangélico, com a vida comum de uma adolescente?

Bem, na verdade eu prefiro não encarar essa situação como “fama”, mas uma vocação abençoada por Deus, que a cada dia me permite glorificar o seu nome. Pela ótica humana, acho muito fácil conciliar o trabalho com o meu dia-a-dia: na escola, sou grata ao Senhor por ser vista de forma respeitosa e amável; em casa, também sou muito feliz. Amo meus pais e tenho certeza que eles também me amam. Tenho um lar de paz, feliz e abençoado. Não há nada mais gratificante do que ser reconhecida pelo público que, na maioria das vezes, tece comentários maravilhosos que alegram qualquer coração.

O que mudou na sua vida, desde o início de seu trabalho?

A princípio, eu pensava que este ministério duraria apenas enquanto eu fosse pequenininha – mas, com o passar do tempo, pude ver que a vontade do Senhor era que isso continuasse em minha vida. Assim, continuei com meu trabalho e tenho colhido excelentes frutos.

Você continua pregando com o mesmo estilo de antes ou tem adotado uma postura diferente no púlpito?

A Bíblia diz, em João 15.16: “Não fostes vós que me escolhestes a mim, mas eu que escolhi a vós, para que vades e deis frutos, e vosso fruto permaneça”. Baseado nisso, creio piamente que só irei parar de pregar o Evangelho quando o Senhor Jesus resolver me chamar à eternidade em sua presença. Quanto a estilos, formas ou posturas, somos moldados a cada momento pelo Espírito Santo, em qualquer lugar que nos encontramos.

Há pessoas que dizem que você usa o mesmo estilo de pregar dos pastores mais idosos e conservadores. Você realmente é assim?

Gosto de ser conservadora em relação a coisas santas e puras. Não posso negar que muito alegra o meu coração ver alguns pregadores que, usados pelo Espírito Santo, transmitem grande alegria nos púlpitos. Por mais que queira, nunca serei igual a eles, pois Deus nos fez diferentes um dos outros. Meu estilo é gerado em mim pelo próprio Deus, na pessoa do seu Espírito. Não se trata de uma opção pessoal, mas uma maneira especifica que o Senhor estabeleceu em minha vida.

Quais são seus planos para o futuro?

Pretendo estudar Direito e tornar-me uma juíza para defender os pobres e desfavorecidos – isso, se for da vontade de Deus.

Fonte: Revista Eclésia - Edição 124

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JDM

José Donizetti Morbidelli
Enviado por José Donizetti Morbidelli em 08/07/2008
Reeditado em 30/10/2009
Código do texto: T1070302
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