EU NÃO AGUENTO ESSA PRESIDENTE. 
ANA MARIA RIBAS.

 

Sempre que  chega em minha casa a revista Veja gosto de ler a página do Leitor, onde o cidadão comum comenta as matérias que foram publicadas na semana anterior.

 Aprende-se um bocado nessas páginas. Aprende-se que, cada pessoa segue um raciocínio que parte da notícia, mas segue a lógica pessoal. Há muitos caminhos que se nos apresentam ali, como parte da aprendizagem. E há descaminhos também. Opiniões completamente estapafúrdias. Idéias mais que loucas, alternando-se com idéias sensatas. Enfim, ali está o ideário psico-intelectual do povo brasileiro.

 Na semana passada, as páginas amarelas mostraram a jornalista Joyce Pascowitch contando o drama pessoal que  viveu recentemente – um câncer de mama. Apesar do tom um pouco irreverente, qualquer pessoa que possa realizar um exercício de transferência, consegue imaginar o drama que essa moça viveu. E que ainda vive.  E que viverá pelos próximos 5 anos, com a faca no pescoço.

 As notícias boas ou ruins, nos chegam pelas páginas da revista, nós fazemos a nosssa capacidade de síntese, retemos o que nos interessa, sem nenhum planejamento consciente, e a vida segue no trajeto de um bonde. Ora apreciamos a paisagem, ora nos entendiamos, ora nos indignamos com a história dos outros. Que a nossa nos parece feita de mesmices. Graças a Deus!

 Mas aí vem a Veja da semana seguinte. E como parte do aprendizado que não se completou, vou para as páginas do leitor aprender mais. No caso da jornalista que foi portadora de um CA de mama, três leitores comentaram. Um dos comentários foi exatamente o de uma médica mastologista.

 Ela inicia o comentário com uma estatística: “10.000 mulheres morrem por ano dessa neoplasia no Brasil.” -Altíssimo número óh Deus Altíssimo- Já vou me arrepiando toda.  Depois, como se movida por súbita iluminação, ela envereda por um rumo mais ameno: “a doença tem chance de cura de 95% se descoberta cedo.” É assim mesmo: sujou, tem que limpar. E depois de tudo limpinho ela se despede, assinando e colocando seus cargos e títulos.

 Tudo normal. Aparentemente. Revire um pouco mais e se verá que no dia em que ensinaram humanidade essa senhora faltou à aula.  

 Primeiro porque não se pode substantificar o que é esse "cedo". Ela não fala do tamanho do nódulo em milímetros,  não acrescenta nenhum dado científico que possa ser assimilado pelo comum mortal porque deve nos pressupor incapaz de entender as mínimas questões científicas.  Assim ela diz apenas: ““a doença tem chance de cura de 95% se descoberta cedo.”

 Quem sabe esse “cedo” signifique: “pela manhã?” Ou “antes do meio dia”? porque depois do meio dia já seria tarde. Mas entre cedos e tardes, o que mais me impressiona é a frieza de um número alarmante: “10.000 mulheres morrem por ano dessa neoplasia no Brasil.”

 Como é fácil comentar as desgraças alheias com estatísticas que enriquecem o comentário. Fica chic. Demonstra conhecimento de números.  E como é difícil ao comentarista, colocar-se no lugar do outro, do outro que recebeu a violenta exposição de quimio, de rádio e de mídia: três agressores implacáveis.

 Eu, se fosse a médica, omitiria quaisquer números. Eu os deixaria para o momento em que fosse ela a entrevistada. Nesse caso, sim, estatísticas teriam um caráter necessário e informativo.  

 E por que eu faria isso? Porque, fazendo um exercício de sensibilidade inteligente, eu saberia que esses dados estatísticos serão  lidos- como certamente o foi – pela jornalista que corajosamente compartilhou com o Brasil os detalhes da sua doença. E que não é apenas um número, é uma pessoa.  Dessa maneira, a informação que o o oncologista de Joyce jamais expôs para a sua cliente- por julgar desnecessária e contraproducente- chegou-lhe pelas páginas do leitor, através da presidente não sei de qual órgão, que cuida da saúde da mulher.

 
Uma informação que pode até ter importância para nós, cidadãs do sexo feminino, portadoras de duas mamas, mas que, dependendo da sensibilidade, me parece cruel para com aquela que só tem  uma.

 Eu sou assim: leio a linha e as entrelinhas. E se meu intelecto se enriquece com as linhas, minha alma fica melhor com a aprendizagem que deriva das entrelinhas.

 Não sou presidente de nada, mas não aguento essa que é. Os presidentes  presidem, com mamas ou sem mamas. Essa preside com o cérebro.  
Ana Ribas
Enviado por Ana Ribas em 12/10/2008
Reeditado em 02/11/2008
Código do texto: T1224045
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