A guerra da dengue

A epidemia da dengue tem se mostrado um problema de saúde de dificílima solução. Muitos fatores têm contribuído para o insucesso na eliminação do agente causador, o mosquito “Aedes Aegypti”. Dentre esses, destaca-se a falta do engajamento de toda a sociedade ao combate efetivo aos criadouros do mosquito. Além disso, destacam-se também a fragilidade da saúde pública nacional; a falta de uma infra-estrutura adequada e a falta de uma política de ação bem mais vigorosa, como numa guerra, onde se tentasse por todos os meios vencer o inimigo. Segundo dados da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde somente no ano de 2007 foram registrados 158 óbitos causados por essa doença. Segundo ainda essa Secretaria houve um pequeno decréscimo em 2008 em relação à 2007.

O certo é que o combate à dengue requer mais aplicação de recursos financeiros, além, é claro, de uma mudança radical de hábitos comportamentais objetivando tornar essa epidemia mais vulnerável aos mecanismos que se encontram disponíveis para erradicá-la de vez do cenário nacional.Como até hoje não se dispõe de uma vacina para imunizar a população, o jeito é mesmo adotar-se ações preventivas.

Será que não estaria na hora de se copiar as práticas e procedimentos utilizados há mais de 1 século pelo higienista brasileiro, Osvaldo Cruz, que no ano de 1.902 à 1.906 fora largamente perseguido por todos e denegrido pela imprensa e até mesmo pelos políticos de antanho,por ter adotado medidas drásticas para conter a epidemia de febre amarela no Rio de Janeiro ?

Esse insigne brasileiro criou um Código Sanitário e uma brigada mata-mosquitos objetivando exterminar os mosquitos transmissores da doença bem como acabar com os lugares onde se procriavam. E o melhor, ele conseguiu.

Através da pena do escritor, Lois Mattox Miller, transcreve-se, ipsis litteris, um trecho do artigo, Um médico salva o Brasil, onde demonstra como as coisas ocorreram naquela época:

“Quando os mata-mosquitos, metidos em escuros uniformes cáqui, e armados de vassouras, latas de querosene, pistolas de pulverização, etc., começaram a fazer, sem mais nem menos, suas visitas domiciliares, a reação cresceu de tal maneira que a própria casa de Osvaldo foi cercada por uma malta agitada e sua família e até ele mesmo tiveram que escapar, à noite, pulando a cerca dos fundos. Durante os três anos, a brigada efetuou 512 mil visitas a 65 mil prédios do Rio de Janeiro. A exterminação dos mosquitos, em uma casa comum, tomava, em média, três horas. Em um ano, um milhão e meio de reservatórios, tanques, goteiras e receptáculos de águas estagnadas foram limpos – e assim conservados. O número de intimações a proprietários, para a execução de melhoramentos, subiu a 64.594 – uma para cada casa da cidade. Foi ordenada a evacuação de cerca de 3 mil prédios e em alguns quarteirões foi necessário recorrer à dinamite para os por abaixo. É fácil imaginar a repercussão de tais fatos, de que resultavam incômodos para uns, prejuízos para outros, tanto mais que havia técnicos de reconhecida autoridade a dizer que tudo aquilo não passava de pantomima. A indignação, a revolta assumiam de hora em hora maiores proporções. Não se brincava com as medidas drásticas. Eram elas cumpridas rigidamente. Sempre que preciso, a Brigada invadia, à força, as casas. O querosene, de cheiro pouco agradável, corria livremente. Moradores de casas condenadas tinham que abandoná-las sem delongas. Perturbada a população, não faltaram demagogos para clamar por justiça. Eis agitado o Congresso. Os jornais de oposição punham ácido nas informações e comentários que publicavam sobre a matéria. Hoje imortalizado no Brasil como uma de suas glórias mais autênticas, Osvaldo Cruz foi, no seu tempo, chamado de idiota no Senado brasileiro. Quilômetros e quilômetros de muros de jardim, que se cobriam de cacos de garrafas para evitar os ladrões, não podiam deixar de ser demolidos, porque a água da chuva coletada neles facilitava a procriação de mosquitos. Mas ao ruído da demolição se juntava o dos protestos de moradores ou proprietários, que se consideravam vítimas de uma violência inútil e desabusada.

A cada passo, tinha Osvaldo Cruz que apelar para meios engenhosos, para contornar os empecilhos que a lei, ou a necessidade de uma lei, opunha às grandes medidas sobre as quais não devia hesitar, nem ter tempo a perder. Uma vez, um médico da Brigada fez ver que, a fim de sanear determinada zona, se impunha a destruição de certa casa, na área poluída. Intimado a mudar-se, o proprietário, que morava na casa, replicou exibindo um documento em ordem, firmado por juiz, e no qual o direito à posse de sua propriedade e moradia lhe era assegurado. Osvaldo quis examinar o papel. “Deixe-me ver”, disse. E, depois de uma breve pausa: “Mas aqui não se diz nada sobre o telhado da casa. Vamos tirar o telhado.” Destelhada a casa, foi só sobrevir a chuva, para que o recalcitrante corresse em busca de lugar mais seco para abrigar-se.” Canções populares, juntando o ódio ao ridículo, foram dedicadas na época, ao “médico louco.”Durante o primeiro ano da ação enérgica de Osvaldo Cruz, o número de mortes por febre amarela, no Rio, baixou de 584, em 1.903, a 48, subindo contudo, inexplicavelmente, a 289, em 1.905. Daí por diante não mais se manifestaram surtos epidêmicos . A estatística de mortes foi baixando anualmente a 42, 39, 4, até reduzir-se a zero, em 1.909.”

Amarú Inti Levoselo
Enviado por Amarú Inti Levoselo em 24/01/2009
Código do texto: T1401425
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