O imortal Josué Montello e sua coroa de areia

Tornou-se eterno, semana passada, aquele que já foi o mais jovem “imortal” da Academia Brasileira de Letras: Josué Montello. Deixa um vazio irreparável nas Letras Brasileiras, não só pela vastidão de seu legado como pelo valor cultural incalculável de sua contribuição como jornalista, professor, romancista, cronista, ensaísta, roteirista, historiador, orador, teatrólogo e memorialista que foi.

Nascido em São Luís do Maranhão em 21 de agosto de 1917, ao ser eleito para a Cadeira n. 29 da ABL aos 37 anos, Montello parecia coroar uma carreira marcada pela genialidade e reconhecimento precoces. Carreira esta absolutamente plural, onde aos ofícios já citados convém juntar os cargos de Diretor-Geral da Biblioteca Nacional – que recuperou, ampliou e modernizou; reformador do ensino público no Maranhão; Professor de Língua Portuguesa em Universidades no Peru, Espanha e Portugal; subchefe da Casa Civil do Presidente da República no governo JK; conselheiro cultural da Embaixada do Brasil em Paris e embaixador do Brasil junto à UNESCO. De janeiro de 1994 a dezembro de 1995, presidiu a Academia Brasileira de Letras e reformou sua sede.

Uma vida em constante ebulição. São tantos os encargos assumidos, funções realizadas, prêmios recebidos, profissões exercidas – que não vale a pena mais que citar fontes que falem delas em detalhe, pois aqui, o que se quer relembrar é o romancista.

Um romancista sem igual na História da Literatura Brasileira, diga-se de passagem, um Romancista com maiúsculas. Pois por mais que haja inúmeros outros excelentes artífices desta palavra portuguesa por nós abrasileirada (o “pai” Machado de Assis e os mestres Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Érico Veríssimo e Jorge Amado – só para citar os mais célebres), por mais que haja inúmeras obras-primas isoladas, além da obra desses “monstros (con)sagrados” (vide obras como a “Lavoura Arcaica”, “A Casa Assassinada”, “Lições de Abismo” – só para citar três, Nassar, Lúcio e Corção); Josué Montello dominava a técnica do romance como ninguém.

Escrevia sobre tudo, com temas que variavam de um romance para outro com a mesma desenvoltura: do memorial ao romance histórico, do semi-policial ao suspense, do regional ao internacional. E repito, escrevia bem não somente porque era culto e inspirado, mas porque conhecia e dominava a técnica do romance como ninguém. Como um estrangeiro: tivesse nascido americano, escreveria best-sellers e alta literatura a um só tempo, roteiros de filmes, musicais da Broadway e pulp-fiction, romances históricos e filmes noir.

Homem que soube unir a vasta cultura adquirida aos predicados da terra em que nasceu e viveu até a juventude, JM possuía aquela fluidez que todos os escritores almejam, aquela erudição que escolhe a palavra certa, porém nunca a mais difícil; aquela capacidade de escrever personagens em alto-relevo - que teimam em saltar de suas páginas, reais que são, e povoar nosso dia ou nossos pesadelos; aquele vislumbre do gênio que encerra toda uma época em uma imagem, e a deixa lá, fazendo de conta que não foi por querer.

Nem vou falar dos livros, muitos, ou dos romances. Cito apenas três, duas apostas certas e uma ousada, todos do seu ciclo mais produtivo: “Os tambores de São Luís” (sua obra-prima, de 1975), “Noite sobre Alcântara” (1978) – os consagrados – e a minha pequena ousadia: “A coroa de areia”.

Este, um romance considerado “menor”, de 1979, contém em seu enredo elementos tão díspares quanto o romance de formação, ao mostrar os primeiros anos do protagonista em São Luís, o romance de amor, em seu interlúdio, o thriller, ao narrar as desventuras da esposa do protagonista no Rio de Janeiro e o romance político, ao denunciar os desmandos da Era Vargas. Pretensão e simplicidade que, ao serem plenamente atingidas, conferem a marca do gênio em qualquer obra.

Vá lá, põe aí também “O Cais da Sagração” (1971) e já são quatro. Ou todos os outros. Mas leia. Não deixe de ler Josué Montello, um dos maiores romancistas brasileiros do Século XX - quiçá o mais técnico e profícuo. Descanse em paz, Mestre.

Renato van Wilpe Bach
Enviado por Renato van Wilpe Bach em 27/03/2006
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