Sábado matutino de um jaleco branco

- Conjunto hospitalar, bom dia!...Um momento vou transferir!

- Conjunto hospitalar, bom dia!...Só um minuto!

Deveria ser essa rotina que o telefonista fazia repetitivamente antes da chegada de quatro indivíduos de nariz vermelho.

- Bom diaaaaaa...Olha só! Telefonista nova?

- Não, eu só estou cobrindo a “fulana”!

- Ah, que bom, ela deve estar com frio mesmo, coloque bastante cobertor!

Deixamos nossos pertences aos cuidados daquela senhora muito prestativa e alegre, e partimos em direção do hospital regional. Começamos a subir aquela ladeira enorme e interminável, porém na metade do caminho aconteceu algo que nos fez esquecer o esforço que fazíamos. Lá no alto, em sentido contrário ao nosso, desponta uma menininha linda, que depois descobriríamos que se chamava Larissa. Quando nos viu, imediatamente parou de andar e ficou estática, suas acompanhantes adultas abriram um sorriso e fizeram algum comentário que nossos ouvidos palhaços não puderam ouvir devido a distancia. Mas isso não foi barreira para nos comunicarmos com Larissa, assim que parou, nós também paramos, como se brincássemos de “siga o mestre”, e assim foi durante um tempo, Larissa que nos últimos dias, provavelmente só seguia ordens de médicos e enfermeiras, finalmente teve o prazer de comandar algo, ela era nossa líder, e só andávamos se ela também o fizesse.

Ao entrar nas dependências do hospital regional, uma inversão de papéis, pois a alegria das faxineiras que limpavam o hall principal foi que nos contagiou, brincamos de pular corda e de “unha na mula”, mas logo lembramos de nosso objetivo principal, e ali dividimos as duplas, Dra Mônica e Dra Lilica foram ao pronto socorro, enquanto eu e Dra Dorethea subimos de elevador até a pediatria.

Lá chegando avistamos Junior (3 anos) passeando pelo corredor, foi receoso no início, mas logo conquistamos sua amizade, e isso se deu através de telefonemas, isso mesmo, ele estava segurando um celular de brinquedo, enquanto uma bolinha de malabares e um pote de bolhas de sabão viraram os telefones dos palhaços que travaram uma longa conversa de linhas cruzadas.

Entramos no segundo quarto com a permissão de Gabriel (uns 10 anos), e após algumas tentativas frustradas de iniciar uma conversa, ele se interessou por um misterioso aparelho de ouvir duendes que minha imaginação criou. Gabriel ria da “não funcionabilidade” do aparelho, pois a voz de duende que eu acreditava ouvir, era simplesmente a Dra Dorothea sussurrando logo atrás de mim. Nesse quarto ainda havia um recém nascido chamado João Paulo, que enquanto dormia, sua mamãe ganhou uma florzinha de plástico:

- Tem que regar todo dia para ela crescer hein!

No terceiro quarto, Lena acompanhava sua filha, uma bebezinha linda que dormia tranqüilamente, enquanto a mãe ria com os palhaços:

- Segura isso aqui para mim (um frango de borracha) – Isso, agora joga pra mim!

Ela atende o pedido.

- Issoooo, parabéns, você soltou a franga. Você solta a franga como ninguém, meu parabéns!

Quarto quarto, ou quarto numero 4, Katerine (9 anos) prontamente atendeu nossos pedidos para invadir seu espaço, porém Thais (2 anos) não gostou muito da idéia, e teve que ser conquistada aos poucos.

- Viu Dorothea, eu posso entrar, mas você não, trate de ficar aí fora!

Thais só abriu um sorriso, quando sem querer, apertou a barriga de sua boneca, que começou a falar:

- Aiii minha barriga / Vamos brincar? / Isso faz cócegas / Te amo mamãe / Vamos nanar? / To com fome!

Isso deu um susto nos palhaços, e Dra Dorethea se transformou em uma boneca gigante que dublava a voz da boneca menor, a partir daí Thais se sentiu no comando da situação e se soltou para todas as outras intervenções que fazíamos.

No quinto quarto, estavam Larissa (6 anos), aquela mesma que encontramos na ladeira no começo da visita, e por isso estava bem solta diante dos palhaços, e Thiago (4 anos) que não largava a mão de sua mãe, mas com o tempo ele ficou mais tranquilo, principalmente quando passou a assustar os palhaços com um rato de borracha. Um pouco depois, como se em um passe de mágica, tínhamos uma platéia composta por algumas mães, crianças de outros quartos que já havíamos visitado e dos que ainda visitaríamos. Nesse caso a palhaçada passou a ser mais grandiosa e exagerada. Eu, Dr. Feijó, atrapalhado, não conseguia sair do quarto, não achava a porta, enquanto Dra. Dorothea, mais atrapalhada ainda, abria e fechada a porta, fazendo com que ela batesse em minha cabeça.

No sexto e ultimo quarto, a única “hospede” era Jennifer (7 anos), mas logo Katerine e Larissa vieram faze-la companhia. As três passaram por uma rotina de exames e constatamos que todas estavam com capivara no ouvido, fizemos o tratamento e retiramos as três capivaras, cada qual com sua cor especifica (as capivaras era lenços coloridos), que depois serviram de material para malabarismo.

Onze horas, precisávamos ir, pois Dra Mônica e Dra Lilica já nos esperavam no hall principal. Lá chegando, mais algumas divertidas brincadeiras com as faxineiras que, assim como nós, estavam ao término do trabalho, e logo iriam almoçar. Descemos a ladeira, e pouco antes de voltarmos ao mundo real, encontramos algumas pessoas, que acredito estarem esperando noticias de parentes internados, na porta do hospital Leonor. Fizemos uma rápida reunião de “qualquer coisa anônimos”, e as bobagens saíram facilmente.

Por fim, tiramos os narizes vermelhos, a maquiagem e as roupas coloridas, e voltamos para nossas vidas. Já em casa, meu jaleco branco foi tomar um banho, descansar e se preparar para a próxima aventura em algum sábado matutino.