Desabafo de um professor

A educação precisa ser vista sem o viés ideológico, não sem ideologia, isso nunca, mas apenas deve ser vista a partir do que ela realmente é, ou seja, condição sine qua non para o desenvolvimento, e ainda por um de seus objetivos, ainda que um dos mais liberais, que é a formação de pessoas.

As pessoas são formadas por um conjunto de experiências, as familiares ainda nos primeiros anos de vida, as sociais e também às de educação formal. Hoje em dia é muito comum a família transmitir à escola essa função, mas não se pode negar a importância da educação formal, e sobre isso todos temos que gritar contra esse desprezo dos governos com a educação.

Esse desprezo me parece oriundo de pessoas que não conhecem nada de educação e não sabem mensurar sua importância, pessoas que nunca tiveram que conviver dentro de uma escola, pessoas que nunca enfrentaram uma sala de aula, onde alunos de um curso superior nos dizem, com a cara mais limpa do mundo, que o Rio Grande do Sul fica logo abaixo do Rio Grande do Norte (isso aconteceu numa prova do curso de turismo de uma faculdade onde trabalho), portanto, na minha opinião, é uma coisa que se deve levar em consideração, devemos combater esse desprezo no todo, são necessárias grandes mudanças na gestão das escolas privadas de nível superior , de forma a garantir o papel social da educação privada.

Esta na hora de derrubar esse argumento falacioso, hoje, quem garante o acesso ao ensino superior para as camadas mais simples da população são as escolas privadas, as universidades federais estão lotadas de pessoas que ganham carros dos pais quando passam no vestibular, as universidades públicas se tornaram o objetivo dos jovens, pois se prega que a qualidade é infinitamente superior do que nas faculdades privadas, disseminou-se que as faculdades particulares são lojas de vender diplomas, é senso comum hoje em dia que somente as universidades federais possuem qualidade de ensino, e esse senso comum alimenta uma a poderosa indústria do cursinho, onde nossos jovens bem nascidos que podem pagar pelas mensalidades destes cursinhos são bombardeados por macetes e musiquetas de forma a passar no vestibular de uma federal, sim federal, pois em uma particular qualquer um passa.

Sabe, isso me irrita e me entristece, e vem o governo e quer resolver pelo lado errado, ao invés de se discutir a qualidade do ensino fundamental e médio da escola pública, se criam cotas, ao invés de combater as faculdades privadas que não são sérias, e elas existem, se criam modelos de ingerência em todas sem nenhum critério. É preciso parar com isso e discutir assuntos que possam resolver os problemas que realmente importam, está extremamente claro que o governo é incompetente para dar ensino superior gratuito, por diversos motivos e o principal deles é o tamanho deste país, não se pode perder de vista que sem a iniciativa privada o governo nunca vai dar conta de aumentar o número de matriculados no ensino superior como é seu louvável objetivo.

Portanto se deveria estar discutindo questões referentes às instituições de ensino privado que garantissem sua qualidade, e principalmente estar discutindo como financiar o ensino privado para as camadas mais carentes e maiores da população.

Sou professor de três, isso mesmo três faculdades particulares, preciso manter uma carga horária de 28 horas-aula em sala de aula, para receber um salário decente, meus alunos em sua grande maioria trabalham durante o dia para estudar a noite e pagam a faculdade a custa de muito sacrifício, mesmo os alunos que estudam pela manhã têm empregos de meio período e muitos trabalham em call centers com horários que varam a madrugada de forma a garantir seu curso superior, sem exceção, todos já ouviram comentários preconceituosos sobre o fato de estudarem em um faculdade particular, todos se consideram menores e menos capazes pois segundo o senso comum vigente estudam em faculdades particulares porque não deram conta de passar no vestibular de uma pública.

Nas instituições que trabalho, todas particulares, nunca me pediram que passasse um aluno, nunca fui impedido de reprovar quem quer que seja, e eu e meus colegas levamos muito a sério nosso trabalho, e mesmo tendo cargas horárias de trabalho ridículas ainda tentamos orientar nossos alunos e fazer pesquisas, muitas vezes tirando dinheiro do nosso bolso, ou usando nossas cotas de cópias na faculdade de forma a viabilizar questionários e coisas do gênero.

Com essa realidade ainda tenho que escutar que somente as universidades públicas têm qualidade, e sou obrigado a assistir o governo ignorar o problema, um governo que aumenta carga tributária, que aumenta o gasto público, ...

Desculpe o tom de desabafo, mas é muito difícil ser professor nesse país.

Cristiano Leão
Enviado por Cristiano Leão em 29/04/2005
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