Prenderam os assassinos do Dr. Wilton Filho.
Ana Maria Ribas Bernardelli.

 

Prenderam os assassinos do  nosso Toko. Uma menor, dois homens. A polícia agiu rápido e eficientemente. Enquanto nós chorávamos, a polícia trabalhava. Eu fico espantada com a técnica e a perícia da polícia para farejar no meio de um mundo com odores tão díspares, o cheiro da carniça. A polícia sabe de onde vem o cheiro de carniça. E coloca-se a carniça na cadeia, e o dever da polícia está terminado. Parabéns à polícia. Parabéns ao Dr. Balan e à sua equipe.

 Começa agora o trabalho da justiça: esse trabalho também é eficiente, segundo as leis que vigem o país. Mas essas leis farão dessa “menor” das menores, uma provável liberta dentro de pouquíssimo tempo. A carniça voltará para as ruas espalhando o seu fedor de coisa podre, e o seu veneno de coisa viva, que balança o guizo. E dizem que belíssima, como o são algumas espécies peçonhentas.

 E agora, o que fazemos com isso? O que fazemos com o sentimento de que tudo já foi feito e ainda assim nada se fez e muito menos se fará? A cadeia é tão pouco para aqueles que dão à vida nenhum valor. A cadeia é para esses o cafofo quentinho e protegido, onde a comida vem bater na porta da grade 3 vezes ao dia,  onde se distraem jogando baralho a maior parte do tempo, onde dormem o sono dos perversos,  onde  conversam, entre si um jeito de aprimorar as suas perversidades,  como nós conversamos entre nós um jeito de nos livrarmos das nossas perplexidades.

 Alguém manifestou o desejo de pegar uma moto serra e cortá-los em pedacinhos. Mas o que faríamos com os pedacinhos? Talvez, como na Roma Antiga se fazia aos parricidas, não sei se por lenda, não sei se por realidade: colocava-se o sujeito ainda vivo num saco, jogava-se dentro de um caldeirão fervendo, e atirava-se os restos ao mar. Segundo Cícero seus restos não deveriam cair livres em terra para que ao comê-los, as feras não se tornassem ainda mais bestas feras; também não se poderia jogá-los livres ao mar, para que peixes, tubarões e outras espécies marinhas não se contaminassem com as suas excrecências.  Assim, um saco, hermético, bem fechado, garantia o  destino de não ser útil a nada, nem mesmo aos vermes.

 Mas hoje existe a reciclagem. Como a musiquinha do caminhão da Prefeitura que passa toda quarta feira recolhendo o lixo: “ separou, separou, todo o material, separou, separou para reciclar...”  

 E a reciclagem já começou. Temos um material que a lei pune com o rigor que lhe é possível, segundo o espírito com que ela foi feita, mas nós, a sociedade, os recicladores, não temos nenhuma certeza de que o produto da reciclagem nos sairá melhor do que o lixo que separamos para reciclar. Não há garantia.

 Sábado, eu e Ivo fizemos uma visita ao Wilton pai. E nos abraçamos, e choramos, e lamentamos, e recordamos, e rimos timidamente das nossas lembranças, e choramos entre o riso, e invocamos a Deus entre o choro. Na saída, Ivo, com os olhos vermelhos, já dentro do carro, virou-se para mim e disse-me assim: “ escritora, eu te desafio a escrever uma crônica: “Condenados a Viver”. Pois eu aceitei o desafio que não se encerra com esta única crônica. Falarei mais sobre o assunto: “condenados a viver.”

 Condenados a viver somos nós os cidadãos de bem. Condenados a viver em meio à dor, à tragédia, ao susto; condenados a viver em meio à saudade que corta como o diamante ao vidro; condenados a viver com a estranha sensação de que não há uma medida justa de justiça a ser aplicada neste mundo. Por mais que se criem leis para prever prováveis delitos, os delitos sempre excederão as probabilidades dos crimes previstos em lei. Porque maior é a maldade do homem do que a imaginação dos juristas.

 Há que se criar agora juristas que sejam peritos em prever mais maldades, mais assombros, mais perversidades e mais ais. Há que se criar mecanismos que inibam os delinquentes com leis mais duras, com penas mais rígidas, com respostas que acalmem a nossa porção maligna, aquela que pede aos homens o que não pode pedir a Deus, sem antes passar pelo gabinete do diabo.

 Precisamos que um Miguel Reale Júnior nos livre de ter que ir ao diabo pedir que o diabo se encarregue dos seus diabinhos. Precisamos que haja urgentemente uma revisão no código penal brasileiro, que não seja tão eficiente como a Lei dos Aiatolás para tirá-los de circulação definitivamente, mas que seja justa o suficiente para acalmar o coração de um pai que teve um filho morto por assassinos. Que seja rigorosa o bastante  para nos garantir que um indíviduo com tal grau de malignidade, seja ele maior ou menor de idade, jamais será devolvido à sociedade enquanto não pagar por seus crimes.

 E aqui me lembro de Champinha sem querer associar o nome digno da jovem que morreu em suas mãos, ao seu nome indigno.  Aqui me lembro de Champinha que se levanta às 10 horas da manhã,  joga vídeo-game o resto do dia, tem à sua disposição uma nutricionista que lhe garante uma dieta balanceada e vive  numa mordomia jamais conhecida antes de praticar a bárbarie. Quiçá lhe seja estendido, dentro de pouco tempo o direito a ter também um personal training para treinar a sua massa falida.  

 Mas nem preciso me lembrar: basta esperar alguns dias e poderei eu mesma, olhar e conferir que a criatura menor, essa ínfima entre os menores, goza do seu direito de ser menor, na mesma intensidade com que nós sofremos o nosso direito de ser maior: maior do que as feras.

 Prenderam os assassinos. Citando Cícero “ tal como o ar para os vivos, como a terra para os mortos, como o mar para os que nadam e como a praia para os que nela são lançados” temos agora os assassinos do Toko na praia.

 Desfrutando férias por alguns verões.   

 

Ana Maria, octb, 2008.