Catolicismo filosófico?

Meu avô era um livre-pensador.

Criado na rigidez da doutrina Evangélica Reformada holandesa, Jacobus van Wilpe soube aproveitar também os privilégios de uma educação formal bastante abrangente, ainda que curta, nos quinze anos que viveu em sua Holanda natal.

Já no Brasil, o colono radicado em Carambeí viu inevitável o confronto entre sua alma questionadora e a rigidez dos dogmas de seus conterrâneos. Criticado pela não-observância do “Dia do Senhor”, mal-interpretado por sua visão bastante peculiar das escrituras, premido pela necessidade de buscar (melhor) sobrevivência econômica, foi dos primeiros a buscar nova vida em outro lugar.

Pai temporão – só aos quarenta e cinco anos veria nascer sua única filha – deixou a ela a decisão de optar (ou não) por algum tipo de credo. Achava que assim libertá-la-ia dos jugos e preconceitos a que foi submetido - retirados de sua pele como quem troca de casca, ao longo de uma vida inteira de estrita observância ao que considerava JUSTO, somente, sem apegar-se à nenhuma denominação religiosa. Sua esposa, filha de alemães e Luterana Evangélica, permaneceu assim, porém não-praticante, durante toda sua vida.

Minha mãe converteu-se ao Catolicismo Romano ao casar-me com meu pai, oriundo de família de origens mistas, brasileira e alemã. Nesta Religião eu fui educado, em suas Igrejas convivi com outros fiéis durante longos anos.

A decepção com o que Gustavo Corção chama de “vaidade essencial” presente “nos grupos de homens virtuosos, bem intencionados, bem comportados, que se unem para salvaguardar a sã doutrina e os bons costumes” fez-me tomar distância daquela fé que pequenino abraçara e vigorosamente sentira encher-se de razão em meu coração inquieto de adolescente.

Ganhei então o mundo: busquei livros, idéias, filosofias, crenças, descrenças, ateísmos. Através do Kardecismo reencontrei uma das facetas do Cristo, até então pouco conhecida por mim: a de ser humano real, inteligentíssimo (como agora anda na moda dizer, para vendê-lo como psicólogo, gênio ou empresário) e portador de uma filosofia de vida aplicável à vida prática.

Mais tempo se passou e vi que aquela imagem de Jesus como “um ser de luz”, um “espírito mais evoluído”, apenas, não me bastava. Reconverti-me, casei-me com alguém que comungava da mesma fé, usei desta no peito em forma de crucifixo que me marcou a pele de maneira definitiva.

Depois, nova decepção. Citando novamente Corção, aprendi que “O mundo é um lugar de mistura”. E que “A Igreja, estando no mundo, abarca provisoriamente esta mistura”.

Carrego comigo, contudo, um cabedal de conhecimentos e luzes à beira de uma estrada que não estaria lá, não fosse a influência de personagens essenciais como João da Cruz, Teresa D’Ávila e Teresinha de Lisieux. Chamo-a há tempos, esta estrada, de “catolicismo filosófico”, com todas as contradições que o termo possa conter. Defino-a para mim como a fé que carrego sozinho, isolado de meus semelhantes – que de mim só poderiam saber, hoje, as ações.

Descobri inda ontem que o termo já existia – é claro – e de quebra um pouco da história, das polêmicas, do estilo e da verve de Gustavo Corção, discípulo de Chesterton, seu maior expoente no Brasil. Lendo seu único romance, o recentemente relançado “Lições de Abismo” (Agir Editora, 2004) - em que a trajetória de um homem de encontro a si mesmo e à própria Morte - encontro o mesmo amálgama que conheci no supostamente ateu Jacobus van Wilpe. No livro, como nas idéias do artista e escritor que meu avô foi, Pascal, Freud, Voltaire, Marx e Jules Verne (para citar apenas uns poucos) têm um mesmo e único - valor noves fora pesos diferentes: fazem parte do mesmo anseio de entender-se o mundo e o ser humano de uma perspectiva mais sólida (conhecimento) e fluida (filosofia).

Já não me sinto tão só. Espero contudo encontrar, além da próxima curva ou esquina, novas perguntas feitas em pé, sob terreno sólido. É o mínimo que devo a mim mesmo e aqueles que semeiam, diariamente, suas idéias e reflexões em meu pensamento conturbado de cidadão do Século XXI.

Renato van Wilpe Bach
Enviado por Renato van Wilpe Bach em 26/04/2006
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